29 Abril 2020
"Mudanças substanciais acontecerão na sociedade do trabalho após o fim da pandemia do coronavírus? Tudo indica que não. As alterações não serão significativas e as que estão em curso favorecerão sobretudo o capital", afirma Cesar Sanson, professor de Sociologia do Trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
A pandemia do coronavírus escancarou que a maioria dos trabalhos imprescindíveis é mal paga. Quanto mais útil o trabalho, pior a sua remuneração. Com exceção de pouquíssimas categorias, como profissionais de saúde, dentre deles os médicos, a grande maioria, dos quais não abrimos mão, recebem salários miseráveis. Mesmo na área da saúde, muito tem se falado dos que ‘estão na linha de frente’ da luta contra o vírus associando-os aos médicos e enfermeiros e esquecendo-se de uma variedade de outros trabalhadores como os porteiros, atendentes, maqueiros, motoristas e auxiliares de limpeza nas unidades de saúde. Esses, que estão expostos como os outros e muitas vezes com equipamentos inferiores, são pouco lembrados e estão na rabeira da cadeia salarial.
Quem pode seguir o confinamento rigoroso faz uso dos trabalhadores de aplicativos. Esses se tornaram a manus da porta para fora, para o mundo exterior, para se adquirir as coisas que não podem faltar. Esses que se equilibram em suas motos e bicicletas recebem migalhas. Podemos citar aqui ainda muitas categorias que também estão ‘na linha de frente’ e dos quais não podemos nos privar em tempos de pandemia: trabalhadores de supermercados, farmácias, frentistas, porteiros e vigilantes, motoristas e cobradores de coletivos, coletores de lixo etc. Em comum, todos ganham pouco. Para esses as coisas mudaram para pior. Além da péssima remuneração, estão expostos ao risco de contraírem o vírus.
Mas há uma gama infindável de outras categorias, sobretudo os vinculados à indústria da transformação e à área de serviços que foram para a quarentena por não serem atividades consideradas essenciais. Esses passaram a enfrentar além do receio do vírus, o pânico do desemprego. Muitos foram confrontados com mutilações salariais a partir de leis do governo federal que com o intuito de preservar empregos facultaram as empresas a reduzir salários. Outros foram demitidos e outros convocados a retornarem ao trabalho mesmo em crise crescente da pandemia. É isso ou a rua. Falemos dos trabalhadores informais, daqueles sobretudo que vivem nas ruas vendendo os seus produtos. Para esses, a pandemia foi devastadora. A renda que já era pouca minguou, além de serem vistos como transmissores do vírus pelos outros que circulam pelas avenidas com seus carros ou pelas praças públicas. No emprego doméstico, milhares de mulheres dispensadas.
Os professores, por sua vez, sobretudo das escolas privadas, passaram para a condição do teletrabalho ou home office. Situação nova a que tiveram que se adaptar velozmente sem qualificação necessária e sob o estresse de dar conta do recado pressionado por pais e direções de escolas. Bancários também passaram para o trabalho em casa e é provável que os bancos aproveitem a situação para reorganizar seus serviços dispensando muitos deles.
Como se pode constatar não há perspectivas de mudanças para melhor para os trabalhadores na pós-crise, pelo contrário, o que os aguarda são ajustes no sistema de produção e serviços que certamente não irão os beneficiar.
A mudança mais significativa apontada por muitos pesquisadores na pós-coronacrise será o crescimento do home office. Muitas empresas se darão conta que podem reduzir seus custos mantendo trabalhadores em casa. Redução com energia, água, material de informática, deslocamento, locação de imóvel etc. Seguramente o home office atenderá primeiro ao critério de redução de custos associado à não perda de produtividade. Atendendo a essas premissas, não há dúvidas de que será adotado. Os possíveis prejuízos ficarão com os trabalhadores, com possibilidade de redução de salário. Mesmo que isso não aconteça é de se perguntar se é saudável manter as esferas de trabalho e doméstica entrelaçadas no mesmo espaço. O sair de casa para o trabalho e o retornar, é para muitos indispensável para a sanidade mental.
Há porém, outra mudança em curso que a pandemia impulsionou. Trata-se do desmonte da legislação de proteção aos direitos dos trabalhadores. Essa legislação que já vinha sendo picotada foi incrementada. Não são poucos os empresários que se aproveitando da crise, e sem querer assumir qualquer sacrifício, pediram ao governo e ao Congresso leis ainda mais flexíveis para retalhar o lado do trabalho. O que já vinha sendo colocado em marcha ganhou ainda mais força. Ficará mais fácil contratar, mais fácil demitir e mais fácil ajustar a jornada de trabalho de acordo com as necessidades da lógica de mercado. Bom para o capital, péssimo para o trabalhador.
Finalmente, há que se destacar que as grandes corporações não falirão, os bancos ganharão mais dinheiro e empresas associadas à Revolução 4.0, como a dos aplicativos e plataformas de comércio on-line, ficarão mais ricas. Os pequenos empreendimentos, o pequeno comércio, esses sofrerão e levarão milhares às ruas. A ‘janela’ de resgate para o mundo do trabalho, para se evitar uma catástrofe ainda maior, está nas mãos do Estado. Apenas um vigoroso plano de intervenção e investimentos, associados a reformas de subtração do dinheiro das grandes corporações e do mercado financeiro e repasse para a sociedade, poderá mitigar um futuro sombrio para a sociedade do trabalho.
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A sociedade do trabalho pós-coronavírus favorecerá o capital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU