04 Mai 2020
O papa argentino está convencido de que, na temporada pós-vírus, o mundo precisa de uma visão reforçada do "bem comum", de ainda mais multilateralismo, de ainda mais Europa no sentido de uma União Europeia robusta, capaz de evitar uma nova guerra fria e levar a nível internacional a ideia de uma política social solidária e inclusiva", escreve Marco Politi, vaticanista, jornalista, escritor, professor universitário, e autor do livro intitulado "A solidão de Francisco: Um Papa profético, uma Igreja na tempestade", em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 29-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O papa Bergoglio não morde a isca. Ele não gostou dos repentinos arroubos de fervor religioso que alguns políticos demonstraram ao invocar a "missa imediatamente" por objetivos que nada têm a ver com fé. Seu pedido à "prudência e obediência às disposições para que a epidemia não volte" não foi apenas um convite ao bom senso, pois uma atitude de "todos livres" certamente provocaria uma escalada da epidemia. Foi acima de tudo um sinal político.
Há tempo Francisco recusa o uso grosseiro e instrumental da religião praticada por Matteo Salvini. Aquela sua atitude de rezar a oração com Barbara d'Urso na televisão com a mesma desenvoltura com que assistia na boate Papeete às dançarinas que rebolavam ao som do hino "Fratelli d’Italia". Não escapou ao Papa que o líder da Liga, pedindo insistentemente no início do mês que as missas da Páscoa fossem celebradas, pretendia reunir ao seu redor as forças católicas ultraconservadoras, com o objetivo de encontrar a todo custo algum pretexto para acusar o pontífice de traição e desatenção com os fundamentos da Igreja. Bergoglio também não vê favoravelmente as falas de Matteo Renzi e seus gritos veementes de: "Quero voltar à missa... não podem ser pisados os direitos constitucionais".
Por trás do grito emocionado e repercutido por quem quer missa, o papa argentino vislumbrou outra coisa. Com a CEI não há discrepância. A Secretaria de Estado havia apoiado a solicitação do episcopado italiano de que, juntamente com a reabertura das fábricas, a frequência às missas também fosse regulamentada. Se é possível distanciar os funcionários de uma empresa, também é possível distanciar razoavelmente 50 pessoas em uma igreja deserta. Talvez o Avvenire, o jornal dos bispos, pudesse evitar evocar em um de seus artigos o "Leviatã", o fantasma do estado totalitário que esmaga o sentimento e as liberdades religiosas. Mas, na substância, isto é, a regulamentação de um novo acesso às missas, os cardeais Pietro Parolin (Secretaria de Estado) e Gualtiero Bassetti (presidência da CEI) agiram em plena sintonia com o Papa. O que cheira mal para o pontífice, contudo, é o contexto em que algumas forças políticas agitam a questão dos ritos religiosos, assim como a do trabalho ou da livre circulação. Francisco tem uma cabeça política. É um aspecto de sua personalidade com o qual todos os que o viram atuando em Buenos Aires concordam. Francisco entendeu que, de Matteo (Renzi) a Matteo (Salvini), começou a caçada contra o primeiro-ministro Conte. Para derrubá-lo. Para substituí-lo pelo "Governone".
Um panelão onde estariam todos, em primeiro lugar os soberanistas da Liga que não podem suportar a ideia de ficar longe das alavancas do poder. O nome de Mario Draghi nesse projeto é apenas uma folha de figueira. Mas uma nova subida ao poder dos soberanistas - os amigos de Orban, os adversários da integração europeia, os seguidores voluntariosos da política de Trump, destruidor de todo multilateralismo - é exatamente o que Francisco não quer. O papa argentino está convencido de que, na temporada pós-vírus, o mundo precisa de uma visão reforçada do "bem comum", de ainda mais multilateralismo, de ainda mais Europa no sentido de uma União Europeia robusta, capaz de evitar uma nova guerra fria e levar a nível internacional a ideia de uma política social solidária e inclusiva.
Francisco sabe muito bem que os círculos econômicos, a partir da nova Confindustria, e alguns setores do mundo político aspiram ao "Governone" e afagam os soberanistas. Francisco sabe muito bem que, mesmo nos círculos eclesiais, há quem reme na mesma direção. Como o cardeal Camillo Ruini, ex-presidente da CEI, que em novembro, em entrevista ao Corriere della Sera, afirmou que Salvini não deveria ser demonizado, mas sim confiar em um seu "amadurecimento". E que, portanto, concordou imediatamente se encontrar o líder da Liga após a entrevista. Em níveis tão altos da hierarquia eclesiástica, onde a arte dos sinais é de um refinamento caligráfico, nada acontece por acaso: Francisco não quer isso.
Portanto, além das devidas considerações sanitárias, decidiu prestar assistência pública ao primeiro-ministro Giuseppe Conte, ressaltando o valor da "obediência às disposições" do governo. O papa argentino, por outro lado, imediatamente após o rompimento da aliança entre M5s e Liga (quando Conte havia recém sido encarregado de formar o novo governo) fez questão de ter uma conversa pessoal com ele por ocasião do funeral do cardeal Silvestrini no final de agosto, 2019. E novamente em março, em meio à difícil gestão da crise, Francisco recebeu o primeiro-ministro do Vaticano para uma audiência privada. São sinais claros. E quando Marco Tarquinio, diretor do Avvenire, evoca em um editorial a "lealdade à aliança entre ciência e política", isso também é um sinal para se distanciar da conversa fiada de quem diz que uma política, não melhor identificada, deve decidir em vez das considerações científicas e médicas.
O Papa Francisco já está pensando nas consequências. No Vaticano, ele criou uma comissão no dicastério do "Desenvolvimento Humano Integral" para analisar os "desafios socioeconômicos e culturais" da nova temporada e propor diretrizes para enfrentá-las. Nessa visão de uma globalização com rosto humano e de construção de um sistema, que não seja embasado na economia financeira de rapina, não há espaço para a obsessão soberanista de "primeiros os italianos" ou da America first. "Primeiro os seres humanos", diria o cardeal de Bolonha Matteo Zuppi.
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O papa Francisco não cai nos arroubos religiosos dos políticos. E já pensa no pós-vírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU