24 Junho 2020
Sociedade pede extensão do Auxílio Emergencial de R$ 600 até o fim do ano. Para sair das cordas, governo trama retomar a agenda neoliberal, articulando-se com Centrão e oligarquia financeira. E mais: a penetração da covid-19 no interior. A análise é de Maíra Mathias e Raquel Torres, editoras do portal Outra Saúde, em artigo publicado por Outras Palavras, 23-06-2020.
Daqui até o final do mês, restam exatos sete dias. Se nada mudar, no dia 1º de julho mais de 64 milhões de brasileiros se verão abandonados à própria sorte com o fim do auxílio emergencial de R$ 600. Por isso, começam a abundar as declarações do governo sobre o tema. Só ontem, foram dois recados. Prestigiando o novo canal por assinatura da Band dedicado exclusivamente ao agronegócio, Jair Bolsonaro foi enfático sobre os planos para a prorrogação do auxílio: “A União não aguenta outro desse mesmo montante que, por mês, nos custa R$ 50 bilhões. Se o país se endividar demais, teremos problema”. Segundo o presidente, o benefício será prorrogado por mais dois meses, mas “falta acertar o valor”.
Falta também afinar o discurso com a equipe econômica. Ontem, o secretário de Política do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, deu um desenvolto panorama a ‘investidores’ . Nela, defendeu algo diverso: que a prorrogação seja avaliada “mês a mês”. Isso porque, de acordo com ele, dados preliminares referentes a maio e junho – que ele próprio define como “ruins” – estão “melhores” do que se imaginava. Em resumo, o tombo econômico existe, é grave, mas já parece ser ‘manejável’ na visão de Paulo Guedes & cia – a ponto de o segundo escalão sentir-se confortável em atravessar o que o próprio ministro vêm dizendo desde o dia 8 de junho: que a prorrogação seria de, no mínimo, dois meses, com uma parcela reduzida de R$ 300.
A fala também é cristalina em relação aos planos da equipe econômica – cuja crença do Estado mínimo não será mudada nem pela pior crise econômica da história, segundo instituições variadas ao redor do mundo. Sachsida defendeu que, a partir de julho, o “fundamental” é “retornarmos a um ajuste estrutural” – e ousou uma previsão: que os próximos 18 meses ficarão conhecidos “na história da economia brasileira como os 18 meses de reformas”. A primeira delas? A reformulação dos programas sociais no guarda-chuva do tal novo plano “Renda Brasil”.
E falta ainda combinar com o Congresso Nacional. No fim de semana, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) defendeu sua posição, que é a prorrogação do benefício no valor atual de R$ 600 “por mais dois ou três meses”. Segundo ele, isso é consenso dentro da Casa: “Tenho certeza de que a minha posição é acompanhada pela maioria dos deputados. Manter esta ajuda é premente. O governo não pode esperar”. No Congresso, nove projetos de lei sobre o tema estão em tramitação. Todos pedem a manutenção do valor em R$ 600, mas não indicam fontes de financiamento para a prorrogação do benefício.
Na semana passada, chegou à Brasília uma proposta que não só prevê essas fontes, como propõe estender o benefício até dezembro e disponibilizá-lo para mais gente. A campanha “A Renda Básica Que Queremos”, que reúne 163 organizações e movimentos, parte da premissa realista de que “a crise sem precedentes que vivemos deve durar muito mais tempo – e esse auxílio é a única coisa que tem garantido comida na mesa a milhões de famílias”.
Assim, o caminho para prolongar o programa sem desequilibrar fortemente as contas públicas. seria taxar os indivíduos mais ricos do país. Outra correção de rumos seria eliminar a exclusão dos trabalhadores informais e microempreendedores individuais que tiveram renda superior a R$ 28 mil em 2018 – barreira que encontraram muitos trabalhadores de aplicativos de transporte, por exemplo.
A extensão do auxílio emergencial até o fim do ano também tem benefícios na arrecadação de impostos. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que quase metade do seu custo total (45%) seria coberto pela arrecadação gerada pelo aumento da atividade econômica. Já em três meses, a receita adicionada pelo auxílio não cobriria nem um quarto (24%) dos custos do programa. Segundo o mesmo estudo, se o auxílio vigorar até dezembro, o Produto Interno Bruto (PIB) seria beneficiado em 0,55%, contra 0,44% se durar apenas até junho.
A discussão do valor do auxílio também não é apenas um detalhe. O Brasil está longe, bem longe de ostentar uma situação estável na epidemia do novo coronavírus. E o valor de R$ 600 – ao invés de R$ 300 – funciona como um incentivo para que as pessoas fiquem em casa, guardando o isolamento social necessário para não colapsar os sistemas de saúde.
Até agora, segundo a Caixa Econômica Federal, o benefício foi pago a 64,1 milhões de pessoas no valor total de R$ 83 bilhões, considerando a primeira, segunda e parte da terceira parcela. Mas o gasto estimado pelo governo é de cerca de R$ 150 bilhões. R$ 50 bi a cada parcela.
Nesse momento em que o presidente colhe a crise política que plantou, a continuidade do benefício é uma variável importante no cálculo político do bolsonarismo. Pesquisas mostram a popularidade de Jair Bolsonaro está melhorando em parcelas de baixa renda e entre quem recebe ou aguarda o recebimento do benefício.
“O governo está em saia justa e em desconforto crescente. Por um lado, o fim do auxílio poderá abalar a já declinante popularidade do presidente – em especial nas camadas sociais onde ele ganhou um tímido alento. Por outro, a oligarquia financeira, base política essencial para sustentar Bolsonaro no poder, em meio a seus crimes e desatinos, dá sinais de impaciência: deseja impor, o mais breve possível, novos limites ao gasto social e a volta do que chama de ‘disciplina fiscal’”, analisou Antonio Martins, editor do Outras Palavras.
A propósito: 27,1 mil pessoas já precisaram recorrer à Defensoria Pública da União para conseguir acessar o auxílio. Desde o fim de maio, são quase mil novos processos de assistência abertos a cada dia útil.
Enquanto isso… 317.163 pagamentos a agentes públicos de 23 estados foram feitos de forma indevida em maio. Isso custou R$ 222,9 milhões aos cofres públicos, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU).
O contingente de pessoas que se tornaram indisponíveis para trabalhar, sobretudo por terem ficado doentes ou serem responsáveis por cuidar de alguém doente, saltou de 3,3 milhões no bimestre até fevereiro para 4,7 milhões até abril. Trata-se de um aumento de 45%. Os dados são da Pnad contínua e foram levantados por Marcel Balassiano, pesquisador da FGV.
O coronavírus está definitivamente tomando o interior do Brasil. O boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde ontem mostra que 59% dos casos registrados no país estão hoje concentrados no interior, enquanto dois meses atrás eram apenas 35%. Em 19 estados, a proporção de registros já é menor nas capitais do que nos outros municípios. Quando se olha para as mortes a situação também está mudando: 48% delas estão no interior. O percentual pode subir, já que, como há um intervalo de tempo entre as contaminações e os eventuais óbitos, esse último número demora mais para crescer.
O coronavírus só não chegou às cidades muito, muito pequenas. Dos 980 municípios que ainda não tiveram nenhum registro, 969 têm menos de 25 mil habitantes; as restantes têm entre 25 mil e 50 mil. Fazemos uma ressalva: mesmo sem registros oficiais, pode haver casos não diagnosticados.
Ontem, o governo de São Paulo anunciou que pela primeira vez teve mais registros no interior do que na capital. Isso é esperado, até porque vários municípios começaram a reabrir seus estabelecimentos de forma precipitada. Sorocaba, que teoricamente ainda está na ‘fase laranja’ no plano de reabertura, está agora com todos os leitos de UTI para covid-19 ocupados – tanto na rede pública como na privada – e com três pacientes na fila do SUS. Vai ter que fechar o comércio de novo esta semana.
Os dados não indicam, porém, que as capitais estejam em situação tranquila. Partindo de casos registrados nos últimos 30 dias, um modelo estatístico desenvolvido por pesquisadores de física e matemática da USP mostra que 20 das 27 capitais ainda estão com aumento rápido dos novos registros; seis estão estáveis, e só uma, Recife, está de fato vendo a desaceleração das infecções. No geral, esse crescimento acelerado é observado em 20% das cidades brasileiras (1.138 do total).
Se o Brasil estivesse seguindo as diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a reabertura segura, oito das principais capitais não deveriam ter flexibilizado suas medidas de isolamento. Um levantamento da Universidade de Oxford comparou as recomendações do organismo com a situação real das capitais brasileiras e viu que São Paulo, Rio, Salvador, Recife, Fortaleza, Goiânia, Manaus e Porto Alegre não obedeciam aos critérios. As principais deficiências, segundo os autores, são a falta de testes, a ausência de um programa de rastreamento de contatos dos infectados e o deserto de informação sobre o que os brasileiros devem fazer se tiverem sintomas ou se tiverem contato com quem teve sintomas.
Aliás, um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas alerta para o risco de um novo pico de contaminações em Manaus entre julho e agosto. De acordo com a equipe, podem ser alcançados 200 mil casos simultâneos de covid-19. “Todo dia temos centenas de novos casos. O número de óbitos está bem acima do normal, com cerca de dez por dia causados pela covid. Isto é preocupante. Dez óbitos por dia causados por uma doença, em tempos normais, seria razão para grande alarme, mas as pessoas naturalizaram esta situação”, diz o coordenador da pesquisa, Wilhelm Steinmetz, no Estadão.
O país registrou 748 óbitos e 24.358 novos casos de segunda para terça-feira, levando os números totais para 51.407 mortes e 1.111.348 contaminações. Ao defender a abertura do comércio, o presidente Jair Bolsonaro chamou ontem as ações de combate ao coronavírus de ‘exageradas’. “Porque novas informações vêm do mundo todo, vêm da OMS, através dos seus equívocos, que talvez tenha havido um pouco de exagero no trato dessa questão lá atrás”, disse ele. Não há nenhuma nova informação do “mundo todo”, nem da OMS nesse sentido.
A prefeitura do Rio de Janeiro está fazendo uma pesquisa para testar aleatoriamente pessoas em quatro comunidades “adensadas”. Vão ser cinco rodadas de testes sorológicos (que detectam a presença de anticorpos), e os resultados da primeira rodada acabam de sair. A prevalência de infecções encontrada foi altíssima: 28% na Cidade de Deus, 25% em Rio das Pedras, 23% na Rocinha e 19% na Maré. Também foram testados moradores de Realengo e Campo Grande, dois bairros grandes da periferia da cidade. Neles, foram encontrados respectivamente 9% e 5% de resultados positivos. Apesar disso, nesses dois bairros as taxas de letalidade foram maiores do que nas favelas, um dado que carece de interpretação. Ao todo, foram testadas 3,2 mil pessoas e 556 apresentaram anticorpos. Mas mais da metade (52%) de quem tem anticorpos, portanto já se contaminou, nunca apresentou nenhum sintoma de covid-19.
E a taxa de mortalidade pela doença entre os indígenas da Amazônia Legal é nada menos que 150% maior do que a média nacional, segundo uma análise da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e do Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia). A taxa também é 20% maior do que a da região Norte como um todo, que tem o índice mais alto das cinco regiões brasileiras. Alguns fatores ajudam a explicar a discrepância. Um pode ser a maior subnotificação (com menos casos identificados, a proporção entre mortes e casos tende a subir); mas a deficiência no acesso aos serviços de saúde, a invasão de terras levando o vírus pelas comunidades adentro e o desmatamento foram apontados na análise.
Em tempo: o jurista e filósofo Silvio Almeida foi o entrevistado da noite de ontem no Roda Viva e fez uma cirúrgica fala em defesa do SUS: “A gente tem percebido que os maiores afetados são as pessoas negras e que essas pessoas não estão morrendo porque o vírus faz uma escolha racial, estão morrendo porque o sistema de saúde não tem condição de lidar com a demanda provocada pela doença (…). Ser antirracista é, portanto, incompatível com a defesa de políticas de austeridade nesse momento. Ser antirracista é incompatível com outra coisa que não seja a defesa do SUS, ele tem que ser fortalecido”.
Ainda não se tem certeza se o tratamento à base de soro com anticorpos contra o novo coronavírus vai vingar, mas cientistas dos Estados Unidos e do Brasil já estão utilizando animais de grande porte como ‘fábricas’. Sabemos que, experimentalmente, médicos têm usado o soro de pessoas curadas da doença como medicamento para tratar infectados. A quantidade, porém, não é suficiente para milhões de contaminados porque depende da disponibilidade de sangue de ex-pacientes. O que os cientistas estão fazendo é inocular vacas e cavalos com o vírus para que produzam anticorpos, e estes poderiam ser purificados e administrados a pessoas. Por aqui, as pesquisas nesse sentido estão no Instituto Vital Brazil, no Rio. Se tudo der certo na fase inicial, os potenciais medicamentos ainda vão precisar ser testados em macacos, depois em humanos.
Por enquanto, a única droga que se mostrou capaz de salvar vidas em um estudo clínico randomizado foi a dexametasona (vale lembrar que seguimos aguardando a publicação desse estudo com revisão de pares). Na semana passada houve certo alívio pelo fato de este ser um medicamento amplamente disponível no mundo todo, mas parece que essa disponibilidade ainda não é suficiente. Ontem, o diretor-geral da OMS Tedros Ghebreyesus pediu que se aumente a produção mundial.
E a farmacêutica Gilead vai começar a testar uma versão inalável do remdesivir – outro remédio que demonstrou resultados razoáveis contra o novo coronavírus, reduzindo o tempo de internação. Hoje ele é administrado por via intravenosa; se houver bons resultados, isso vai poder ser feito com um nebulizador, o que facilitaria a aplicação fora dos hospitais. A ideia é melhorar a resposta da droga, que mostrou ser menos eficaz quando administrada tardiamente. Antivirais, em geral, são mais eficientes no início das infecções, antes de elas se agravarem.
Junto com as pesquisas e com a perspectiva de que novos remédios sejam eficazes, vem também a preocupação com seu custo. Nos EUA, que não tem um sistema público de saúde garantindo o fornecimento de medicamentos essenciais, há uma preocupação dos legisladores nesse sentido. Chegamos a acompanhar aqui na newsletter como, mesmo antes da pandemia, eles travavam grandes discussões sobre formas de regular o preço de medicamentos, evitando os aumentos abusivos. Agora, estão em pauta alguns projetos de lei que procuram limitar o poder das farmacêuticas no estabelecimento dos preços, quando elas tiverem recebido financiamento de agências federais. O país tem investido uma boa quantia de dinheiro – que, afinal, vem dos contribuintes – no desenvolvimento e nos testes dos remédios propostos contra a covid-19. A Gilead, por exemplo, abocanhou US$ 70,5 milhões de agências governamentais para descobrir o remdesivir, e depois patenteou a droga.
Ontem comentamos aqui que a triagem por febre para permitir ou não a entrada de pessoas em estabelecimentos não é muito eficaz, já que grande parte das transmissões do novo coronavírus se dá antes do surgimento dos sintomas. Esse não é o único problema, como escrevem os pesquisadores Andrea Fuller e Duncan Mitchell. Isso porque para medir a febre é preciso saber a temperatura central do corpo (o que normalmente se consegue com o termômetro na boca), mas as câmaras térmicas ou termômetros infravermelhos usados em triagens medem apenas o calor da pele, da superfície. Só que a temperatura da pele não aumenta durante a fase de desenvolvimento de uma febre. Ela chega até a diminuir.
A pandemia tem monopolizado todas as atenções – e não poderia ser diferente. Testes, leitos, respiradores, possíveis vacinas e tratamentos são alguns dos assuntos que dominam o debate público. Mas há alguma coisa faltando, um assunto sobre o qual pouco se fala: as causas estruturais da pandemia. Melhor dizendo: as raízes profundas de recentes pandemias, epidemias e surtos de novas doenças que se sucedem um após o outro. Para muitos, o motor por trás desse processo tem a ver com um sistema de produção causador de desequilíbrio ambiental.
A reportagem da NPR, a rádio pública dos EUA, resgata um exemplo mais ou menos recente. Um relatório da Organização Mundial da Saúde produzido em 2015 concluiu que o surto de ebola que atingiu Guiné, Libéria e Serra Leoa entre 2013 e 2016 pode ter começado assim: um bebê de um ano e meio brincava perto de uma árvore no seu quintal. A árvore estava cheia de morcegos, animais que são conhecidos portadores de vários vírus – neste caso, o do ebola. O que os morcegos estavam fazendo naquele quintal? A OMS respondeu que provavelmente isso tinha a ver com o desmatamento na região. E com mineração e extração de madeira também. Outros pesquisadores da doença já traçaram 25 ligações entre surtos e perda florestal.
“Especialistas em saúde dizem que o novo coronavírus, que matou quase meio milhão de pessoas em todo o mundo, teve origem em um animal. Provavelmente, um morcego. E embora seja muito cedo para saber se o desmatamento ou a mudança no uso da terra teve algum papel no que se tornaria uma pandemia global, há preocupações de que a ruína econômica que está deixando para trás possa ajudar a preparar o cenário para futuras pandemias”, escreve Nathan Rott.
Isso porque, apesar de o meio ambiente parecer estar ‘melhorando’ com o isolamento social, as florestas continuam sob ataque, e a situação preocupa principalmente no sudeste asiático, na África e… na América do Sul. As florestas tropicais têm mais biodiversidade, logo o desmatamento pode colocar face a face vírus desconhecidos e seres humanos.
Na Vox, uma reportagem aborda outro ângulo da questão, de olho na situação do Brasil e da Indonésia, dois países que ostentaram recordes de desmatamento no ano passado e, onde, em 2020, as motosserras continuam a todo vapor durante a pandemia. “As chamas em 2019 foram provocadas em partes degradadas da floresta para limpar terras para mineração e agricultura e, em alguns casos, para expulsar os indígenas que vivem na área. Agora essa pressão está crescendo em meio à pandemia da covid-19, com muitas pessoas forçadas a deixar o trabalho. E os governos estão tendo mais dificuldade em impor regras contra o desmatamento ilegal e a queima, à medida que lidam com o vírus”, nota Umair Irfan.
Isso para não dizer quando os governos implodem suas regras, passando as boiadas na base do ‘parecer, caneta’. Temos aqui um caso fresquíssimo: o Ibama não está mais fornecendo informações sobre autuações, multas e apreensões feitas contra desmatadores na região da Amazônia Legal. O órgão perdeu (mais) essa autonomia, desta vez para a Vice-Presidência da República.
Hamilton Mourão também está mentido em outra operação: desta vez não de ocultação de dados, mas de manipulação deles. Segundo o Estadão, ações de combate ao desmatamento realizadas pelo Ibama e por secretarias estaduais de meio ambiente tiveram seus dados incluídos no balanço da operação militar “Verde Brasil 2” – iniciada pelo Conselho da Amazônia presidido por Mourão. A operação foi deflagrada por decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em maio, emprega 3,8 mil militares e custa aos cofres públicos R$ 60 milhões. Só que, segundo a lei, nenhum militar pode aplicar multas por infrações ambientais – multas essas que aparecem no balanço da operação num total de R$ 95,6 milhões…
Todas essas incongruências estão pegando muito mal: investidores ameaçam tirar dinheiro do país por conta do desmatamento e eurodeputados enviaram uma carta a parlamentares brasileiros pedindo ações para proteger a Amazônia.
E uma dica: o biólogo evolucionista Rob Wallace defende que o aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à captura de terras e à produção de alimentos que sustentam um modelo que favorece poucos: basicamente as empresas multinacionais. “Qualquer pessoa que pretenda entender por que os vírus estão se tornando mais perigosos deve investigar o modelo industrial da agricultura e, mais especificamente, a produção pecuária”, sugeriu. Mas, de acordo com ele, há uma “recusa conveniente” em fazer isso. Assim, cada nova doença acaba sendo tratada como um incidente isolado. Suas ideias, já muito conhecidas lá fora, agora podem ser examinadas em português no livro “Pandemia e agronegócio”, editado pela Elefante.
Os microplásticos já dominaram o mundo. Estão nos oceanos, de acordo com uma pesquisa publicada mês passado, mas também no topo das montanhas. Estimativas dão conta de que 250 mil toneladas deles poluem fontes de água no planeta, todos os anos. Uma vez na natureza, esses pequenos pedaços de plástico se tornam cada vez menores. Quando uma onda estoura na praia, junto com a brisa agradável repleta de gotinhas, vêm os microplásticos. São respirados por nós, ou ingeridos em alimentos embalados e engarrafados, afetando nossa saúde, como já dissemos algumas vezes por aqui.
Como eles chegam em toda a parte? As fibras se descolam de roupas sintéticas nas máquinas de lavar roupa. A cada lavagem, em média cem mil fibras escorrem dos ralos até mares, rios e lagos… Sua onipresença coincidiu com o surgimento do “fast fashion” – que inundou os guarda-roupas de peças baratas e de péssima qualidade mundo afora. Há setenta anos, as indústrias têxtil e de vestuário usavam dois milhões de toneladas de materiais sintéticos; número que subiu para quase 50 milhões de toneladas num já distante 2010. Todos esses fatos estão reunidos em uma interessantíssimas reportagem da Wired que atualiza tudo o que se sabe sobre o poluente – que poderia ser, em grande parte, ‘capturado’ em filtros instalados nas próprias máquinas de lavar. Mas as empresas, até agora, não receberam pressão para desenvolver tal mudança. De qualquer forma, o modelo de consumo desenfreado de roupas de péssima qualidade é o maior vilão. Mais um tema que exigirá de alguns de nós reflexão nesses tempos tão propícios a transformações de toda ordem.
Quem está cotado para assumir o Ministério da Educação é o atual secretário de Educação e Esporte do Paraná, Renato Feder. Em vez de ligações com Olavo de Carvalho, ele tem, segundo o Valor, um “perfil de gestão”. De gestão no setor privado, diga-se. Antes da secretaria no Paraná, comandava a Multilaser, empresa de eletrônicos e produtos de informática, e não consta que tivesse experiência com educação pública. Ainda segundo a reportagem, seu nome tem apoio de integrantes do Centrão, de empresários ligados à Fiesp e da comunidade judaica – o que, para o governo Bolsonaro, parece ser suficiente.
Três universidades públicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp) devem perder pelo menos R$ 1,2 bilhão este ano por conta da pandemia, o que representa uma queda de 11% nos seus orçamentos. Elas são financiadas por um percentual do ICMS do estado, mas, como a arrecadação caiu, seu repasse foi menor. No mês passado, já não foi suficiente para pagar professores e funcionários, e foi preciso retirar dinheiro dos magros fundos de reserva. Com a perda de renda da população, a arrecadação não deve voltar a crescer tão cedo, o que preocupa. Os reitores pediram recursos a João Doria (PSDB), mas, segundo o Estadão, ainda não há previsão de ajuda no horizonte.
O problema não acontece só por aqui. A Universidade de Harvard (financiada via mensalidades, doações e recursos públicos) projetou uma redução de US$ 750 milhões para o próximo ano letivo. Começou com medidas para economizar dinheiro, como congelamento de salários e contratações, cancelamento de projetos e possibilidade de demissões e licenças. Há um debate sobre se não poderia ser usado dinheiro de fundo perpétuo bilionário, em que usualmente só os rendimentos são tocados.
Depois de muito pressionar os estados para que reabrissem suas economias, Jair Bolsonaro tem insistido que governadores e prefeitos é que precisam ser responsabilizados pelo fracasso no combate ao coronavírus. Recentemente, atribuiu isso à decisão do STF de que estados e municípios têm autonomia para decretar suas medidas de isolamento. Para o presidente, isso significaria a “total responsabilidade” desses gestores. O ministro Luiz Fux rebateu ontem: “O Supremo não exonerou o Executivo federal das suas incumbências porque a Constituição Federal prevê que, nos casos de calamidade, as normas federais gerais devem existir. Entretanto, como a saúde é direito de todos e dever do Estado, num sentido genérico, o Estado federativo brasileiro escolheu o Estado federado em que os estados têm autonomia política, jurídica e financeira”, disse, falando também sobre o dever do Supremo de agir em relação a “aqueles que são anticiência, completamente contra a ciência”.
Aliás, o procurador-geral da República Augusto Aras assinou uma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público que restringe a atuação dos procuradores durante a pandemia. Diz que eles não devem adotar medidas judiciais sobre temas onde não há “consenso científico”… Membros do MP estão obviamente preocupados. Esse trecho, por exemplo, poderia servir para que não se possa fazer nada contra as orientações do governo em relação ao uso da cloroquina. Várias entidades avaliam uma forma de tentar impugnar a norma.
A Polícia Federal decidiu abrir uma investigação paralela sobre a organização e o financiamento dos atos antidemocráticos, depois de divergências em relação às medidas pedidas pela Procuradoria-Geral da República. Ainda na semana passada, a delegada Denise Ribeiro se manifestou contrariamente à operação que mirou bolsonaristas envolvidos nos atos, pedindo ao ministro do STF Alexandre de Moraes o recolhimento dos mandados de busca e apreensão, ou o adiamento da operação. Ele disse não, mas autorizou que ela começasse uma diligência paralela. Segundo O Globo, isso é incomum. Pela PF, vão ser investigados três crimes, dois relativos à Lei da Segurança Nacional e um sobre associação criminosa, previsto no Código Penal.
O Rio de Janeiro, que já conta quase cem mil casos e nove mil mortes pelo novo coronavírus, viu ontem a demissão do seu segundo secretário estadual de saúde durante a pandemia. Fernando Ferry saiu sem explicar muita coisa, pouco mais de um mês depois de entrar: “Queria dizer que eu tentei. Eu agradeço ao governador por ter me dado esta oportunidade de tentar resolver estes graves problemas que estamos vendo na saúde. Eu só queria dizer mais uma coisa: peço desculpas à população”, disse em um vídeo enviado à TV Globo. Segundo fontes do governo, ele saiu logo para não ser demitido. O governador Wilson Witzel (PSC) estaria descontente com suas declarações recentes (ele disse acreditar que havia “muita lama” nos contratos da gestão anterior). Mas há também boatos de que a motivação para a saída teria sido a pressão para pagar contratos. No lugar dele, entra Alex da Silva Bousquet, coronel do Corpo de Bombeiros e médico intensivista.
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