04 Junho 2020
"O respeito à diversidade de saberes, como o mítico, o religioso e o científico, e suas relações sem detrimento de suas respectivas autonomias é um dos pilares da verdadeira democracia", escreve Frei Betto, escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.
No século XIX, a ciência pretendeu destronar a religião. Forjou a sua própria religião, a ponto de proclamar “Scientia locuta, causa finita” (A ciência falou, papo encerrado). Como se ela pudesse oferecer métodos capazes de abarcar a totalidade do real e não, como acontece, modelos explicativos variados e suscetíveis de críticas e revisões.
Criou-se, assim, a ideologia cientificista ou o fetiche da ciência. A ponto de o marxismo vulgar pretender explicar todos os fenômenos naturais e sociais com seus dogmas atrelados aos materialismos dialético e histórico.
Não era essa a postura de Marx, que bem conhecia os limites de seu método. Porém, o mecanicismo soviético tratou de congelar todos os saberes no conceito de ideologia, à semelhança do que faz, hoje, a direita ao não ter a menor vergonha de afirmar que a Terra é plana e desprezar, como “ideologias”, o globalismo, o ambientalismo e a diversidade de gêneros.
O francês Ernest Renan acreditava que só a ciência levaria a humanidade ao seu apogeu. Chegou a afirmar que “o islamismo perecerá por influência da ciência europeia”. A xenofobia transparece no adjetivo. Como se a ciência não tivesse uma dívida de gratidão com os chineses e também árabes como Averróis, Avicena, Abu Rayhan, al-Biruni, Ibn al-Haytham e al-Khwarismi, entre outros. E, hoje, o islamismo se encontra mais forte do que nunca.
A ciência, agora subjugada pela genocida ambição do capital, não conseguiu ainda solucionar problemas crônicos da humanidade, como a fome, a obesidade mórbida, o desequilíbrio ambiental, a guerra e a brutal desigualdade social.
O progresso científico beneficiou, sim, a humanidade. Basta imaginar o mundo sem vacinas, tecnologias de comunicação, transportes terrestres, marítimos e aéreos etc. Contudo, produziu armas nucleares, químicas e biológicas, degradou o meio ambiente e envenenou os alimentos, algoritmizou a liberdade humana, e criou recursos para solapar a democracia, como o uso irresponsável das redes digitais.
Do alto de sua arrogância, a ciência, com seus métodos dedutivos (lógico-matemáticos) e experimentais, pretendeu descartar, como meras superstições, as religiões, e como inúteis quimeras, as utopias libertárias, como o socialismo e, agora, o Bem Viver.
Ora, as religiões vieram ocupar o vazio deixado pela racionalidade política abalada pela queda do Muro de Berlim e pela descrença nesse modelo de democracia que subjuga a esfera política ao poder econômico. E as utopias libertárias renascem na medida em que as novas gerações e a multidão de excluídos se dão conta de que o sistema capitalista não tem como equacionar a questão ambiental, a disparidade social, e propiciar ao ser humano a felicidade desatrelada do consumismo ou piedosamente adiada para a vida além da morte.
O respeito à diversidade de saberes, como o mítico, o religioso e o científico, e suas relações sem detrimento de suas respectivas autonomias é um dos pilares da verdadeira democracia.
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