30 Setembro 2020
"Amós é um profeta precursor, radical, exemplar e paradigmático. A profecia de Amós é, em certo modo, um divisor de águas na história da profecia no sentido de que instaura um novo jeito de ser profeta. A revelação de que Deus é solidário com os pisados e libertador dos oprimidos, constitui-se quase como uma nova revelação do Sinai, que deve por fim ao conflito entre o ser humano e a divindade, em favor do ser humano.", escreve José Ionilton Lisboa de Oliveira, SDV e bispo de Itacoatiara – AM.
Neste trabalho queremos aprofundar o tema da justiça social, a partir do livro do Profeta Amós. Vamos começar procurando conhecer um pouco sobre o Profeta Amós, depois vamos ver o contexto em que ele atuou como Profeta e a estrutura do livro do Primeiro Testamento que leva o seu nome. A partir disso, veremos a fala profética de Amós neste campo da justiça social e aplicando este tema à nossa realidade hoje, como Igreja.
Amós era um pastor de ovelhas e cultivava sicômoros em Técua, Judá, a uns 17 quilômetros de Jerusalém e 10 quilômetros ao sul de Belém, no tempo do rei Ozias de Judá e do rei Jeroboão de Israel. Não foi um profeta profissional e não pertenceu a nenhum grupo organizado de profetas. Amós não foi criado para ser um profeta. Ele não recebeu treinamento especial em alguma escola para formar profetas. Era apenas um homem comum, vivendo sua vida normal, quando sentiu-se chamado por Deus para falar em seu nome. Amós mesmo declarou:
"Não sou profeta nem discípulo de profeta. Foi o Senhor Deus que me tirou de detrás do rebanho e me ordenou: vai profetizar contra Israel, o meu povo".
Esta recusa de ser chamado profeta evidencia a sua ruptura com as instituições formais de seu tempo: o palácio real e o templo. Foi esta independência institucional que permitiu a Amós proclamar a Palavra de Deus livremente sem nenhuma preocupação com a opinião pública ou interesses escusos.
Não se sabe se Amós era o dono dos rebanhos e das figueiras ou se trabalhava como empregado. Sua perícia com as palavras e o alcance notadamente amplo de seus conhecimentos históricos e cosmológicos, em geral, excluem a hipótese de ser um camponês iletrado.
Alguns estudiosos afirmam que após o cumprimento de sua missão, Amós tenha retornado para Técua e lá ter redigido suas palavras tal como as temos hoje na Bíblia. Outros estudiosos, por sua vez, afirmam que não foi Amós que escreveu, mas seus discípulos.
Foi enviado de Judá, o reino do sul, para exercer sua atividade profética no Reino do Norte, Israel, mais precisamente em Betel, o santuário do rei Jeroboão, onde havia um dos bezerros de ouro. Falou tão ousadamente que o sacerdote Amasias mandou dizer ao rei Jeroboão que Amós conspirava contra ele.
O próprio livro de Amós indica isto, quando registra a fala do Sacerdote Amasias, tentando expulsar Amós e fazer calar a voz do Profeta:
"Ó visionário, vai embora! Some para a terra de Judá! Vai ganhar a vida fazendo lá tuas profecias. Não me venhas mais profetizar em Betel. Isto aqui é um santuário real, uma dependência do palácio do rei!".
O ministério profético de Amós aconteceu entre os anos de 760 a 750 a.C. durante o reinado de Jeroboão II no Reino do Norte (Israel) e de Uzias no Reino do Sul (Judá). Um período de muita prosperidade para Israel e Judá, pois, não havia mais a ameaça da Síria, que havia sido vencida pela Assíria, décadas antes. Por sua vez, a Assíria passava por problemas internos em virtude dos conflitos com a Síria, e não apresentava mais perigo.
Amós faz ouvir a sua voz como advertência contra a leviana despreocupação do Povo de Israel para com a Lei do Senhor, que ensina a misericórdia para com os fracos e pequenos; para com as ameaças políticas, numa confiança ingênua no seu Rei Jeroboão II, Amós alerta para o perigo da invasão da Assíria, como de fato depois aconteceu.
O conteúdo do livro de Amós pode ser dividido em três blocos de oráculos:
1. Capítulos 1 e 2: Uma coletânea de Oráculos contra todos os povos da região: Damasco, Filistéia, Tiro, Edom, Amon, Moab, Judá e Israel;
2. Capítulos 3 a 6: Coleção de Oráculos contra Israel e a elite da Samaria;
3. Capítulos 7 a 9: Visões da destruição e da salvação final.
A estabilidade política proporcionou condições para que os reis Jeroboão II (Israel) e Uzias (Judá) expandissem novamente as fronteiras da Palestina chegando aos mesmos limites dos reis Davi e Salomão. Isso possibilitou a retomada do comércio internacional e da agricultura proporcionando, desta forma, a estabilidade econômica. A segurança política e econômica, no entanto, favoreceu apenas os comerciantes e a corte, pois o povo sustentava toda essa estrutura por meio da injustiça social e da escravidão. O resultado disso foi a miséria do povo.
A religiosidade era intensa, porém mecânica e distante da presença real de Javé. A raiz do problema de Israel era que vivia uma religiosidade de aparência. Embora Israel mantivesse as formalidades rituais da lei e até excedesse nelas.
"Ide em peregrinação a Betel para pecar! A Guilgal para pecar ainda mais! Levai de manhã os sacrifícios de comunhão, ao terceiro dia, vossos dízimos! Queimai com pão a oferenda de louvor! Anunciai vossas promessas, divulgai-as bastante! É disso mesmo que gostais, filhos de Israel!".
A idolatria era muito comum
"Carregareis Sacut, vosso rei, e Caivã, vosso ídolo, vossos deuses astrais que vós mesmos tereis fabricado".
Também a violência e a injustiça
"Assim diz o Senhor: não perdoarei Israel por seus três crimes e, agora, por mais este: Vendem o justo por dinheiro, o indigente, por um par de sandálias, esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra e tornam a vida dos oprimidos impossível".
Amós, como fez o Profeta Isaías, viu e denunciou esta religiosidade de aparências e a prosperidade econômica e social que beneficiava apenas alguns poucos em detrimento da pobreza de muitos. Portanto, foi a idolatria e a injustiça social que motivou Amós a sair de Judá, Reino do Sul, para Israel, Reino do Norte. Amós denuncia com força e coragem estes dois pecados do povo de Israel: a idolatria e a injustiça social.
Amós resgatou a dimensão ética da Aliança em relação ao próximo, como parte do amor a Deus. Ele apela em favor de todos os pobres, injustiçados e oprimidos pelos ricos, comerciantes desonestos, líderes corruptos, juízes sem escrúpulos e falsos sacerdotes. Vejamos suas palavras:
"Escutai esta palavra, vacas de Basã, do planalto de Samaria, vós que explorais os fracos e esmagais os indigentes.
Ai dos que vivem tranquilos em Sião, dos que estão confiantes no monte da Samaria, os chefes principais do povo a quem acode a casa de Israel.
Ai dos que se deitam em camas de marfim ou se esparramam em cima dos sofás, comendo cordeiros do rebanho, vitelos cevados em estábulos.
Os lugares altos de Isaac serão demolidos, os santuários de Israel serão arrasados e venho com a espada contra a casa de Jeroboão".
De acordo com Amós, o povo escolhido de Deus deve primar pela justiça social como um aspecto essencial da Aliança. Para Amós, a injustiça social era fruto da pouca importância que os israelitas davam aos mandamentos da Aliança. Não amar ao próximo era consequência da falta de amor a Deus.
Para quem achava que Deus nada exigia além do cumprimento dos rituais, e uma vez realizados, podia-se fazer o que bem entendesse, Amós indica a justiça social como a manifestação indispensável da verdadeira piedade.
"Quero apenas ver o direito brotar como fonte, e correr a justiça qual regato que não seca".
Amós condena a todos que se tornam ricos e poderosos à custa dos outros. Os que tinham duas casas esplendidas, móveis caros e mesas ricamente guarnecidas, defraudando, pervertendo a justiça e esmagando os pobres, perderiam tudo que possuíam.
Como Amós, também, a Igreja deve denunciar tudo aquilo que fere a dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, bem como tudo que ameaça a vida no planeta Terra, obra das mãos de Deus. Denunciar toda forma de atentado à vida, as injustiças sociais, a corrupção, o egoísmo, a concentração dos bens criados por Deus nas mãos de poucas pessoas, a mentira...
A Igreja é chamada a dar o seu testemunho por Cristo, assumindo posições corajosas e proféticas, diante da corrupção do poder político ou econômico.
O testemunho profético requer a busca constante e apaixonada da vontade de Deus, uma comunhão eclesial generosa e imprescindível, o exercício do discernimento espiritual, o amor pela verdade. O referido testemunho exprime-se ainda mediante a denúncia do que é contrário à vontade divina e a busca de novos caminhos para atuar o Evangelho na história, na perspectiva do Reino de Deus.
Os profetas e as profetizas sabem que a palavra profética poderá, às vezes, levar à conversão de alguns poucos, mas que na maioria das vezes leva ao endurecimento de muitos.
Amós não ficou fora desta condição dos profetas. Ele enfrentou forte oposição quando transmitiu a mensagem de Deus ao povo. Amasias, sacerdote de Betel, não aceitava a pregação de Amós e tentou expulsá-lo do país. Vejamos as táticas e os argumentos de Amasias para prejudicar Amós na vivência de sua vocação e missão de Profeta de Deus:
a) Usou a sua influência política junto ao rei Jeroboão, inclusive levantando calúnia, mentindo, para obter do rei a aprovação do que ele queria, a saber, a expulsão de Amós.
b) Usou o povo e não a Palavra de Deus como argumento para expulsar Amós, dizendo: “O país não pode mais tolerar suas palavras... Amós está dizendo que Jereboão será morto à espada e que Israel será levado para o cativeiro longe de sua terra”.
c) Desprezou o Profeta de Deus por ser estrangeiro, ao invés de considerar a mensagem dele.
d) Defendeu seu “território” com a autoridade dada pelos homens, citando o santuário do rei – não de Deus! – e o templo do reino – não do Senhor!.
Como aconteceu com Amós, acontece, também, com os profetas e profetizas de hoje e de todos os tempos. O anúncio e a denúncia, geralmente, incomodam quem está longe do projeto de Deus. Sempre aparecerão os “Amasias” querendo fazer calar a voz profética. Ameaças, perseguições, atentados, mentiras, assassinatos fazem parte da história da Igreja de todos os tempos. Jesus já nos preparou para esta realidade da rejeição e perseguição por causa dEle e do seu Evangelho.
"Vede, eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos... Cuidado com as pessoas, pois vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. Por minha causa sereis levados diante de governadores e reis".
Ele mesmo viveu seus três anos de vida pública, de missão, num estado permanente de conflito com os Fariseus, os Doutores da Lei e os dirigentes do Império Romano. Vejamos alguns textos desta oposição acirrada contra Jesus.
Imediatamente os fariseus, com os herodianos, tomaram a decisão de eliminar Jesus.
Os sumos sacerdotes e os escribas procuravam um modo de prender Jesus e matá-lo à traição.
Os escribas e os fariseus observavam Jesus, para ver se ele faria uma cura no dia de sábado, a fim de terem motivo para acusá-lo... Eles se encheram de raiva e começaram a discutir entre si sobre o que fariam contra Jesus.
Alguns fariseus se aproximaram e disseram a Jesus: Sai daqui, porque Herodes quer te matar.
Os sumos sacerdotes e os escribas estavam presentes e o acusavam com insistência. Herodes, com seus soldados, tratou Jesus com desprezo, zombou dele.
De novo, os Judeus pegaram em pedras para apedrejar Jesus.
O batalhão, o comandante e os guardas dos Judeus prenderam Jesus e o amarraram.
Mas como Amós, somos chamados a perseverar até o fim, como nos manda e fez Jesus.
Sereis odiados por todos, por causa de meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo.
Ide dizer a essa raposa: eu expulso demônios e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia chegarei ao termo. Entretanto, preciso caminhar hoje, amanhã e depois de amanhã, pois não convém que um profeta morra fora de Jerusalém.
Amós não ficou intimidado pela censura de Amasias. Não recuou, não desistiu de sua vocação e missão. Enfrentou corajosamente a Amasias e fez a sua defesa em três argumentos significativos.
I. “Não sou profeta, nem discípulo de profeta!”. Amós veio da roça para pregar a palavra de Deus! Ele não pertencia a nenhum “grupo de profetas” que se elevava acima das pessoas comuns e até acima da própria palavra de Deus. Amós ajuda a comunidade superar os preconceitos que possam existir contra o profeta por causa da sua origem humilde. Serve para nos lembrar que a profecia vem da margem, da periferia, do meio dos marginalizados e excluídos. São estes, por excelência, os “intérpretes de Deus”. Sobre esta afirmação de Amós, José Comblin comenta:
A declaração de Amós supõe que há, em Israel, profetas profissionais que formam uma casta, já que existe filhos de profetas. Em Israel, o rei Jeroboão II tem na sua corte um grupo de profetas, cuja mensagem é bem diferente da de Amós: são bajuladores do poder do rei e os seus oráculos têm por efeito reforçar a auto-estima do rei.
II. “Foi o Senhor Deus que me tirou de detrás do rebanho e me ordenou: vai profetizar contra Israel, o meu povo!. Amós tinha consciência de que a única autorização que precisamos ter para pregar a Palavra de Deus é o chamado e o envio do Senhor! Ninguém deve autorizar ou proibir um cristão, uma cristã a viverem a dimensão profética de sua vocação. A ordem vem de Deus: vai profetizar!
Tudo o que eu te mandar dizer, dirás!.
III. “Escuta a Palavra do Senhor. Tu mês estás dizendo: não profetizes contra Israel... Pois assim diz o Senhor: ... Tu mesmo irás morrer em terra profana e Israel será levado prisioneiro para longe de sua terra”. Amós em vez de fugir com medo das ameaças de Amasias, enfrenta-o, dizendo a verdade do que estar para acontecer com ele e com o povo de Israel. Amós não se amedronta com as ameaças de Amasias. Enfrenta-o corajosamente. Atitude comum nos profetas e profetizas bíblicos e de toda a história de nossa Igreja. Esta coragem vem da certeza de que falam em nome de Deus e que vem de Deus a força e a sabedoria para cumprirem bem a missão recebida, como aparece no relato da vocação de Jeremias.
Não tenhas medo deles, pois estou contigo para defender-te – oráculo do Senhor. O Senhor estendeu a mão, tocou-me a boca e disse: eu ponho minhas palavras na tua boca.
A Igreja nos ensina que pelo Batismo participamos da missão profética de Jesus. Ninguém fica de fora: quem é batizado torna-se Profeta. Portanto, ser profeta na Igreja não é opção, é missão inerente à vida cristã.
A dimensão profética é dimensão essencial da missão evangelizadora da Igreja.
Para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil evangelizar é uma ação eminentemente profética, porque é o anúncio de uma boa nova portadora de esperança. Por isto nos convida a fazer um aprofundamento da dimensão profética da ação evangelizadora.
Tudo começa com a experiência de Deus em nossa vida, que nos faz entrar em uma maior sintonia com a vontade de Deus e isto acaba mudando nosso modo de ver e de pensar, de sentir ou de julgar, de comportar-se e de falar. O profeta, a profetisa é alguém que se deixa conduzir pelo Espírito Santo, para assim agir como mensageiro de Deus, está afinado com a vontade de Deus, vê a realidade com os olhos de Deus. Por isso, ele anuncia o amor de Deus, sua ternura e misericórdia, e sua paixão pela vida humana e denuncia a injustiça, a exploração, o domínio dos fortes sobre os fracos e tudo que ofende o povo a quem Deus quer bem. O profeta, a profetiza sacode as consciências e aponta no meio dos conflitos a força da libertadora de Deus.
Anunciar e denunciar são duas dimensões inseparáveis da vocação e da missão profética. Não se trata de opção anunciar ou denunciar, mas de viver uma e outra dimensão, ou seja, devemos anunciar e denunciar, ou até poderíamos dizer anunciar denunciando e denunciar anunciando. Anunciar o Reino de Deus e ao mesmo tempo denunciar tudo que existe que impede o Reino de Deus a crescer entre nós. Denunciar o que na sociedade não está como Deus deseja e ao mesmo tempo lembrar os valores do Reino. Como profetas e/ou profetizas não falamos em nosso próprio nome, mas somos chamados/as a anunciar a Palavra que Deus. A própria definição etimológica da palavra profeta nos indica isto: aquele que fala em nome de Deus, um porta-voz de Deus. Vejamos:
Profeta/Profetiza (do grego: πρoφήτης, prophétes) pode significar pessoa que fala por inspiração divina ou em nome de Deus.
Por isso, Jesus é chamado de Profeta, porque ninguém melhor do que Ele foi o porta voz do Pai. Disse Jesus:
Nada faço por mim mesmo, mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou. Aquele que me enviou está comigo. Ele não me deixou sozinho, porque eu sempre faço o que é de seu agrado.
Nós, seguidores e seguidoras de Jesus Cristo, devemos fazer como Ele fez
Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós.
Vivendo a dimensão profética de nosso batismo, devemos estar sempre em comunhão com o Pai, através da oração, da meditação de sua Palavra, para deixar-se inspirar por Ele e assim então poder falar em nome dEle. O Bem Aventurado Justino, fundador da Congregação Religiosa, Sociedade Divinas Vocações – Vocacionistas, pede que se dê muita atenção às divinas inspirações.
São João Paulo II, falando para a Vida Consagrada, ajuda-nos a entender esta necessidade da união com Deus para vivermos bem a dimensão profética de nossa vocação.
A verdadeira profecia nasce de Deus, da amizade com Ele, da escuta diligente da sua Palavra nas diversas circunstâncias da história. O profeta sente arder no coração a paixão pela santidade de Deus e, depois de ter acolhido a palavra no diálogo da oração, proclama-a com a vida, com os lábios e com os gestos, fazendo-se porta-voz de Deus contra o mal e o pecado.
Os profetas bíblicos demonstram ter uma consciência bem nítida de que eles falavam em nome de Deus e não em seu próprio nome. Vejamos alguns exemplos:
O Senhor me disse... E o Senhor ainda voltou a falar comigo... Assim diz o Senhor Deus... Assim diz o Senhor, o vosso Libertador.
Veio a mim a palavra do Senhor... O Senhor estendeu a mão, tocou-me a boca e disse: eu ponho minhas palavras na tua boca... Veio a mim de novo a palavra do Senhor... Palavra do Senhor a Jeremias....
A Palavra do Senhor veio a mim nestes termos....
Assim diz o Senhor... Escutai o oráculo que o Senhor pronuncia contra vós... Pois assim diz o Senhor Deus à casa de Israel... Eis o que me mostrou o Senhor Deus....
A Igreja lembra sempre que a nossa profecia terá força e eficácia se houver coerência entre o anúncio e a vida. O Papa Paulo VI, em 1974, já nos ajudou a compreender a força que tem o testemunho para a missão evangelizadora da Igreja, quando disse:
O testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas de que os mestres... ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas.
Esta afirmação do Papa Paulo VI nos faz lembrar do que nos disse Jesus, convidando-nos a fazer brilhar a nossa luz no mundo, para que as pessoas ao verem nossas boas obras pudessem glorificar a Deus Pai.
As Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil que somos uma Igreja que “anuncia o ‘Evangelho da Paz’”, mas que isto não significa “ignorar nem deixar de enfrentar os desafios da violência explícita ou institucionalizada pelas injustiças sociais”. Chama a isto de “tarefa profética que exige ação de denúncia e anúncio, sendo voz dos sem voz”.
O Documento de Puebla já dizia: “Na força da consagração messiânica do batismo, o Povo de Deus... é enviado como povo profético que anuncia o Evangelho ou faz discernimento das vozes do Senhor no coração da história. Anuncia onde se manifesta a presença de seu Espírito. Denuncia onde opera o mistério da iniquidade, mediante fatos e estruturas que impedem uma participação mais fraterna na construção da sociedade e no desfrutar dos bens que Deus criou para todos”.
No sentido de denunciar onde opera o mistério da iniquidade, o papa Francisco na Exortação pós-sinodal “Querida Amazônia”, fala da necessidade da gente se indignar diante das “operações econômicas... que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos do território”. O papa Francisco afirma que nossa indignação deve ser como a indignação de Moisés, como a indignação de Jesus e como a indignação de Deus perante a injustiça e cita o Profeta Amós (2, 4-8; 5, 7-12).
O próprio papa Francisco nos diz que “ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” e “faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social”.
Amós é um profeta precursor, radical, exemplar e paradigmático. A profecia de Amós é, em certo modo, um divisor de águas na história da profecia no sentido de que instaura um novo jeito de ser profeta. A revelação de que Deus é solidário com os pisados e libertador dos oprimidos, constitui-se quase como uma nova revelação do Sinai, que deve por fim ao conflito entre o ser humano e a divindade, em favor do ser humano.
Assim escreve Gilvander Moreira:
O profeta Amós não apenas critica pessoas corruptas, mas questiona também de modo muito forte o sistema gerador de pessoas corruptas. Não somente as mazelas pessoais estão na mira do "camponês” que entrou para a história como um grande profeta. Amós tem consciência de que o problema fundamental da injustiça reinante na sociedade não é fruto somente de fraquezas e ambigüidades pessoais, mas tem como causa motriz estruturas sócio-econômico-político-cultural e religiosas que engrenam uma máquina de moer pessoas. Na mira do profeta Amós também estão relações comerciais que causam endividamento, aprisionam pessoas e escravizam, retirando a liberdade de ser pessoa humana.
Por isso, poderemos afirmar que Amós é o Profeta da justiça social. Modelo e inspirador de todas as pessoas empenhadas na construção de uma sociedade mais humana, mais justa, mais ecológica, mais solidária, mais fraterna, mais cristã. E assim nos ensina o papa Francisco:
Uma fé cristã – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois de nossa passagem.
Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social.
Encerramos, fazendo nosso o pedido de dom Hélder Câmara ao Monge Beneditino Marcelo Barros, pouco dias antes de sua morte: não deixe cair a profecia!.
Livros:
COMBLIN, José. A profecia na Igreja. Paulus, 2008.
RUSSOLILLO, Giustino. Ascensione, nºs. 624 a 631. Sem Editora, 1993.
Documentos do Magistério:
CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. Documentos 80. Paulinas, 2ª edição, 2005.
Documento de Puebla, in Documentos do CELAM, Paulus, 2004.
Papa Francisco. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Paulinas, 1ª edição, 2013.
Papa Francisco. Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, n. 14, Edições CNBB, 1ª. edição, 2020.
Papa João Paulo II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata.
Papa João Paulo II. Exortação Apostólica Redemptoris Missio.
Papa Paulo VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, Paulinas, 19ª edição, 2006.
Artigos em sites:
ALLAN, Dennis, Amós. Disponível aqui.
BARROS, Marcelo. A vocação profética das Comunidades Eclesiais de Base, in Texto Base do 13º Intereclesial das CEBs, 2014, p. 87. Disponível aqui.
MOREIRA, Gilvander Luís. Profeta Amós, a luta contra a injustiça social e o juízo iminente. Instituto Humanitas Unisinos. Disponível aqui.
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