09 Outubro 2020
A produção acelerada de alimentos em escala global disparou as emissões de óxido nitroso (N2O), o terceiro gás que mais provoca mudanças climáticas devido ao seu efeito estufa. A taxa e a quantidade de N2O liberado na atmosfera pela agricultura e pecuária tornam muito difícil o cumprimento do Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas: “É incompatível com seus objetivos", segundo a primeira avaliação global sobre esse gás, publicado nesta quarta-feira, na revista Nature.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 07-10-2020. A tradução é do Cepat.
O uso em massa de fertilizantes e composto de esterco para multiplicar a produção de cereais e outras culturas para consumo humano e a fabricação de ração para gado libera cerca de 1.500 milhões de toneladas de N2O. Sua concentração no ar aumentou 20%, desde os tempos pré-industriais. As emissões causadas pela ação humana cresceram 30% nas últimas quatro décadas, constata a avaliação.
Na Espanha, foram liberadas 18 milhões de toneladas de óxido nitroso no ano passado, das quais 13 vieram da agricultura, segundo o Inventário Nacional do Ministério da Transição Ecológica. O potencial de efeito estufa deste composto e sua longa duração na atmosfera (superior a cem anos) o tornam o terceiro agente responsável pelo aquecimento global e, portanto, pelas mudanças climáticas na Terra. A concentração que esse gás está atingindo começa a ultrapassar os níveis calculados para atender ao Acordo de Paris e interromper o aquecimento global bem abaixo de 2 graus, afirma a pesquisa.
“Há um conflito entre a forma como estamos alimentando as pessoas e a estabilização do clima”, explica o principal pesquisador desta avaliação, Hanqin Tian. Só a produção mundial de cereais cresceu 240%, desde 1961, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Cerca de 2,3 bilhões de toneladas de cereais foram colhidas em 2011 e deve ultrapassar 2,7 bilhões este ano (mais de 30% dos grãos são usados para alimentação animal). Enquanto isso, a soja passou de uma produção global de 242 milhões de toneladas, em 2012, para 362 milhões, em 2019, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
No entanto, apesar desse ritmo crescente de produção, que impõe uma conta alta em termos de aquecimento global e crise climática, verificam-se dois fatos: 32% de toda a produção de alimentos para humanos é perdida ou desperdiçada a cada ano: 1,3 bilhão de toneladas, segundo a FAO.
Na Espanha, o desperdício de alimentos também está aumentando. A última contagem do Ministério da Agricultura calcula que foram descartados 1.339 milhões de quilos, em 2018, o que significa 8,9% a mais que no ano anterior. Ao mesmo tempo, o número de pessoas com fome não parou de crescer nos últimos três anos. A própria FAO calculou que, ao final de 2018, havia 820 milhões de pessoas, dez milhões a mais que no ano anterior. 77 países viram seu nível de desnutrição crescer entre 2011 e 2017, ao mesmo tempo que se obtinham mais alimentos do que nunca.
Por trás do aumento da produção de alimentos estão os fertilizantes agrícolas. Na verdade, a associação europeia de fertilizantes, Fertilizers Europe, analisa que o hectare cultivado que fornecia comida para duas pessoas, em 1960, obtém produtos para satisfazer as necessidades de cinco hoje. Uma grande proporção dos fertilizantes usados nos campos é à base de nitrogênio, seja sintético ou por meio de esterco.
De acordo com as estatísticas da Fertilizers Europe, cerca de 100 milhões de toneladas de fertilizantes sintéticos de nitrogênio são aplicados nos campos agrícolas a cada ano, aos quais são adicionados outros 100 milhões de toneladas de esterco. Na Espanha, pelo menos desde 2000, um milhão de toneladas de fertilizante nitrogenado é consumido anualmente para uso agrícola, de acordo com relatórios do Ministério da Agricultura. Em 2019, as emissões espanholas de N2O caíram 3% pelo uso de fertilizantes, explica Transição Ecológica.
A eficácia dos fertilizantes é evidente, o que coloca em evidência esta última pesquisa (junto com outras) é o preço climático imposto pela aceleração agrícola, que também não conseguiu alimentar toda a população mundial. Tanto os fertilizantes industriais como os fertilizantes de esterco são responsáveis, no longo prazo, pelas emissões de N2O que aquecem o planeta.
O Painel Internacional de Especialistas em Mudanças Climáticas (IPCC) lembrou, em seu último relatório sobre Mudanças Climáticas e uso da terra, que as emissões de N2O "são principalmente devido às atividades humanas, especificamente agricultura e mudanças associadas ao uso da terra". Há dez meses, uma equipe internacional que incluía o Norwegian Air Research Institute, o Instituto Tecnológico de Massachusetts e a Universidade Politécnica de Madrid descobriu que a emissão de óxido nitroso tinha se acelerado, a partir de 2009, a uma taxa "significativamente mais rápida do que o esperado". E falaram também que esse fenômeno está "diretamente relacionado ao uso de fertilizantes agrícolas, com o aumento da área destinada à fixação de lavouras como a soja e a queima de combustíveis fósseis".
"A crescente demanda por alimentos e rações para animais aumentará ainda mais as emissões globais de óxido nitroso", analisa Hanqin Tian. O codiretor de pesquisa Josep Canadell acrescenta que esses números exigem "um repensar em grande escala das maneiras como usamos e abusamos dos fertilizantes de nitrogênio globalmente e nos incentiva a adotar práticas mais sustentáveis na forma como produzimos alimentos, incluindo a redução do desperdício de alimentos".
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“Há um conflito entre a forma como estamos alimentando as pessoas e a estabilização do clima” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU