Por: Jonas Jorge da Silva | 25 Agosto 2020
No dia 01 de maio de 2019, Memória de São José Trabalhador, viveu-se um fato histórico: o Papa Francisco convocou um grande encontro mundial, denominado “Economia de Francisco”, em prol da construção de bases para uma economia atenta à pessoa e ao meio ambiente. Impulsionando o diálogo entre os principais economistas preocupados com uma nova economia e as jovens gerações, na mensagem, Francisco ressalta, em conformidade com a carta encíclica Laudato Si’, que “tudo está intimamente conectado e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia mundial. É necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações”.
O encontro em Assis, Itália, ainda não ocorreu em razão da pandemia de Coronavírus, mas o chamado de Francisco ressoou por todo o mundo, gerando uma colossal onda de encontros, fóruns e debates entre pessoas de boa vontade espalhadas por todos os cantos do planeta.
Em concordância com essa motivação, no último sábado, 22 de agosto, no terceiro encontro da série de debates “Ecologia, economia e trabalho no ciclo da vida”, o CEPAT promoveu o debate “Economia de Francisco: a nossa Casa Comum”, com a parceria e o apoio de diversas instituições: Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB, Comunidades de Vida Cristã - CVX, Observatório Nacional Luciano Mendes de Almeida - OLMA, Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Maringá e Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais – CLACSO, por meio do Grupo de Trabalho “Futuro do Trabalho e Cuidado da Casa Comum”.
O convidado para tratar do tema foi o renomado economista Ladislau Dowbor, um profundo conhecedor da dinâmica contemporânea da economia e incansável promotor de alternativas às suas principais contradições.
Jonas Jorge da Silva, do Cepat, e Ladislau Dowbor, da PUCSP (Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)
Em junho de 2017, Dowbor esteve no CEPAT para debater as raízes da desigualdade social no Brasil, pelo ciclo de debates “Brasil: conjuntura, dilemas e possibilidades”. Naquele momento, havia recém-iniciado a divulgação de seu livro “A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo?”, uma importante obra para compreender a dinâmica atual da economia contemporânea. Agora, coincidentemente, seu novo encontro conosco também foi marcado pelo lançamento de mais uma grande contribuição ao debate contemporâneo: “O capitalismo se desloca: Novas arquiteturas sociais”.
Dowbor possui uma série de artigos e entrevistas publicadas no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Em janeiro, por exemplo, concedeu uma entrevista especial intitulada “Não há razão para haver tanta miséria. Precisamos construir novos caminhos”, destacando que “esse sistema não está funcionando” e que, portanto, são necessários “economistas que entendam não de modelos econômicos, mas da dinâmica complexa que gera os desafios para poder propor soluções e não apenas para explicar, depois do desastre, por que determinado modelo não funcionou”.
Nesse mesmo sentido, durante sua exposição, no último sábado, convocou os participantes a pensar nos desafios planetários, civilizatórios e inescapáveis do momento. Em sua avaliação, a pandemia de Coronavírus acentuou ainda mais a evidência de que apesar de estarmos “relativamente isolados, nunca estivemos tão conectados. A pandemia nos empurrou para dentro dessas tecnologias”. Sendo assim, é necessário tomar consciência da grande ferramenta que temos para gerar bens comuns de conhecimento. “De repente, descobrimos que podemos conversar pelo mundo, com todo mundo”, destacou.
Marilene Maia, do ObservaSinos do IHU, e Ladislau Dowbor, PUCSP (Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)
“Não é apenas a crise da Covid, estamos em uma convergência de crises”, ressaltou Dowbor. Para o economista, trata-se de uma convergência entre a crise ambiental, a desigualdade socioeconômica e a financeirização da economia. Esta convergência está desarticulando a democracia em diversos países pelo mundo.
Em relação à crise ambiental, Dowbor listou uma série de consequências provocadas pelo capitalismo extrativo e que prejudicam seriamente o futuro das gerações. O planeta está sendo destruído de forma acelerada, com a acidificação dos oceanos, a liquidação da vida nos mares, a agricultura extremamente química, entre outros problemas socioambientais. A vida está sendo destruída. Em sua opinião, todas as manifestações que estão surgindo contra essa destruição massiva estão repletas de razão.
Dowbor se mostrou indignado em ter que reconhecer que temos cerca de 820 milhões de pessoas passando fome no mundo. “É ridículo em termos econômicos, pois produzimos diariamente mais de 1,5 kg de alimentos por pessoa no mundo”. Para o economista, a riqueza produzida no mundo atual daria para garantir uma vida digna para todos. O desafio não é mais o de capacidade de produção, mas, sim, o de organização da economia. É inconcebível a constatação de que 1% da população mundial tenha mais patrimônio do que os 99% seguintes. O problema não é a falta de recursos, mas a justa distribuição da riqueza produzida.
Para demonstrar as contradições do modelo econômico atual, Dowbor lembrou que no momento em que a humanidade está se aproximando da marca de 1 milhão de mortos pelo coronavírus, também é necessário lembrar algo chocante: no ano passado, 3,1 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram de fome.
“Para resolver esse problema não precisa fazer lockdown, paralisar a economia, não precisa inventar vacina, descobrir medicamentos, é só ter um pouco de vergonha na cara e ultrapassar a bobagem que é dizer: ‘não, mas isso é visão de esquerda’. Mas que visão de esquerda ou visão de direita? Isso é questão de decência humana”, manifestou-se, com indignação.
“Quando pego a mensagem do Papa, não vejo coisa de esquerda, coisa de direita. Tem uma balbúrdia do lado direito, da direita inclusive da Igreja, que diz: ‘meu Deus, ele é tão progressista!’. É questão de decência humana, elementar. Como é que nesse mundo, com o volume de recursos e riqueza que nós temos, com esses bilionários aí, a gente está deixando 820 milhões de pessoas passando fome e essa mortandade de crianças?”, questionou.
É preciso ir radicalmente para outros caminhos. Sopra a esse favor o fato de, segundo Dowbor, os pobres estarem mais conscientes hoje de que podem ter uma escola e saúde decentes. A democracia no mundo está indo para o brejo justamente porque ninguém aguenta mais, ou seja, é preciso aprofundar a democracia ou os problemas deverão se agravar ainda mais.
E ao falar de democracia, Dowbor atacou uma das raízes do problema em seu péssimo funcionamento: o sistema financeiro. Trata-se de um sistema que gera recursos apenas para quem já tem muito dinheiro, com pessoas que se enriquecem com aplicações financeiras descoladas do setor produtivo. Hoje, o dinheiro se converteu em sinais magnéticos emitidos por bancos e que circula na internet pelo planeta, buscando oportunidades de lucros cada vez maiores e sem compromisso com a sociedade em geral.
Os Estados dependem de uma arquitetura econômica na qual os impostos possibilitem a manutenção dos serviços públicos. Contudo, os bilionários, com suas grandes corporações, além de não pagarem impostos, assumem a pior face do capitalismo extrativo, preocupados somente em repartir os lucros com os seus acionistas.
Para Dowbor, são tomadas decisões econômicas que se sobrepõem a qualquer decisão política de interesse público. Há um desequilíbrio geral que não permite o pleno funcionamento da democracia política, uma vez que não existe democracia econômica.
Até mesmo um editorial do Financial Times, que é uma referência para o mundo dos negócios e os interesses econômicos das minorias abastadas, reconheceu, recentemente, a necessidade de reformas radicais, com um papel mais ativo dos governos na economia. Serviços públicos não são gastos, mas investimentos, e medidas redistributivas, até então consideradas excêntricas na cartilha neoliberal, começam a ser levadas a sério, por exemplo, a ideia de uma renda básica.
Dowbor é categórico: é preciso pensar em alternativas, pensar em modelos que funcionam, que estão em concordância com dignidade da pessoa, pois esse sistema perdeu sua legitimidade. Os grandes grupos econômicos até conseguem construir uma legalidade, mas que não é legítima, pois não é democrática. “O valor central para nós é seguramente a democracia”, afirma.
É preciso resgatar o controle da capacidade decisória das pessoas. Nesse sentido, é muito importante o papel dos municípios e das decisões tomadas em âmbito local, já que é na base das sociedades que é possível enxergar os problemas de forma mais apropriada e tomar as melhores decisões.
O dinheiro que circula na base da sociedade gera oportunidades. “O pobre não é pobre porque é preguiçoso, mas porque não tem oportunidades”, avaliou Dowbor, lembrando que o Brasil tem 140 milhões de pessoas em idade de trabalho, mas apenas 33 milhões em trabalhos formais. Nesse sentido, é preciso apostar nas políticas sociais, na redistribuição de renda. “A economia não são leis, são pactos”, por isso é preciso ajustar sua organização em conformidade com modelos que funcionem em benefício de todos.
Além disso, Dowbor ressaltou o papel central das mulheres na sociedade do conhecimento que passa a imperar, reconhecendo que hoje elas estão se preparando em maior quantidade e qualidade para este novo momento. “As mulheres estão avançando com níveis de conhecimento mais elevados e isso tende a equilibrar o jogo”, avalia.
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“Uma nova economia é questão de decência humana”, afirma Dowbor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU