03 Setembro 2020
Um dos bastiões do conservadorismo cristão dos Estados Unidos, a Liberty University está procurando novo presidente. O ocupante do cargo, Jerry Falwell Jr., renunciou, a pedido, ao cargo depois de virem a público desvios morais. Jerry estava na presidência desde a morte, em 2007, de seu pai, o reverendo Jerry Falwell, fundador da Maioria Moral, celeiro da direita religiosa.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
O Conselho de Curadores da Liberty contratou uma das principais empresas forenses do mundo para conduzir uma investigação completa em todas as facetas das operações da instituição durante o mandato de Jerry Falwell Jr. como presidente. “Obviamente, seguindo em frente, estamos muito conscientes de que devemos buscar líderes que demonstrem um compromisso total com a missão espiritual da Liberty University por meio de palavras, ações e exemplos”, diz comunicado da instituição.
O caldo entornou na segunda-feira, 24 de agosto, quando veio a público a revelação de um jovem, ex-atendente de piscina hoteleira em Miami, Giancarlo Granda, de que ele e a esposa de Falwell, Becki Tilley, tiveram relações sexuais regulares por sete anos, desde 2012, às vezes sob os olhares de Jerry.
Um dia antes, relata Daniel Burke, editor de religião da CNN, “em uma aparente tentativa de evitar as acusações, Falwell reconheceu publicamente que Becki tinha um ‘relacionamento pessoal impróprio’ com um homem, mas disse que ele próprio não estava envolvido”. Jerry Jr. acusou Granda de chantagear o casal, o que o acusado nega.
No dia 7 de agosto passado, Jerry Jr. entrou em licença temporária por resolução dos curadores da Liberty, depois da postagem de uma foto em que ele aparece com a barriga de fora, calças abertas, segurando um copo com um líquido escuro, abraçado a uma mulher vestindo short, também aberto, que seria uma assistente de Becki, numa festinha em iate. Para emissora de rádio, Falwell desculpou-se e disse que se tratava “apenas de uma boa diversão”.
Daniel Burke reporta que nos último anos Jerry postou “fotos racistas e disse aos alunos que se mais pessoas portassem armas ‘poderíamos acabar com esses muçulmanos antes que eles entrassem’”.
Falwell Jr. foi um dos primeiros líderes evangélicos a se jogar abertamente na campanha do presidente Donald Trump no início de 2016, comparando-o a Jesus e “desculpando todo tipo de comportamento não cristão”, escreve Burke. Quando indagado sobre uma fita de vídeo em que Trump se gabava de agarrar mulheres pelas genitais, Falwell Jr. disse: “Somos todos pecadores, todos precisamos do perdão de Cristo”.
Ao responder a questionamento numa postagem no Twitter, Falwell Jr. argumentou que nunca foi ministro religioso, destacando sua experiência como advogado e incorporador imobiliário. A gestão dele, do ponto de vista administrativo, foi um sucesso. Investiu 1 bilhão de dólares em novos projetos de construção no campus da Liberty, introduziu plataformas de aprendizagem online, que aumentaram as matrículas, e trouxe os times de futebol e de basquete da universidade para a primeira divisão dos esportes universitários, o que projetou a instituição.
Às críticas contestando sua liderança na Liberty ele respondeu que era o corpo docente, os alunos e o pastor do campus que mantêm a universidade espiritualmente forte como “a melhor universidade cristã do mundo”. Argumentou: “Embora eu tenha orgulho de ser um cristão conservador, meu trabalho é manter a Liberty bem-sucedida acadêmica, financeiramente e no atletismo”. O estatuto da escola, porém, reza que o presidente deve mostrar “liderança espiritual e de visão do mundo para a Universidade na busca da excelência”.
O Código de Honra da Liberty proíbe homossexualidade, sexo antes do casamento, álcool e tabaco, palavrões e tempo sozinho entre membros do sexo oposto, lembrou a escritora Shannon Ashley, ex-evangélica, em artigo publicado no Portal Medium.
Há anos, estudantes e egressos da Liberty pressionaram o Conselho de Curadores para remover Falwell Jr. da presidência da instituição. “Mas o nome de sua família, conexões políticas e sucesso financeiro” o tornaram intocável, destaca a matéria da CNN. Agora, no entanto, o famoso evangélico está fora inclusive da campanha para a reeleição de Trump.
Shannon Ashley criticou o posicionamento machista de Falwell Jr., que responsabilizou a mulher dele pelo caso de adultério, posição, segundo a escritora, que Becki assumiu. “Eu cometi um erro há muito tempo e felizmente meu marido me perdoou. Há anos que lidamos com essa situação. Este predador tentou extorquir milhões de dólares de mim e nós nos recusamos a pagar. Por fim, não aguentamos mais essa tortura e, por isso, divulgamos a história. E Jerry renunciou para proteger a reputação da universidade que ele e sua família passaram suas vidas construindo”, declarou Becki para a ABC News.
A escritora comentou a “hipocrisia” do casal que pregava diretrizes éticas e sexuais. “O que adultos conscientes fazem em seu quarto é problema deles. A questão é que Jerry Falwell Jr. e Becki Tilley são mais dois líderes cristãos proeminentes que arruinaram vidas enquanto pregavam um conjunto de diretrizes éticas e sexuais que aparentemente não podiam sustentar. Eles são hipócritas destrutivos”, pois o que afirmam às pessoas dentro da igreja, isso importa.
Em declaração de 1,2 mil palavras, publicada no Washington Examiner, Falwell Jr. relatou a chantagem que o casal sofreu de Granda, que queria dinheiro para não vazar o caso. “Era como viver em uma montanha-russa”, disse ele no comunicado. “Ao mesmo tempo que nos dedicamos totalmente à Liberty, também sofremos em silêncio durante o nosso tempo pessoal juntos, enquanto tentávamos gerir e lidar com este comportamento cada vez mais ameaçador, que só piorava com o tempo. Estávamos fazendo o nosso melhor para desvendar respeitosamente essa situação do tipo 'atração fatal' para proteger nossa família e a universidade”.
O ex-presidente da Liberty revelou que agora está lidando “com as coisas de uma maneira que deveria ter feito antes – inclusive lidar com o impacto emocional que isso causou”, escreveu. “Eu não deveria ter medo de admitir minhas vulnerabilidades e pedir ajuda aos profissionais de saúde mental que poderiam ter aliviado essa dor e estresse” e não carregar os fardos sozinhos, agregou.
Moralmente abalado, financeiramente bem escorado. Falwell Jr. disse à CNN que tem direito a uma indenização de 2,5 milhões de dólares nos próximos dois anos e outros 8 milhões de dólares mais tarde. Como presidente e chanceler da universidade, ele recebia um salário de 1,25 milhão de dólares (cerca de 6,6 milhões de reais) por ano.
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Liberty University dispensa Falwell Jr. por desvio moral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU