28 Julho 2020
“Agora eu estou curado”. Com essa frase o líder indígena Raoni Metuktire, de 90 anos, se despediu dos nove dias em que ficou internado em tratamento de saúde decorrente de problemas gastrointestinais e anemia. Ao receber a alta no sábado (25), o cacique Kayapó viajou da cidade, em avião do governo estadual, para sua aldeia Piaruçu, na Terra Indígena Capoto-Jarina, onde passa este domingo com seus familiares.
A reportagem Marcio Camilo, publicada por Amazônia Real, 26-07-2020.
A internação do cacique de 90 anos, considerado um dos maiores líderes indígenas do mundo, causou surpresa e repercutiu no Brasil e no exterior, principalmente devido à pandemia do coronavírus, mas Raoni testou negativo para a infecção. Em coletiva, ainda no hospital Dois Pinheiros, onde o líder ficou internado, ele explicou o impacto de uma doença repentina e pediu respeito.
“Queria falar para vocês que a doença chega a qualquer dia e ataca alguém da nossa família. Queria que todas as pessoas pensassem nisso, e poder gostar, amar… poder respeitar o outro, porque a gente não sabe o dia de amanhã, se nossos amigos vão ficar doentes. Isso que eu penso, que a gente deve estar juntos, porque doença não marca dia quando ela vem”, disse.
Raoni apresentou sintomas de desidratação, anemia e fraqueza e foi internado, no dia 16 de julho, em um hospital do município de Colíder (MT), a 260 quilômetros do território Capoto-Jarina, na bacia do Rio Xingu. O quadro de saúde se agravou com os problemas gastrointestinais e uma hemorragia. O cacique foi removido para o hospital Dois Pinheiros, em Sinop (a 317 quilômetros do território). Na unidade de saúde, o exame de endoscopia digestiva alta apresentou duas úlceras em atividade. A liderança passou por transfusão de sangue para controlar o quadro de anemia. “Quero agradecer a todos vocês que me apoiaram, que estão escutando todo dia sobre mim, sobre a minha saúde”, disse Raoni.
O neto Patxon, Raoni e os médicos do hospital em Sinop. (Foto: Mídia Índia)
Durante a coletiva, o médico Douglas Yanai disse que o quadro de saúde de Raoni está controlado. “O quadro infeccioso já está praticamente debelado. A gente acredita que ele encontra condições de ir embora para a aldeia dele”, afirmou.
Yanai ressaltou que o adoecimento do cacique foi uma mistura de acontecimentos, e também teve relação com a morte da esposa, Bekwykà Metuktire, no último dia 23 de junho. “[O falecimento] gerou esse quadro de tristeza profunda do cacique. Ele tem tido uma alimentação bastante regular por causa desse quadro de tristeza e se agravou com as úlceras que ele tem. Ele fez sangramento digestivo baixo, além de sangramento pelas úlceras que acabaram se agravando ao longo da semana”, explicou.
O médico lembrou que Raoni chegou ao hospital num estágio bastante preocupante de saúde. “Um estado de quase choque. Ele estava bastante desidratado e apresentava uma anemia importante. Havia sim risco de morte para ele, porque era um quadro que inspira bastante cuidado”, observou ao acrescentar que foram feitas duas transfusões de sangue no líder dos Kayapó por causa das hemorragias.
Mesmo na aldeia Piaruçu, na Terra Indígena Capoto-Jarina, o tratamento da saúde de Raoni vai continuar à distância, com um trabalho contínuo para melhorar o seu quadro nutricional. Segundo o médico Douglas Yanai, se houver necessidade o cacique será internado de novo. No momento, a equipe médica continua investigando o resultado de uma biópsia que apontou, preliminarmente, para uma “possível doença inflamatória intestinal”, disse o médicos. O exame será encaminhado para São Paulo para a confirmação do diagnóstico da equipe do hospital Dois Pinheiros.
Raoni recebe alta. (Foto: Diego Souza/Hospital Dois Pinheiros)
“Estabelecemos um canal direto de contato com a saúde indígena [Dsei] para que possamos ajudar a manejar esse quadro de saúde dele a distância e, claro, se a gente perceber que algum momento há necessidade que ele retorne , essa reavaliação será agendada, e se não houver condições de atendê-lo in loco, a gente traz ele aqui [hospital] para que se façam os exames necessários”, concluiu o médico Douglas Yanai.
Assim que foi informado sobre a alta do cacique, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), colocou um avião à disposição para levar o grande líder de volta a sua aldeia. Raoni saiu do hospital por volta das 13h40 e foi direto para o aeroporto de Sinop. O embarque ocorreu por volta das 14h, com a chegada do cacique à sua aldeia as 16h deste sábado (25).
“Ele já está lá na aldeia. Tomando todas as precauções, todas as medidas de segurança sanitária, e ele saiu do hospital direto para o aeroporto. Estamos todos felizes”, disse à Amazônia Real por áudio de Whatsapp o sobrinho-neto de Raoni, Patxon Metuktire. Nas últimas semanas, ele acompanhou o avô no hospital.
Mesmo com a alta do líder Raoni Metuktire, o movimento indígena continua apreensivo com internações de grandes lideranças. No dia 20 de julho foi transferido para um hospital de Goiânia (GO), o líder Aritana Yawalapiti, que tem 71 anos de idade. Eles está internado em tratamento de Covid-19 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital particular, cujo nome não foi divulgado para preservar o paciente.
Líder Aritana Yawalapiti. (Foto: AYA – Associação Yawalapiti -Awapá)
Neste sábado (25), em nota à imprensa, a organização Uma Gota no Oceano desmentiu uma notícia divulgada na imprensa nacional dando conta de que o cacique havia morrido. A informação, segundo a organização, foi prontamente desmentida pelo filho, Tapi Yawalapiti. Ele também informou que o estado atual de saúde do pai é estável.
“Estou muito triste e preocupado. Sei que todos querem saber notícias do meu pai e a informação é: ele está internado em quadro estável. Peço a todos os jornalistas que, ao divulgarem notícias sobre meu pai, entrem em contato conosco quando quiserem informações que nós passamos a informação correta. Não aceitamos que informações falsas sejam divulgadas”, advertiu Tapi Yawalapiti em trecho da nota.
Neste domingo (26), o hospital onde Aritana está internado divulgou um boletim médico informando que “é gravíssimo o estado de saúde do paciente, que está contaminado pelo novo coronavírus”.
O boletim médico disse também que Aritana “é do grupo de risco e está em UTI desde terça-feira, dia 21”. “O líder indígena foi transferido de Canarana, no Mato Grosso, e precisou do auxílio de 4 tanques de oxigênio para fazer a viagem, acompanhado de seu médico, o Dr. Celso Correia Batista”, disse o site do jornal Diário do Estado.
Aritana é uma das maiores e mais antigas lideranças do Alto Xingu, território que fica entre os estados do Mato Grosso e Pará. “Ele é um dos últimos falantes do idioma materno de seu povo, o Ywalapiti, mesmo nome da etnia. Além de guardar a memória de seu idioma tradicional, Aritana também fala português e outras quatro línguas indígenas. É um grande defensor da luta pela preservação e perpetuação da cultura de seu povo para as novas gerações”, disse a nota da Gota no Oceano.
O Xingu é o segundo território indígena mais contaminado pela Covid-19, conforme a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Já são 83 casos confirmados e seis mortes em decorrência do vírus, de acordo com o boletim epidemiológico da secretaria, divulgado na sexta-feira (25).
Os indígenas Xavante são os mais atingidos pela pandemia no estado do Mato Grosso, com 313 casos e 30 mortes. Já A campanha “A’uwe tsari: S.O.S. Xavante”, que também monitora os casos da doença, registrou mais de 40 mortes na maior etnia do estado do Mato Grosso, com mais de 22 mil pessoas.
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“Agora eu estou curado”, diz Raoni após tratamento de saúde em Sinop (MT) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU