25 Julho 2020
Leigos alemães criticam a nova instrução vaticana sobre a vida paroquial, descrevendo-a como um “o último de uma ditadura religiosa moribunda”.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Novena, 22-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Essa avaliação particularmente negativa do documento – “A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja” – publicado segunda-feira, 20 de julho, pela Congregação para o Clero, veio de um grupo reformista católico alemão, que descreveu o texto como uma “tentativa ultrajante de Roma de tornar a Igreja pré-conciliar novamente e de desacelerar aquelas reformas pastorais urgentemente necessárias”.
Roma pôde ter desejado fortalecer a evangelização e salvaguardar as estruturas paroquiais, mas o que de fato foi feito irá, pelo contrário, levar a uma “maior erosão na vida da Igreja, e não só na Alemanha”, escreveu o grupo We Are Church Germany.
O principal motivo das críticas feitas ao documento do Vaticano foi a forma como a Congregação para o Clero “tenta, de um modo criminoso, manter a clericalização” – isto é, a Igreja de duas classes: clérigos e leigos – “o que o Papa Francisco lamentou repetidas vezes e com razão”.
Ao lastimar que os leigos e as leigas (estas últimas sequer são mencionadas no texto) estão sujeitados no documento, o grupo reformista pediu às paróquias e associações religiosas, mas também aos bispos e delegados do processo de reforma chamado Caminho Sinodal, da Igreja alemã, que “não mais permitam que lhes ditem, de maneira mesquinha e discriminatória, como devem viver a vida de fiéis”.
Outras críticas ao novo documento do Vaticano vieram do presidente da Comissão Central de Católicos Alemães – ZdK (na sigla alemã), Thomas Sternberg, que lamentou que a instrução “ignora a realidade da Igreja Católica na Alemanha” e, mais que isso, “projeta um ideal que não é nem desejável nem real, dos pontos de vista bíblico e histórico, teológico e prático”.
Esse irrealismo da instrução vaticana, explicou Sternberg, fica particularmente claro na ancoragem da autoridade dos padres à custa dos leigos.
“Além de ser um ideal distorcido, a imagem da comunidade paroquial reunida em torno do padre é impossível pela falta de padres, o que há tempos assume proporções dramáticas”, lamentou o presidente da ZdK.
Ele acrescentou que “no ano passado, todo novo padre na Alemanha precisou substituir onze outros que se aposentaram. Não há mais padres”.
Mas Sternberg também criticou a cegueira das autoridades vaticanas em relação a todos os papéis que os leigos desempenham, especialmente os papéis indispensáveis que os não ordenados cumprem nos conselhos paroquiais, os quais, Sternberg lembrou, na Alemanha não são só organismos informativos, auxiliares ou de assessoria, como a instrução pastoral parece sugerir.
Sternberg concluiu alertando que, embora o Vaticano tenha deixado claro que a queda nas vocações não deva servir de desculpa para a experimentação de novas formas de protagonismo paroquial, a emergência da escassez de padres “vai acelerar um processo de reforma já iniciado e que não pode ser detido”.
Uma outra reação irada ao documento do Vaticano e também vinda de leigos alemães ocorreu com a presidenta da Comissão dos Católicos, da Diocese de Münster, Kerstin Stegemann, que disse que a instrução pastoral desencadeou, nela, “decepção, raiva, falta de compreensão e desmotivação”.
“Por que seguir em frente e trabalhar para as reformas, quando há uma clara rejeição delas?”, perguntou Stegemann, observando que, após a publicação das instruções, sua paciência com a Igreja “está ficando cada vez menor”.
Houve também a manifestação do sentimento de frustração da parte daquelas pessoas que, talvez, são as mais afetadas por esta instrução vaticana, isto é, os leigos e leigas que trabalham nas paróquias, coisa que o Vaticano tem buscado reprimir.
No início deste mês, o leigo Werner Heckmann foi nomeado copastor de uma paróquia da Diocese de Münster: exatamente o tipo de trabalho que o Vaticano quer acabar. Mas Heckmann disse que, apesar de “lamentar muito” o documento do Vaticano, ele “não levou para o lado pessoal”.
Notando que a instrução “não se refere a todas as formas bem-sucedidas de protagonismo dos leigos na Igreja: na França, na Suíça ou nas dioceses alemãs”, Heckmann explicou que “com todo o respeito, este texto de Roma simplesmente não se sustenta. Porque o número de padres necessário para [essa visão do Vaticano] em nossa Diocese de Münster não existe”.
Por fim, o sentimento de Heckmann foi ecoado pelo Pe. Michael Prinz, presidente do Trabalhadores Católicos, movimento religioso atuante na diocese, quem lamentou que a instrução vaticana “opta pelo medo e contra um futuro para a Igreja”.
Ao refletir sobre os muitos leigos católicos alemães que defendem a Igreja repetidas vezes, apesar das inúmeras decepções, Prinz lamentou que “Roma parece pensar que essas pessoas não têm parte na liderança católica”.
Na verdade, é exatamente o contrário, explicou o padre: “Através do batismo, todo cristão recebe uma parcela” no comando da Igreja, lembra Prinz.
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“O suspiro de uma ditadura religiosa moribunda”: leigos alemães criticam instrução pastoral do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU