Trump ataca o papa para atingir seu adversário católico Biden

Foto: FlickrCC/The White House

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

25 Setembro 2020

"Pompeo pede à Igreja (ou, talvez, comande) que reaja contra os regimes totalitários com a força moral que inspirou tanto “aqueles que libertaram a Europa Central e Oriental do comunismo” como “aqueles que desafiaram os regimes autocráticos e autoritários da América Latina e do Leste Asiático” - em nome dos milhares de vítimas, como bem lembra o ex-padre Bergoglio, de líderes golpistas e esquadrões da morte apoiados pelas agências dos EUA", escreve Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, publicada por Domani, 23-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Em 1969, o presidente dos Estados Unidos Richard Nixon visitou o Papa Paulo VI, pediu e obteve permissão para pousar com um helicóptero na Praça São Pedro: um gesto barulhento para reivindicar algo para si diante de um papa que havia renunciado a assumir o movimento pela paz. Mike Pompeo, o secretário de Estado de Donald Trump, não quis ficar para trás.

Ele precedeu com um gesto ainda mais estrondoso a visita que fará ao Vaticano em 29 de setembro: ele assinou um artigo em First Things, a revista fundada em 1990 por Richard John Neuhaus para enfrentar e desafiar a cultura secular em nome da lealdade à tradição ocidental e aos valores pró-vida.

É um artigo sem precedentes. Porque ataca frontalmente a Igreja Católica, culpada de continuar o diálogo diplomático com a República Popular da China para reconciliar os bispos e as comunidades.

Os pedidos sobre a China

Pompeo em vez de ver nesses movimentos uma semente de paz, não diferente daquela que marcou a Ostpolitik do cardeal Agostino Casaroli, acusa a Santa Sé de ter fornecido cobertura para uma política repressiva que vai desde a esterilização forçada das mulheres muçulmanas, do abuso dos padres católicos à destruição das igrejas protestantes "para subordinar Deus ao Partido, e ao mesmo tempo promover Xi ao grau de divindade ultramundana”.

Segundo o chefe do Departamento de Estado, o papado não pode e não deve renovar o acordo "temporário" (provisional) assinado há dois anos entre a Santa Sé e a China. Pelo contrário, ele pede para denunciá-lo e alinhar-se com a administração Trump que - desde a interministerial sobre a liberdade religiosa de julho de 2019 até a recente conferência sobre o avanço daqueles direitos através da educação promovida pelo Departamento de Estado e pelo Embaixador Sam Brownback - usou a bandeira dos direitos religiosos como ferramenta de propaganda, útil para hegemonizar com injeções de valores fundamentalistas um confronto que quer evocar, supersticiosamente, a Guerra Fria.

Pompeo pede à Igreja (ou, talvez, comande) que reaja contra os regimes totalitários com a força moral que inspirou tanto “aqueles que libertaram a Europa Central e Oriental do comunismo” como “aqueles que desafiaram os regimes autocráticos e autoritários da América Latina e do Leste Asiático” - em nome das milhares de vítimas, como bem lembra o ex-padre Bergoglio, de líderes golpistas e esquadrões da morte apoiados pelas agências dos EUA. O chefe da diplomacia de Trump conclui lembrando à Sé Apostólica (que o conhece por si mesma) do magistério conciliar e pontifício sobre a liberdade religiosa como o primeiro dos direitos civis e pede com arrogância sem nenhum respeito ritual que essa verdade seja "continuamente censurada" aos chineses em nome da verdade: porque (citando João 8,32) conclui que "A verdade vos libertará".

Um j'accuse inédito, que deixa claro que Pompeo não espera nada do papa e que, portanto, tanto faz causar uma "bagunça" (como diria Bergoglio) e deixar que o papa responda usando a mesma carranca com que estragou as fotos da visita de Donald Trump ao Vaticano em maio de 2017: porque o objetivo de Pompeo é outro e está escondido justamente na última citação: "A verdade vos libertará".

A verdadeira mensagem de Pompeo

Aquele ditado do Evangelho de João é muito comum no discurso católico: tanto que é o escudo episcopal do cardeal Camillo Ruini. Mas é também a palavra de abertura e o título (veritas liberabit vos) do manifesto lançado em maio pelo Monsenhor Carlo Maria Viganò e também assinado pelos cardeais Joseph Zen de Hong Kong, Janis Pujats de Riga e Gerhard Ludwig Müller, ex-prefeito da doutrina da fé. Um texto que, com uma evocação nada casual a estereótipos integralistas, afirma que a pandemia foi provocada para se chegar à "realização de um governo mundial fora de todo controle", verdadeira obsessão de todo antissemitismo do século XX e dos signatários que com aquele veneno flertam. Uma alusão que sob a caneta de outro poderia até ser casual, mas que sob aquela atentíssima de Pompeo, diz que aquela mensagem e a audiência do dia 29 não querem falar nem com o secretário do Partido Comunista Chinês Xi Jinping, nem com Francisco e nem com o secretário de Estado, Pietro Parolin, mas com o eleitorado católico EUA.

Após o naufrágio do ex-conselheiro de Trump, Steve Bannon, inimigo do papa e defensor do valor midiático dos rosários acenados pelo secretário da Lega, Matteo Salvini, o governo busca ferramentas para firmar o catolicismo conservador e a direita evangélica: um antiabortista na suprema corte, uma piscadela para o fundamentalismo bíblico e agora a defesa instrumental dos direitos da fé em nome de um anticomunismo e de uma indulgência para as direitas.

Um raro candidato da preferência católico

O objetivo é dar um valor eleitoral àquele antibergoglismo que existe na igreja estadunidense e que Trump deve interceptar no momento em que é desafiado por um católico liberal como Joe Biden, um dos poucos frontrunner católicos na história das eleições presidenciais nos Estados Unidos. E tão perto da votação, para alinhar-se com aqueles bispos que propõem negar a comunhão ao candidato democrático porque é contrário a uma legislação antiabortista, a diplomacia estadunidense ainda pode colocar na mira aquela do Vaticano: chi mangia papa, crepa, (algo como “não se meta com o papa”), dizia um antigo ditado romano; vamos ver se isso também se aplica a quem tenta morder seus colaboradores.

Leia mais