15 Outubro 2020
Vaticano e mundo das finanças juntos em prol dos investimentos éticos na pós-pandemia: “A sustentabilidade é um direito humano”. O cardeal Ravasi e o Pe. Zampini participaram do congresso organizado pelo Südtirol Bank, em colaboração com as mídias vaticanas, cinco anos após a Laudato si’: “As finanças devem ser um fim compartilhado, e não um apanágio para poucos privilegiados”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada em Il Secolo XIX, 13-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Será que algum dia será possível derrubar do trono do sistema econômico e financeiro aquilo que o papa chama de “deus dinheiro”, para finalmente fazer subir a pessoa humana? Aprendemos alguma lição com a crise de 2007 e com a recente crise causada pela Covid-19? É utópico pensar em construir um sistema sustentável, que respeite o ambiente e a economia social?
Interrogações cruciais em tempos incertos como os atuais, marcados pelo coronavírus, sobre os quais se interrogaram prelados e expoentes do mundo financeiro, em um congresso nessa terça-feira, 13, na Sala Marconi (Rádio Vaticano), organizada pelo gerente de divisão do Südtirol Bank, Alfonso Meomartini, em colaboração com as mídias vaticanas.
“Cinco anos após a Laudato si’, investimentos éticos para um mundo sustentável” foi o título do encontro – transmitido em streaming – que, à luz da encíclica Laudato si’ e da mais recente, Fratelli tutti, tentou dar uma resposta a desafios e interrogações velhos e novos, reforçando também a relação desejada pelo Papa Francisco entre o mundo das finanças e a Igreja, depositária do “grande tesouro” que é a doutrina social.
“Há uma mentalidade que está mudando, principalmente entre os jovens, que esperam respostas e compromissos concretos”, explicou Meomartino. “Por isso, é significativo discutir isso no Vaticano, para fazer um balanço do caminho percorrido por nós, operadores financeiros, e também receber contribuições de quem sabe olhar mais longe do que nós.”
Em nome da Santa Sé, diante de um público composto por gestores do AISM Luxemburgo, Natixis, Pramerica, J. Lamarck, intervieram o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, e o Pe. Augusto Zampini, secretário adjunto do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, à frente de uma das forças-tarefa vaticanas para o pós-pandemia.
Vários professores e empresários também ofereceram a sua experiência de “melhores práticas” aplicadas no campo da ética econômica.
Como ilustre biblista, Ravasi partiu dos imperativos bíblicos de “cultivar e preservar, subjugar e dominar”, para refletir sobre o conceito de “sustentabilidade”, que, disse, “não é apenas um fenômeno técnico, mas também entrou entre os direitos humanos da quarta geração”.
“O empresário – explicou o cardeal – é aquele que guia a evolução, que está atento em olhar mais além do rebanho. Subjugar, por outro lado, é o verbo do agricultor que lavra a terra para torná-la fértil.”
Depois, uma advertência para o mundo das finanças: “Se você arruinar o quadro em que estamos imersos, não só ferirá um plano físico, mas ferirá completamente a existência do planeta e da nossa existência”.
Em seu discurso, o cardeal – usando máscara o tempo todo – citou o filósofo francês protestante Paul Ricoeur: “Vivemos em uma época em que a bulimia dos meios corresponde à anorexia dos fins”. E lembrou também as palavras do prêmio Nobel Amartya Sen: “A economia deve voltar a ser uma disciplina humanística, que tem como base a filosofia moral”.
“Não se deixem conquistar pelo esplendor e pelo poder da gestão”, foi o convite de Ravasi aos presentes, “recordemos sempre que o trabalho não é simplesmente um recurso, mas também a dignidade de uma pessoa.”
Por sua vez, o Pe. Zampini articulou a reflexão a partir de uma curiosa metáfora que, a seu ver, sintetiza a situação atual do mundo: “Dois boxeadores em um ringue. Um é a Covid-19, o outro é o mundo: os dois lutam entre si. Mas, ao lado do ringue, há muitos outros boxeadores prontos para lutar, incluindo as mudanças climáticas, que dizem: ‘Vou esperar, depois entro no ringue e destruo tudo’”.
O ex-advogado que se tornou monsenhor traçou uma análise da crise econômica e financeira dos últimos anos: “Tinha que ser a oportunidade para redesenhar os critérios éticos na base da crise, mas a resposta financeira foi insatisfatória, e os critérios não mudaram, pelo contrário, se revigoraram”.
Em síntese, a mesma denúncia expressada pelo papa na Laudato si’: “É importante ler a encíclica para se dar conta de como aprendemos pouco com a crise financeira mundial de 2007-2008, que poderia ter sido uma oportunidade para desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e uma nova regulamentação da atividade financeira especulativa e da riqueza virtual”, escreveu Andrea Tornielli, diretor editorial das mídias vaticanas, na apresentação do congresso.
A sugestão de Zampini é projetar a reflexão para o futuro, particularmente sobre o papel das finanças, que “não são um fim em si mesmas, mas sim um instrumento a ser posto a serviço da coletividade”.
“Devemos olhar para os objetivos”, afirmou. “Isso não foi feito na crise anterior à atual emergência sanitária e deve ser feito agora. Este é o momento.”
Entre os objetivos urgentes para o pós-Covid-19, o religioso elencou “a regulamentação dos mercados financeiros”, “incentivos e concessões para o emprego” e, acima de tudo, a necessidade de se comprometer internacionalmente para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável fixados pela ONU para a agenda 2020-2030.
“É impensável – concluiu – uma finança que não tenha uma recaída social sobre a comunidade: este é o momento para promover bons operadores financeiros, para que as finanças sejam um fim compartilhado e não apanágio para poucos privilegiados.”
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O mundo das finanças e a pós-pandemia: “A sustentabilidade é um direito humano” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU