16 Novembro 2019
Quando o padre Juan Antonio Guerrero foi anunciado como novo prefeito da Secretaria para a Economia, um “hein?!” coletivo provavelmente pôde ser ouvido em toda a Roma.
A reportagem é de Charles Collins, publicada em Crux, 15-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O jesuíta espanhol não é um veterano vaticano e só está em Roma há cerca de dois anos, onde supervisionava várias instituições jesuítas localizadas na capital italiana e em seus arredores. Ele atuou anteriormente em Moçambique.
Havia especulações de que um leigo receberia o encargo, e o nome de Claudia Ciocca, atual diretora de Controle e Vigilância da Secretaria para a Economia, estava circulando na imprensa.
A nomeação de Guerrero foi um completo choque.
Ele chega à secretaria em um momento de desordem. Ela está sem um chefe efetivo há dois anos, desde que seu ex-prefeito, o cardeal George Pell, retornou à Austrália em 2017 para se defender das acusações de abuso histórico de crianças (Pell foi condenado, mas recorreu da decisão junto à mais alto corte da Austrália).
Mesmo antes de Pell sair de cena, os observadores vaticanos sentiram que o cardeal estava sendo cada vez mais posto de lado, e que os esforços do australiano para forçar outros escritórios vaticanos à transparência e ao corte de gastos haviam fracassado.
Também em 2017, o primeiro auditor geral do Vaticano, Libero Milone, foi demitido depois de ser acusado de espionar as transações de seus superiores. Mais tarde, ele alegou que a “velha guarda” vaticana o afastou para se proteger dos efeitos das reformas financeiras.
Nestes meses, uma série de escândalos financeiros abalaram o Vaticano.
Em outubro, os gendarmes vaticanos invadiram os escritórios da poderosa Secretaria de Estado. Segundo o Financial Times, a investigação estava ligada a um sombrio investimento imobiliário de 200 milhões de dólares em Londres. Quando a revista italiana L’Espresso vazou um memorando da polícia vaticana barrando cinco funcionários de entrar no território vaticano, isso levou à renúncia do antigo chefe dos gendarmes, Domenico Giani.
O acordo de Londres foi supervisionado pelo então arcebispo Giovanni Becciu, na época o “substituto” do papa, ou chefe de gabinete. Becciu agora é cardeal e chefe da Congregação para as Causas dos Santos do Vaticano.
O Vaticano também enfrenta um enorme déficit orçamentário, agravado pela queda nas doações dos fiéis em resposta ao escândalo dos abusos sexuais.
Em outras palavras, não era cedo demais para finalmente colocar uma mão no leme do principal escritório financeiro do Vaticano.
Mas a questão é: quão firme será a mão de Guerrero?
Pell, apesar de não ter atuado na Cúria vaticana antes de assumir a recém-criada secretaria, não era estranho à política curial. Como cardeal, ele ia a Roma várias vezes por ano e atuava no principal conselho consultivo econômico do Vaticano.
Mais importante, Pell foi nomeado para o poderoso Conselho dos Cardeais assessores, o C9 de Francisco.
Mesmo com essas credenciais, muitas das reformas de Pell foram revertidas – incluindo uma redução do tamanho da APSA, o escritório que atua como banco central do Vaticano e administra suas vastas propriedades imobiliárias, e o cancelamento de uma auditoria externa completa das finanças vaticana pela PricewaterhouseCoopers.
Foi anunciado que Guerrero nem mesmo será nomeado bispo, a pedido do Pe. Arturo Sosa, o superior venezuelano da ordem jesuíta.
Embora se possa argumentar que os chefes de escritório do Vaticano não precisam de títulos extravagantes, o fato é que a Igreja é hierárquica, e até os bispos são pouca coisa em Roma: mesmo os secretários das Congregações vaticanas são arcebispos.
Esse poderia ser um problema especialmente na Secretaria de Economia. Desde que ela ficou sem um chefe permanente, surgiram boatos de que outros escritórios estavam simplesmente ignorando as diretrizes da secretaria.
O anúncio de que um “mero padre” assumirá o cargo pode ser visto como um sinal de que o escritório foi permanentemente reduzido de tamanho e não precisa ser temido por funcionários desonestos.
Para Guerrero poder fazer seu trabalho, ele precisará de fortes sinais de apoio papal – incluindo menções frequentes no Bulletino, que lista as reuniões do papa.
Mais importante, o jesuíta espanhol precisa de uma “vitória”.
Nada dirá ao mundo – e à Cúria Romana – que a Secretaria para a Economia é novamente uma força que deve ser mais reconhecida do que se surgir na cúpula uma demanda de transparência ou responsabilidade, especialmente se mostrar que ela pode exercer sua autoridade sobre a aparentemente poderosa Secretaria de Estado do Vaticano.
As travessuras imobiliárias de Londres podem ser um bom lugar para se começar.
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Novo prefeito da Secretaria para a Economia do Vaticano precisará de forte apoio do papa para ter sucesso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU