A recusa de Tony Flannery em assinar os juramentos do Vaticano mostra seu “verdadeiro amor” pela Igreja

Fr. Tony Flannery, à esquerda, com Irmã Jeannine Gramick, em 2016. (Foto: New Ways Ministry)

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26 Setembro 2020

“Em sua proposta de reforma da Cúria, o papa Francisco planeja reduzir o status da Congregação para a Doutrina da Fé como o principal departamento do Vaticano em favor do Dicastério para a Evangelização. A intenção de Francisco é mover a Igreja de uma era de juramentos e condenações, semelhante à Inquisição, para um “hospital de campanha” de acompanhamento daqueles que precisam de cura e misericórdia”, escreve Jeannine Gramick, religiosa, cofundadora de New Ways Ministry, em artigo publicado por New Ways Ministry, 25-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis o artigo.

 

Um popular padre irlandês, que liderou um retiro do New Ways Ministry em 2018 nos Estados Unidos para católicos LGBT+ e seus aliados, está agora sendo convidado a assinar quatro juramentos públicos de fidelidade ao ensino da Igreja.

Em 2012, o padre redentorista Tony Flannery, cofundador da Associação de Padres Católicos da Irlanda, foi suspenso do ministério público pela Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) por suas posições públicas em uma série de questões da Igreja, principalmente a defesa da ordenação de mulheres e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Com a eleição do papa Francisco e uma atmosfera de discussão mais aberta das questões sexuais, os líderes provinciais irlandeses do padre Flannery pediram que ele retornasse ao ministério público. Em fevereiro de 2020, o padre Michael Brehl, o Superior Geral Redentorista em Roma, abordou a CDF. Em resposta, a CDF exigiu que padre Flannery assine quatro juramentos para afirmar sua crença em: um sacerdócio exclusivamente masculino, as práticas homossexuais são contrárias à natureza, a restrição do casamento a um homem e uma mulher e a rejeição da “teoria de gênero”.

Embora as três primeiras questões surgiram no caso Flannery em 2012, a questão da teoria de gênero foi novidade. “Acho que nunca escrevi uma linha sobre a teoria de gênero”, disse o padre, brincando: “Eu gostaria de estudar e saber exatamente o que era antes de começar”.

E não me espanta! O Vaticano usou a expressão ambígua “teoria de gênero” ou “ideologia de gênero”, sem definição específica ou informação científica, para fazer pronunciamentos oficiais. Em junho de 2019, a Congregação para a Educação Católica publicou um documento criticando a “ideologia de gênero, mas recomendou que a Igreja esteja aberta para ouvir e conversar com aqueles que definem seu gênero de forma diferente. Quando posteriormente questionado se a Congregação havia seguido seu próprio conselho ao consultar e ouvir as pessoas trans antes de escrever o documento, o chefe da Congregação reconheceu que não.

O caso Flannery recebeu ampla cobertura internacional. Quando questionado publicamente pelo National Catholic Reporter sobre o caso, o cardeal Luis Ladaria, chefe da CDF, respondeu que a Doutrina da Fé tem o “dever de proteger a fé e, portanto, indicar algumas coisas que não estão em conformidade com esta fé... uma responsabilidade que é muito desagradável para a Congregação”, disse o cardeal. Repetindo: “Muito desagradável”.

Eu me pergunto se a CDF vai exigir juramentos semelhantes de bispos e cardeais alemães que falaram sobre questões femininas e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por exemplo, o bispo Georg Bätzing, chefe da conferência dos bispos alemães, e o cardeal Reinhard Marx, um conselheiro próximo do papa Francisco e um de seus cardeais do “gabinete da cozinha”, apoiam as bênçãos da Igreja para casais do mesmo sexo. Na verdade, o mesmo acontece com o bispo Franz-Josef Bode e o bispo Dieter Geerlings. Será que a CDF vai lhes pedir que assinem juramentos de ortodoxia comparáveis aos que enviaram a Flannery? E se esses bispos se recusarem, eles serão impedidos de exercer o ministério público?

Se essas opiniões podem ser expressas publicamente por padres, bispos e teólogos, por que não podem ser ditas por um padre na Irlanda? Diálogo significativo, não juramentos ou supressão de ideias, é o caminho certo para resolver as muitas crises que a Igreja enfrenta hoje.

A CDF não está sendo fiel à preocupação do papa Francisco sobre mais papéis de liderança para as mulheres na Igreja, suas palavras de que as pessoas LGBT+ não devem ser julgadas, mas sim acompanhadas, e seus discursos públicos a teólogos que pedem maior liberdade teológica e diálogo mais amplo com aqueles que estão à margem da sociedade e da Igreja.

Em sua proposta de reforma da Cúria, o papa Francisco planeja reduzir o status da CDF como o principal departamento do Vaticano em favor do Dicastério para a Evangelização. A intenção de Francisco é mover a Igreja de uma era de juramentos e condenações, semelhante à Inquisição, para um “hospital de campanha” de acompanhamento daqueles que precisam de cura e misericórdia. Esta Igreja, tal como descrita pelo papa Francisco na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, é uma Igreja humilde e ouvinte, onde o Povo de Deus está em diálogo entre si, sempre confiando que o Espírito de Deus acabará por conduzir eles à verdade.

Esta é a Igreja perspicaz e infalível, da qual falou o papa Francisco e pela qual os católicos anseiam. A postura de abertura e honestidade de Flannery, ao declarar suas crenças e se recusando a se curvar à coerção dizendo em que acredita, mostra um amor verdadeiro por esta Igreja.

Quando soube da notícia, contatei o padre Flannery, um grande amigo meu, perguntei-lhe como se sentia. “Não fiquei surpreso com o documento”, respondeu ele, “e, é claro, não precisei perder muito tempo decidindo minha resposta. Acho que a CDF não foi correta tanto pelo conteúdo quanto pelo tom de suas demandas”. Obviamente, ele não tem intenção de assinar os quatro juramentos.

Você (e a CDF) podem ler mais sobre o que o padre Flannery pensa em seu novo livro: “From the Outside: Rethinking Church Doctrine”. “Esse”, diz ele, “os dará mais para repreender”. Para mais informações sobre o livro, acesse este link.

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