25 Setembro 2020
O jornal L’Espresso revela o ‘modus operandi’ do prelado fulminado por Francisco.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 25-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O cardeal Becciu caiu em desgraça. A investigação ordenada pelo papa Francisco demonstra como a trama de empresas dependentes até ontem do prefeito da Congregação para as Causas dos Santos (e antigo “número três” do Vaticano) foi gerando gradualmente “um enorme abismo” nas contas da Santa Sé, que alcançou os 454 milhões de euros, segundo revela uma extensa investigação do semanário L’Espresso.
Segundo o jornal italiano, Becciu e seu entorno teceram uma rede de desvio de dinheiro que, durante anos, passou inadvertida aos olhos da Santa Sé. E os poucos que quiseram advertir o Papa foram convenientemente purgados pela corrompida máquina curial. Agora, Bergoglio ordenou “a punho de ferro” contra corruptos e corruptores. E a investigação deu resultados tão graves que acabou com a carreira eclesiástica de quem foi Substituto da Secretaria de Estado entre 2011 e 2018.
Segundo informa L’Espresso, Becciu utilizava o dinheiro proveniente da Conferência Episcopal Italiana e do Óbolo de São Pedro em várias cooperativas e empresas, cujos proprietários eram seus irmãos. De fato, demonstram os documentos, “sequestrou” várias vezes fundos dessas instituições para a cooperativa “Spes”, cujo proprietário e representante legal era Tonino Becciu, irmão do já ex-cardeal.
Tal e como revela o semanário, Becciu fez em pelo menos três ocasiões: a primeira, em setembro de 2013, 300 mil euros para ampliar o negócio e modernizar o forno; a segunda, em janeiro de 2015, atribuindo outros 300 mil euros aos cofres da cooperativa depois de um incêndio; a terceira e última ocorrera em abril de 2018, com cem mil euros não reembolsáveis.
Não era a primeira vez que os irmãos Becciu faziam algo similar. Durante os anos de Núncio em Angola e Cuba, uma empresa de outro irmão do cardeal, Francesco, dedicada à carpintaria, mobiliou e modernizou muitas igrejas. Naquela época, não havia nenhum tipo de controle sobre os contratos, o que permitiu a contratação “a dedo”.
Outro irmão de Becciu, Mario, professor de psicologia na Universidade Salesiana de Roma, possui 95% das ações de “Angel’s, srl”, uma empresa dedicada à distribuição de alimentos e bebidas (especialmente cerveja). Utilizando o mercado solidário (como já fizera ‘Spes’), a empresa engarrafou a “Birra Pollicina”, uma cerveja que já não se encontra no mercado. Um parte da renda da mesma deveria ir à Cáritas Itália, que nunca viu um euro.
Todas as empresas baseavam seu trabalho em fluxos de dinheiro difíceis de rastrear. Um dinheiro que, tal e como demonstram os documentos que publica L’Espresso, foram reinvestidos em capitais imobiliários e financeiros, gerando “um enorme abismo”, um buraco nas contas vaticanas de uns 454 milhões de euros. Entre eles, os 160 milhões destinados para a compra do palácio da Sloane Square em Londres.
E Becciu seguiu um “modus operandi”, no qual era chave o financeiro Enrico Crasso, que conheceu em uma infrutuosa operação de aquisição de petróleo angolano. A empresa de Crasso (primeiro Sogenel Holding e depois Azimut) direcionou os investimentos vaticanos para fundos especulativos, com residência em paraísos fiscais.
Tal e como aborda o semanário, as empresas de fachada do “modelo Becciu” eram radicadas em Luxemburgo, Malta ou Ásia, assegurando “aos investimentos institucionais da Secretaria de Estado, no passado, uma ampla capacidade de ocultação e trânsito: o caso da compra e venda do Palácio de Londres é a última história de uma série de investimentos nos quais a Santa Sé geriu mal e perdeu muito, deixando na rua centena de milhões de euros. Tudo isso nasceu não somente de uma má gestão, mas sim de um plano consolidado por detrás do papa Francisco, no qual o cardeal Becciu preferiu manter seus interesses privados (...) antes de cumprir com a clara política do Vaticano”.
De acordo com este esquema, a polêmica compra do palácio de Londres é um passo a mais no processo de “lavagem de dinheiro”, que se chocava de frente com a política de transparência e luta contra a corrupção do papa Francisco.
Tudo começa a ruir quando o diretor da IOR, Gian Franco Mammi, recebeu um pedido de 150 milhões de euros por parte de Becciu, com a justificativa de “motivos institucionais”. Pela primeira vez em muito tempo, Mammi dirigiu-se diretamente ao Papa para lhe perguntar se estava ciente dos movimentos interbancários do então substituto da Secretaria de Estado.
Bergoglio levou as mãos à cabeça e, pouco depois, Becciu era “promovido” à fábrica de santos, e apartado das responsabilidades financeiras diretas da Santa Sé. E ordenava uma investigação que ainda não concluiu, porém, pelo que parece, poderia ter demonstrado irregularidades tão graves que acabaram com defenestração de Becciu.
Entre as reações mais surpreendentes (ou talvez nem tanto, contemplando como evoluiu a polêmica) foi a do cardeal Pell, outrora máximo responsável da Economia da Santa Sé, e que viu interrompida sua carreira por acusações de abusos, pelas quais foi condenado em primeira instância, e absolvido em segunda.
Da Austrália, Pell declarou o seguinte: “O Santo Padre foi eleito para limpar as finanças do Vaticano. Joga uma partida longa e é de agradecê-lo e felicitá-lo pelos recentes acontecimentos. Espero que a limpeza dos estábulos continue tanto no Vaticano quanto em Victoria”. Ainda falta muito para se contar...
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Paraísos fiscais, empresas de seus irmãos... Assim Becciu desviava os fundos vaticanos para investimentos imobiliários obscuros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU