02 Outubro 2020
Muitos teólogos estão ficando mais preocupados sobre como a Congregação para Doutrina da Fé do Vaticano tem lidado com o caso do padre redentorista Tony Flannery. Dizem os teólogos que a decisão de assinar juramentos de fidelidade à doutrina, por causa do seu apoio à ordenação de mulheres, está desalinhada com o chamado do papa Francisco para uma Igreja Católica mais aberta.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 01-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em entrevistas ao National Catholic Reporter, os acadêmicos também destacaram que a forma de tratamento com Flannery deve ser sinal que a poderosa Congregação para a Doutrina da Fé está voltando a praticar o estrito controle do debate teológico, o qual silenciou teólogos e padres ao redor do mundo em décadas passadas.
Bradford Hinze, teólogo da Fordham University, conhecido por seu trabalho explorando assuntos de autoridade e obediência na Igreja, disse que o caso de Flannery “tem a sensação de ser uma distorção temporal”.
A emissão de quatro juramentos de fidelidade ao padre irlandês “dá a aparência de ser uma contradição performativa com as declarações e práticas oficiais e informais do papa Francisco que encorajam o diálogo e a abertura na Igreja”, disse Hinze.
Richard Gaillardetz, teólogo do Boston College, que também estuda questões de autoridade na Igreja, disse que a congregação doutrinária parecia estar operando “dentro de uma espécie de paradigma de aplicação da lei”.
Gaillardetz disse que o Vaticano tem um papel a desempenhar no estabelecimento de limites para o debate teológico. “Este paradigma de aplicação da lei e as medidas punitivas que invariavelmente seguem de tal estrutura são arcaicas e pastoralmente contraproducentes”, acrescentou.
Flannery, um popular escritor irlandês, assessor de retiros e, anteriormente, pastor, foi removido do ministério público em 2012 depois que a congregação do Vaticano expressou preocupação com uma série de colunas que ele havia escrito para a Reality, uma revista redentorista da Irlanda.
O caso de Flannery tinha ficado suspenso por oito anos, até que a liderança redentorista em Roma questionou a congregação em fevereiro sobre se eles poderiam retornar o padre ao ministério.
A resposta do Vaticano, revelada por Flannery ao NCR em 15 de setembro, foi pedir ao padre que assinasse quatro “disposições doutrinárias”. As disposições referem-se às posições oficiais da igreja sobre o sacerdócio exclusivamente masculino, relações homossexuais, uniões civis e identidade de gênero.
A carta que acompanha as disposições informa ao superior redentorista que Flannery “não deve retornar ao ministério público” se não assinar os quatro juramentos anexos.
Hinze, autor do livro “Prophetic Obedience: Ecclesiology for a Dialogical Church” (de 2016. Em tradução livre, “Obediência Profética: Eclesiologia para uma Igreja Dialógica”), chamou a emissão de tais ameaças de “um sinal sinistro” para a continuação do papado de Francisco.
“Eu entendia que o pontificado de Francisco trouxera uma mudança de paradigma, a promoção da pesquisa e do discurso abertos e honestos, pondo fim ao policiamento dos teólogos sobre [tais] assuntos. Se há questões desafiadoras que precisam ser discutidas na igreja, vamos ter essas discussões teológicas em público sem colocar alguém em julgamento ou puni-lo por procurar honestamente por uma vida verdadeira na realidade de acordo com o Evangelho”, disse Hinze.
O prefeito da Doutrina da Fé é o cardeal espanhol Luis Ladaria, a quem Francisco nomeou para essa função em 2017 para substituir o cardeal alemão Gerhard Müller.
Respondendo a uma pergunta do NCR sobre o caso de Flannery durante um briefing do Vaticano em 22 de setembro, Ladaria disse que a decisão de emitir juramentos de fidelidade, embora seja “muito desagradável”, é parte do dever de sua congregação como vigilante da ortodoxia global da Igreja.
Ladaria também disse que sua pasta fez de “tudo o possível” para dialogar com Flannery.
Essa afirmação atraiu severa reprovação do padre, que disse ao NCR que o deixou “quase sem palavras”. Flannery disse que durante os oito anos de sua suspensão, ele nunca recebeu uma comunicação direta da congregação.
Em casos envolvendo pessoas que são membros de comunidades religiosas, a congregação normalmente corresponde apenas com o superior religioso da pessoa.
Gaillardetz, autor do livro “By What Authority? Foundations for Understanding authority in the Church” (de 2003, revisado em 2018. Em tradução livre “Por que Autoridade? Fundamentos para Entender a Autoridade na Igreja”), chamou essa prática de comunicar-se apenas com o superior de “problemática”.
Embora Gaillardetz afirme que um membro de uma comunidade religiosa sob o escrutínio do Vaticano pode muito bem querer o apoio de outros membros de sua comunidade, ele acrescentou: “O fato de eles se recusarem a se comunicar diretamente com Flannery é bastante problemático e sugere uma violação contínua dos princípios básicos do devido processo”.
Catherine Clifford, teóloga da St. Paul University em Ottawa, disse que muitos em seu campo levantaram questões durante anos sobre os procedimentos que a congregação doutrinária deve seguir ao investigar teólogos.
Clifford, que é autora do livro “Decoding Vatican II: Interpretation and Ongoing Reception” (de 2014. Em tradução livre “Decifrando o Vaticano II: Interpretação e Recepção Contínua”), observou que as investigações são frequentemente conduzidas em segredo e podem ser iniciadas por denúncias anônimas de pessoas cujos motivos não são claros.
“Isso pode levar a acusações injustas e interpretações infundadas do tema em questão, resultando em uma experiência dolorosa de isolamento para aqueles que estão sob investigação e não poucos danos à sua reputação quando as acusações forem tornadas públicas”, disse Clifford.
A congregação do Vaticano tornou-se particularmente conhecida por reprimir o trabalho dos teólogos durante o papado de João Paulo II, quando foi liderada por 24 anos pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, o futuro papa Bento XVI.
Durante o mandato de Ratzinger, a congregação contatou muitos teólogos globais para fazer inquéritos sobre a legitimidade de seus trabalhos. Embora tenham ocorrido muitos casos que atraíram a atenção global – como o frei oblato Tissa Balasuriya, do Sri Lanka, o jesuíta Jacques Dupuis, da Bélgica, e o também jesuíta Roger Haight, dos EUA –, ainda é desconhecido quantos casos desses ocorreram.
A congregação costuma avisar aos teólogos e padres sob investigação que o processo deve seguir confidencial, ou o incorre o risco de mais penalidades.
Com base na história de sigilo em torno das investigações doutrinárias, Hinze levantou uma questão mais ampla.
“A grande questão levantada é quantas outras investigações estão em andamento agora (ou têm estado desde que Francisco se tornou Papa) nas quais nenhum diálogo genuíno está ocorrendo, especialmente em público”, disse ele.
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Juramentos de fidelidade aumentam o medo do retorno do silenciamento teológico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU