16 Junho 2020
"Desde 1766 a Igreja Católica se vê às voltas com os meios de comunicação, só em 1918 deixam ser tratados como 'inimigos da Igreja'. É importante a presença da Igreja na mídia, mas o principal meio de comunicação de Deus com o mundo é o próprio ser humano. Uma comunicação baseada na Trindade, pois o Pai, o Filho e o Espirito estão ocupados com a humanidade", escreve Rosana Bones, bacharel em Comunicação Social, habilitação Jornalismo pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte (atual Uni-BH), pós-graduada em Ciências da Religião pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA), extensão em Teologia para Leigos Centro Loyola/FAJE. Membro do grupo de pesquisa Teologia e Diversidade afetivo-sexual do Programa de pós-graduação em teologia da Faculdade Jesuíta. O artigo é publicado por Dom Total, 12-06-2020.
TVs católicas deveriam levar a boa notícia de Jesus aos pobres e marginalizados.
Os meios de comunicação social (MCS) podem divulgar tudo, economia, cultura, política, educação e religião. Podem informar e desinformar, formar e deformar, estar a serviço da vida ou da morte, da ética ou da corrupção, da verdade ou da mentira. Os MCS expandiram tanto que entraram pela porta da frente das instituições religiosas. No Brasil, nove emissoras de TV estão vinculadas à Igreja Católica. A missão, anunciar a Verdade: Jesus é a Verdade.
No último sábado, as vésperas da festa da Santíssima Trindade, a matéria Por verbas, TVs católicas oferecem a Bolsonaro apoio ao governo, do jornal Estado de São Paulo, chamou a atenção sobre os reais interesses de algumas destas emissoras. Estão elas realmente a serviço do Evangelho? Quem são estes padres e leigos que, à revelia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Magistério da Igreja declararam apoio ao governo em troca de dinheiro?
No dia 21/05 representes da TV Pai Eterno, Rede Vida, Canção Nova, Século 21 e Evangelizar, as três últimas ligadas à Renovação Carismática Católica, participaram de videoconferência com padres, leigos, deputados e Jair Bolsonaro. A romaria virtual visava oferecer pauta positiva das ações do governo em troca de verba. Corrupção ou suborno? A negociação explicita foi feita pelo padre Wellinton Silva (TV Pai Eterno): "A nossa realidade é muito difícil e desafiante, porque trabalhamos com pequenas doações, com baixa comercialização ... estamos precisando mesmo de um apoio maior por parte do governo para que possamos continuar comunicando a boa notícia". Vendilhões! Jesus os expulsou do templo (Mt 21,12-13). "Cristãos corruptos, padres corruptos, a vida dupla transforma o cristão em um sepulcro caiado, bonito externamente, mas cheio de ossos mortos e podridão" (Papa Francisco).
Desde 1766 a Igreja Católica se vê às voltas com os meios de comunicação, só em 1918 deixam ser tratados como "inimigos da Igreja". É importante a presença da Igreja na mídia, mas o principal meio de comunicação de Deus com o mundo é o próprio ser humano. Uma comunicação baseada na Trindade, pois o Pai, o Filho e o Espirito estão ocupados com a humanidade. "Mistério de comunicação e princípio de libertação" (Leonardo Boff), o Deus Trinitário se faz presente no coração solidário com a dor dos que perderam entes queridos, perderam o emprego, perderam suas casas, perderam a dignidade! Deus não é cúmplice da perversidade dos poderosos.
Os meios de comunicação cristãos têm grande responsabilidade, são formadores de opinião: "são construtores de uma sociedade. São para construir, para trocar, para confraternizar para fazer pensar e educar...a desinformação é provavelmente o maior dano que um meio pode fazer... os meios devem ser muito limpos, muito limpos e transparentes", acentua papa Francisco.
Como divulgar a Boa Notícia quando se trai Jesus por trinta moedas? A influência das elites econômicas e políticas nos MCS cristãos impede a busca da verdade e da missão "que é tornar o Reino de Deus presente no mundo" (Evangelium gaudium, 176), em defesa da vida humana e da Casa Comum. Bolsonaro trabalha com a necropolítica sustentada pelo ódio, destrói a Amazônia, persegue indígenas, defende a tortura, é racista e homofóbico, mente compulsivamente, ataca os direitos humanos. TVs católicas deveriam levar a boa notícia de Jesus aos pobres e marginalizados. Mas revelaram sua cumplicidade com um governo absolutamente anticristão.
Fazendo uma analogia entre elementos da comunicação e o cristianismo: emissor (Deus), receptor (humanidade), código (Jesus/Evangelho), canal (pessoa humana) e, por fim, o ruído (que coloca em risco a comunicação/pecado/infidelidade a Deus). Padres e leigos reacionários anti-Francisco e opositores da CNBB identificados "com as batalhas" travadas por Bolsonaro e que o acolhem e oferecem "armas espirituais", são ruídos (pecados) da Evangelização. Não representam a Igreja Católica que "... não faz barganhas... mas estabelece relações institucionais com agentes públicos e os poderes constituídos pautada pelos valores do Evangelho e nos valores democráticos, republicanos, éticos e morais" esclarece a CNBB.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6,24). O fundamento da comunicação humana é a encarnação da Palavra de Deus que salva a humanidade. Seriam os programas religiosos capazes disso? São muitos os padres que dominam a linguagem midiática, mas desconhecem A Palavra. Muita emoção e pouca razão no vale tudo do mercado religioso.
A reunião com Bolsonaro demonstra o vazio ético de certo tipo de "TV de inspiração católica". Não existe fé cristã sem compromisso social. A "inspiração católica" vem do Espírito de Jesus que se faz carne com os que passam fome, com os que choram, com os doentes, com os humilhados. Que as TVs de "inspiração católica" façam lives com os "cristos" abandonados debaixo dos viadutos, nas favelas, nas prisões, nos hospitais. E denunciem a perversidade diabólica que governa o país.
Muitos me dirão: Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? Em teu nome não fizemos maravilhas? Então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade? (Mt 7, 22-23). Abandonar o pobre é não conhecer a Cristo.
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Mídia bolsonarista, pseudo cristã: Pode um cego guiar outro cego? (Lc 6,39) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU