08 Mai 2020
Mobilização Nacional Indígena, Apib e diversas organizações manifestam repúdio aos recentes ataques veiculados pela Funai e denunciam instrumentalização política do órgão indigenista.
A nota foi publicada por Conselho Indigenista Missionário – CIMI, 06-05-2020.
Nós organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos abaixo assinadas, repudiamos com veemência a Nota apócrifa veiculada pela Assessoria de Comunicação da Fundação Nacional do Índio – Funai, em que, além de defender piamente o governo fascista de Jair Bolsonaro, ataca o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e sobretudo o Indigenismo brasileiro dos últimos trinta anos. Diante dos tantos absurdos proferidos na Nota citada, manifestamos o nosso veemente repúdio e destacamos:
A Constituição Brasileira de 1988, especialmente em seus Artigos 231 e 232 rompeu com a lógica tutelar, assimilacionista, integracionista, portanto genocida e etnocida, vigente desde o ano de 1500 na relação do Estado brasileiro para com os povos originários de nosso país.
O Movimento indígena, com forte participação dos povos de todas as regiões do Brasil e com apoio de amplos setores da sociedade brasileira, dialogamos e contribuímos organicamente com os Deputados Constituintes no processo de elaboração e aprovação da nossa Carta Magna. Desde então, nos empenhamos diuturnamente na defesa do texto Constitucional brasileiro e cobramos a sua devida, tempestiva e necessária implementação no intuito de que os direitos dos povos originários sejam reconhecidos e respeitados de fato pelos órgãos e autoridades públicas dos três Poderes do Estado Brasileiro.
Mesmo com a oposição ferrenha e a continuidade dos ataques, agressões, violências e violações por parte de grupos econômicos, ávidos e insaciáveis, especialmente vinculados aos interesses financistas de grandes fazendeiros, madeireiros e garimpeiros e de poderosas corporações empresariais, nacionais e transnacionais, do agronegócio e da mineração, os povos indígenas, suas organizações e suas lideranças nos últimos trinta anos, mantiveram a resistência e a luta em todos os níveis e conquistaram importantes vitórias no que tange a implementação, pelo Estado brasileiro, dos direitos fundiários, culturais, religiosos, sociais, político-econômico e ambientais devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira.
Infelizmente, em muitos temas e situações, os inimigos dos povos indígenas impediram que o Estado brasileiro e os diferentes governos que se sucederam no Brasil desde 1988, respeitassem e implementassem a Lei Maior de nosso País. Em função disso, persistem situações inaceitáveis e vexaminosas para o nosso país, a exemplo dos assassinatos recorrentes de lideranças indígenas, da não demarcação de centenas de terras indígenas e a consequente situação de pobreza e vulnerabilização sócio-cultural de povos, como ocorre com os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e de tantos outros país afora, das invasões criminosas e da grilagem de terras já demarcadas, dentre outras.
O governo Bolsonaro, subserviente aos interesses das grandes corporações empresarias transnacionais do agronegócio e da mineração, afronta o texto Constitucional de nosso país e tenta impor a ideologia da tutela, do assimilacionismo, inclusive religioso, do integracionismo, a negação dos direitos fundiários, a negação do direito de usufruto exclusivo das terras, favorecendo as invasões, a grilagem e a exploração das mesmas por terceiros não-indígenas.
Para alcançar estes objetivos, dentre outras iniciativas, o governo Bolsonaro instrumentalizou politicamente o órgão indigenista – Funai -, nomeando para a presidência da mesma uma pessoa que trabalhou ao lado e à serviço da bancada ruralista, arqui-inimiga dos povos indígenas, nas duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que esta impôs na Câmara dos Deputados, de outubro de 2015 a maio de 2017, contra a Funai e contra o Incra. Esta CPI foi usada pelos ruralistas na tentativa de criminalizar mais de 20 lideranças indígenas ampla e positivamente reconhecidas pelos seus povos, além de servidores dos dois órgãos, Procuradores da República membros do Ministério Público Federal (MPF), cientistas sociais, especialmente antropólogos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e indigenistas de organizações da sociedade civil brasileira reconhecidamente aliadas dos povos indígenas de nosso país.
Obediente e afoito para agradar o presidente da República e os ruralistas, que o indicaram, o presidente da Funai está tentando transformar o órgão indigenista numa mera sucursal dos interesses privatistas do latifúndio, do agronegócio, dos madeireiros e mineradores, numa espécie de cartório de legalização da grilagem, invasão e esbulho de todas as terras indígenas não homologadas, o que constitui uma clara inversão da atribuição regimental do órgão indigenista, qual seja, a regularização e proteção desses territórios que são bens públicos do Estado brasileiro, conforme estabelece o Artigo 20 da CF. Faz isso ao adotar medidas radical e frontalmente antagônicas aos direitos indígenas consagrados na Carta Cidadã, a exemplo, dentre outras, da Instrução Normativa 09, de 22 de abril de 2020, da anulação do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas e da implementação do Parecer 01 de 2017 da AGU, que postula falaciosamente a tese do marco temporal, advogando contra os direitos territoriais dos povos indígenas, o direito originário, nato, congênito, reconhecido de forma implacável pela Constituição Federal de 1988. Medidas estas publicamente criticadas por órgãos de controle como o MPF e a Defensoria Pública da União (DPU). No caso específico das áreas ocupadas por povos indígenas voluntariamente isolados, a Instrução Normativa 09 é essencialmente genocida, considerando que existem evidências de pelo menos 86 povos indígenas em situação de isolamento voluntario e muitos destes estão em terras indígenas não homologadas.
Com a Nota apócrifa acima citada, a Funai tenta, além de promover ameaças a pessoas e organizações aliadas dos povos indígenas do Brasil, disfarçar a própria incompetência de seus gestores diante da grave ameaça que os povos enfrentam com o avanço do novo coronavírus. Neste sentido, as organizações abaixo assinadas instam a presidência da Funai a fazer uso, imediato e devido, dos 10 milhões de reais disponibilizados para adoção de medidas de contenção da covid-19 entre os povos indígenas. Como já denunciado publicamente, esse valor, embora insuficiente, não está sendo usado devidamente. A maior parte continua sem uso e parte dele foi usado para aquisição de bens de infra-estrutura para a própria Funai.
O ataque aos povos indígenas, seus direitos, suas organizações, suas lideranças e seus aliados por parte da Funai é a confirmação da opção ideológica de um governo fascista, racista e genocida, que insiste em desrespeitar a Lei Maior de nosso país ao não admitir a diversidade de povos e culturas. O governo Bolsonaro continua se apegando a um discurso atrasado, agressivo e focado em inimigos imaginários, ao invés de enxergar a gravidade da pandemia do coronavírus, covid-19, para os povos indígenas e se preocupar em priorizar a proteção de suas vidas e territórios.
As organizações abaixo assinadas conclamam, por tudo isso, a todos os povos indígenas do país a se manterem unidos e firmes em defesa de seus projetos de vida e futuro o que, neste momento aponta para a necessidade de se reconhecer a gravidade da pandemia do coronavírus, covid-19 e, também, da cruel letalidade que é para os povos indígenas o governo Bolsonaro. Diante da grotesca Nota da Funai, mais um recurso para esconder o real descaso com os povos indígenas, reafirmamos que seguiremos alertas e vigilantes pela defesa dos direitos indígenas.
Por fim, repudiamos a tentativa governamental de silenciar os povos indígenas e seus aliados. A liberdade de associação, garantia fundamental prevista no artigo 5º da Constituição da República, caminha de mãos dadas com a liberdade de expressão. Num contexto de Democracia, a sociedade civil, formada pelos mais diversos grupos de cidadãos, reflete o pluralismo de ideias e de interesses da sociedade. Por isso, entre seus direitos também estão os de participar, falar e exercer sua liberdade sem ser censurada, ameaçada ou perseguida politicamente. A legitimidade democrática de um governo não reside no número de votos obtidos na eleição, mas no compromisso e na garantia dos direitos de todos, pessoas físicas ou jurídicas. É o que reza a Constituição, esta sim, acima de todos.
Brasília – DF, 06 de maio de 2020
Assinam:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo – APOINME
Articulação dos Povos Indígenas do sudeste – ARPINSUDESTE
Articulação dos Povos Indígenas do Sul – ARPINSUL
Associação Wyty Cate das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins
Associação Floresta Protegida
Associação Xavante Wara
Aty Guasu
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Comissão Guarani Yvyrupá
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Braisileira – COIAB
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
Conselho Terena
Conectas Direitos Humanos
Observatório dos Direitos Humanos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – OPI
Fórum Ecumênico ACT Brasil – FEACT-Brasil
Indigenistas Associados – INA
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IIEB
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Raoni
ISA- Instituto Socioambiental
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado
Projeto Saúde e Alegria
Rede de Cooperação Amazonica – RCA
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Uma Gota no Oceano
UNIVAJA – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari
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Nota pública: contra as falaciosas acusações da Funai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU