Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 02 Junho 2020
Enquanto a retomada das atividades desperta preocupação em boa parte do mundo, na Nicarágua, espantosamente, a rotina não parou em meio à pandemia. Sem interrupções, o Campeonato Nicaraguense de futebol encerrou em 12 de maio, quase dois meses depois que o esporte parou no resto do mundo. Assim como as reivindicações por justiça social nos protestos de 18 de maio no Chile e a atual rebelião contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos aconteceram meses depois de uma marcha contra o coronavírus ter sido convocada por Rosario Murillo. E, segundo o governo, o panorama é menos drástico que no resto do mundo: são 35 mortes entre 759 infectados pelo coronavírus oficializados. Não obstante, o Observatorio Ciudadano Covid-19, questiona os números, e calcula que, ao final de maio, havia mais de 3.725 infectados e 805 mortes – 23 vezes mais que o registrado pelo regime de Daniel Ortega.
Os dados apresentados pelo governo nicaraguense apontam para o país com o menor número de casos em toda a América continental. O país mais próximo é o Uruguai, com 825, mas que possui pouco mais da metade da população da Nicarágua. Os dados despertam a atenção tanto em seus valores absolutos, quanto em comparação aos vizinhos. A Costa Rica oficializa 1.056 casos, e apenas 10 mortes; El Salvador chegou aos 2.582 casos e 46 mortes, nesta segunda-feira; e Guatemala e Honduras ultrapassavam os 5 mil contaminados.
Os baixos números de contágios aparecem em contradição com as recomendações da Organização Mundial da Saúde. A Nicarágua não aplicou qualquer rigor à quarentena, sequer em relação ao futebol, que permitiu ao Real Estelí ser o único clube no mundo a comemorar um título, ao vivo e in loco, durante a pandemia. Assim como a vice-presidente e primeira-dama Rosario Murillo inovou no combate ao coronavírus ao convocar a população para uma marcha pelo amor. A única quarentena posta em prática, de forma rígida, embora ainda obscura, foi do presidente Daniel Ortega, que passou mais de um mês sem aparecer em público, entre 11 de março e 15 de abril.
Os dados do governo preocupam as entidades de saúde do país, que organizaram um Observatório autônomo para a fiscalização. O Observatorio Ciudadano Covid-19 faz um monitoramento de pessoas que tenham apresentado sintomas semelhantes à covid-19. No último relatório, apresentado na sexta-feira, 29-05, constava um aumento de 60% no número de pessoas que apresentaram sintomas e 70% no número de mortos por doenças respiratórias no país em comparação à semana anterior. A metodologia de contagem do Observatorio Ciudadano ainda descarta projeções de assintomáticos.
No entanto, a Imperial College London calcula que a política de “normalidade” pode ter feito 66.529 pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Esse número faria da Nicarágua o 5º país com o maior número de infectados no continente, atrás de Brasil, Peru, Equador e Chile, mas com uma proporção em relação à população muito maior. E ainda, caso as medidas de quarentena sejam mais flexibilizadas, em duas semanas pode se chegar a 32.808 novos casos diários no país. O número de mortos, segundo a Imperial College, também já está em um nível exponencial, dobrando a cada dia.
De acordo com as pesquisas autônomas, o número de trabalhadores da saúde infectados também é alto. Segundo o Observatorio, somente 26% dos profissionais da saúde tiveram acesso ao resultado do teste da covid-19, sendo que desde março até o final de maio 11 faleceram e mais 246 apresentaram sintomas da doença. As associações médicas se pronunciaram na segunda-feira, 01-06, pedindo para que a população fizesse uma quarentena voluntária.
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Nicarágua. Organização calcula que o número de vítimas da covid-19 é 23 vezes maior que o informado pelo governo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU