05 Junho 2020
“Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único...” (Jo 3,16)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do Domingo da Santíssima Trindade - Ciclo A, que corresponde ao texto de João 3,16-18.
Ao longo do percurso litúrgico, a Igreja quis, em sua sabedoria, reservar um dia especial para que dedicássemos a glorificar a Trindade Santa. E que, nesse dia nos voltássemos a ela, não a partir de nossas misérias, necessidades e petições, mas que dirigíssemos para esse Mistério o olhar de nossa admiração, gratuita e livremente, a fim de contemplar os segredos de sua beleza, bondade, amor..., assim como o fazemos, por exemplo, ao contemplar a vastidão dos céus ou o jogo de cores e luzes de um pôr-do-sol.
A revelação da Trindade nunca poderá ser apreendida ou controlada por nós, pelo nosso rigor verbal nas formulações dogmáticas sobre Deus e seu ser. A Trindade não é uma simples doutrina a ser acolhida, ou uma verdade a ser pensada, mas uma Presença a ser vivida, com espanto e admiração. É encantador contemplá-la, dobrando-nos em reverência, deixando-nos impactar por tão grande e tão profundo mistério, tão belo e inefável dom que a teologia tentou expressar em palavras, mas sentiu-se impotente.
Trata-se de uma experiência contemplativa silenciosa, que ativa em nós uma sensibilidade intensa, capaz de nos despertar para entrar em sintonia com fluxo trinitário que atravessa toda a realidade, nos envolve e faz de nosso coração sua morada.
Se conseguirmos viver isso, com delicadeza, humildade e esvaziamento de nós mesmos, poderemos, então, perceber, que a Trindade de Deus não é uma experiência reservada apenas a uns poucos e privilegiados místicos, nem tampouco um complexo dogma teológico que só os especialistas, através de suas especulações racionais, conseguem se aproximar.
Afirma-se que o dogma da Trindade é o mais importante de nossa fé católica, pois estamos diante do maior Mistério que os olhos não viram, os ouvidos não escutaram, nem a mente conseguiu compreender... Nada do que podemos definir, pensar ou dizer sobre a Trindade é adequado a seu Ser mais íntimo.
O mais urgente neste momento para o cristianismo, não é explicar melhor o dogma da Trindade, e menos ainda, uma nova doutrina sobre Deus Trino. Seria, em definitiva, a busca de um encontro vivo com Deus, a perfeita comunidade. Não se trata de demonstrar a existência da luz, mas de abrir os olhos para ver.
Tudo o que “sabemos” da Trindade pode ser um estorvo para viver sua presença vivificadora em nós. Calar sobre Deus, é sempre mais exato que falar. Dizem os orientais: “Se tua palavra não é melhor que o silêncio, cala-te”. O decisivo é viver o Mistério da Trindade a partir da adoração e da partilha fraterna.
Grandes teólogos fizeram profundos estudos sobre a Trindade, tratando de pensar conceitualmente o mistério de Deus. No entanto, eles mesmos dizem que, para “saber” de Deus, o importante não é “refletir” muito, mas “saber” algo do Amor.
O dogma da Trindade, portanto, nos liberta do “Deus poder” e nos lança nos braços do Deus Amor.
O mistério de Deus Uno e Trino é fruto da experiência de revelação progressiva na história da Salvação, culminando na revelação que Jesus nos fez. “Deus é UM, mas não está jamais só”. Deus não é um ser isolado, distante da Criação, solitário. É um Deus comunitário, família, sociedade, fraternidade, etc.... Por isso, o auge de toda a revelação bíblica é esta: “Deus é Amor”, ou seja, Deus não é uma realidade fria e impessoal, um ser triste, solitário e narcisista. Não podemos imaginá-lo como poder impenetrável, fechado em si mesmo. Em seu ser mais íntimo, Deus é amor, vida compartilhada, amizade prazerosa, diálogo, entrega mútua, abraço, comunhão de pessoas. O amor trinitário de Deus é amor que se expande e se faz presente em todas as criaturas. E o Amor nunca é solidão, isolamento, mas comunhão, proximidade, diálogo, aliança...
O Deus revelado por Jesus é Amor e aproximar-nos do Deus Amor é descobrir a Trindade.
Em Deus o Amor não é uma qualidade como em nós, mas sua essência. Se Deus deixasse de amar um só instante, deixaria de ser Deus. O movimento que parte do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito é um movimento de Amor sem fim. Amor expansivo que envolve o mundo todo, segundo o relato do evangelho deste domingo.
Nesse sentido, “saborear o mistério da Trindade” nos sensibiliza e nos capacita para nos aproximar do nosso mundo, com uma visão mais contemplativa. O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da humanidade.
Como “contemplativos na ação”, movidos por um olhar novo, entramos em comunhão com a realidade tal como ela é. É olhar o mundo como “sacramento de Deus”; um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança que estão surgindo; um olhar afetivo, marcado pela ternura, pela compaixão e gerador de misericórdia; um olhar gratuito e desinteressado, “janela da alma”, que nos expande numa atitude acolhedora de tudo que nos rodeia; um olhar que rompe distancias e alimenta encontros instigantes.
Precisamos retornar às palavras de Jesus, que ora ao Pai por seus discípulos:
“Não te peço que os tires do mundo, mas que os defendas do maligno” (Jo. 17,15).
Ser cristão é ser presença diferenciada e inspiradora no mundo. O mundo da globalização é a realidade que agora nos cabe transformar. O Evangelho não nos ensina doutrinas, mas um modo original de estar no mundo, à maneira de Jesus. Nossa vida deve ser um espelho que, em todo momento, deixa transparecer o mistério da Trindade.
Somos desafiados a “viver uma vida no mundo e no coração da humanidade” (P. Kolvenbach).
Se o ser humano é o caminho para Deus, o ponto de encontro do ser humano com Deus está no mundo. Este princípio cristão significa que o encontro do ser humano com Deus se dá no campo da cultura, das relações, do diálogo inter-religioso... enfim, uma espiritualidade enraizada na realidade do mundo. Um mundo configurado pela ciência e pela tecnologia: este é o cenário em que o cristão está chamado a encontrar-se com Deus, re-criando um novo tipo de humanismo de acordo com o nosso tempo.
Num mundo em que a competência se degenera em competitividade sem limites, em que o individualismo e a falta de solidariedade criam novas fronteiras e exclusões, em que a cultura da indiferença, do preconceito e da suspeita é fonte das mais variadas formas de violência..., é preciso recuperar o discurso e a prática do “ser-para-os-outros”, o saber e a autoridade como serviço, solidariedade, compaixão, partilha, perdão, gratuidade, compromisso, dom de si mesmo, amor...
O surpreendente é que nós fomos criados à imagem do Deus Trindade; todos carregamos em nosso interior a “faísca amorosa” da Trindade Santa. É fácil perceber isso: sempre que sentimos necessidade de amar e ser amados, sempre que sabemos acolher e buscamos ser acolhidos, quando desfrutamos compartilhando uma amizade que nos faz crescer, quando sabemos doar e receber vida, estamos saboreando o “amor trinitário” de Deus. Esse amor que brota em nós provém d’Ele.
Nesse sentido, o melhor caminho para nos aproximar do mistério do Deus Trindade não são os tratados teológicos que falam dele, mas as experiências amorosas que compartilhamos na vida. Só encontramos o Deus Trino com o coração. “Só corações solidários adoram um Deus Trinitário”.
Quando nos abrimos à comunhão com a Trindade, Ela entra em comunhão conosco na forma sutil de um perfume. Não força, não invade, mas cria um ambiente agradável, perfumado, que nos eleva e nos suscita alegria interior. Tal como o perfume, a Trindade derrama sua Graça sobre toda a Criação e a humanidade inteira. Que há de mais suave, reconfortante e realizador do que sentir a Trindade a partir do coração?
- A oração é o momento privilegiado para abrir-se ao dinamismo do amor trinitário; deixe-se empapar por esta presença perfumada.
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Trindade Santa: Deus é o que ama, o amado e o amor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU