03 Fevereiro 2020
A Pastoral da Juventude sempre tem sido uma referência na luta por um mundo melhor para todos, no compromisso na construção do Reino de Deus, um espaço onde muitos jovens tem conhecido e se apaixonada por Jesus Cristo, “que esteve ao lado dos pobres, que esteve sempre defendendo a vida, que morreu por defender a vida”.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
Uma dessas jovens é Michelle Gonçalves, que na última Ampliada Nacional da Pastoral da Juventude, que aconteceu em Erechim, Rio Grande do Sul, de 7 a 12 de janeiro, foi escolhida para assumir o serviço missionário da Secretaria Nacional, como ela mesma afirma. Ela mora em Marcolândia, uma pequena cidade da diocese de Picos, Piauí. Com 22 anos de idade, ela é formada em Letras e pós-graduada em Docência do Ensino Superior.
Ela começou sua caminhada na Pastoral da Juventude em 2012, ingressando num grupo de jovens que depois coordenou. Mais tarde assumiu a coordenação da paróquia e da diocese. Ela se sente parte de uma Igreja que vai se tornar mais jovem na medida em que “a Igreja nos dê espaço, que a Igreja nos dê ouvidos”, esteja disposta a “se abrir para escutar”. Ela também vê necessário, “a Igreja reconhecer as mulheres como fundamentais, como importantes, na construção dela própria”.
A nova secretária da PJ diz acreditar numa Igreja em saída, de portas abertas, acolhedora, “a Igreja que vai às diversas galileias a acolher aquelas pessoas que ainda não tiveram a graça de conhecer a alegria do Evangelho”. Ela faz um chamado a investir na formação, no cuidado dos jovens, em “olhar com esperança que essa juventude é protagonista da própria evangelização das outras juventudes”.
Michelle (Foto: Luis Miguel Modino)
O que tem significado para você a Pastoral da Juventude?
Tem significado vida. Eu acostumo dizer que a Pastoral da Juventude foi um divisor de águas na minha vida. Existe a jovem Michelle antes, existe a jovem Michelle depois, porque foi na Pastoral da Juventude que eu aprendi o que é ser Igreja jovem, foi na Pastoral da Juventude que conheci Jesus Cristo e me apaixonei por esse Jesus que foi jovem, que esteve ao lado dos pobres, que esteve sempre defendendo a vida, que morreu por defender a vida.
Você fala de ser Igreja jovem, o que a Igreja deveria fazer para ser mais jovem?
Ouvir os jovens. Nós como juventude, a gente acredita que o caminho para tornar a Igreja mais jovem é que a Igreja nos dê espaço, que a Igreja nos dê ouvidos. É ouvir os anseios dessa juventude que está lá nas ruas, dessa juventude que busca a Igreja. Se abrir para escutar.
Quais são as dificuldades que vocês encontram para convencer a Igreja, da qual se sentem parte, sobre a necessidade de escutar mais os jovens?
Olha, muitas vezes as nossas estruturas, as nossas igrejas, elas se fecham muito em si, ao redor daquilo que já é enraizado. Nas reuniões, o clero, os bispos, muitas vezes a gente consegue ter esse espaço dessa escuta, mas muitas vezes, eu acho que não consegue, é como se nós fossemos só o braço, mas não parte do todo.
Você é mulher e o papel da mulher na Igreja ainda não foi equiparado com o papel dos homens. Aos poucos, o Papa Francisco está dando passos significativos, mas o que falta, desde sua perspectiva, para poder chegar nesse equiparamento entre homens e mulheres na Igreja?
Se as mulheres tiverem ficado caladas, nós não teríamos testemunho de Ressurreição. Numa sociedade extremamente machista, Jesus esteve ao lado das mulheres, Jesus andou com as mulheres, escutou as mulheres. Eu acho que para que a gente chegue nesse modelo de Igreja de igualdade de gênero, também dentro da Igreja, a gente precisa, mais uma vez voltar à questão da escuta e do espaço. A Igreja reconhecer as mulheres como fundamentais, como importantes, na construção dela própria.
A Pastoral da Juventude sempre teve um engajamento social. Diante da realidade que o Brasil está vivendo, qual é o papel que a Pastoral da Juventude, e a Igreja como um todo, deveriam desempenhar?
Não se constrói o Reino de Deus sem participar da luta do povo, sem acolher a luta do povo, sem lutar junto ao povo. Eu acho que não se constrói Igreja em encontros fechados, não se constrói pastoral dentro de quatro paredes dos salões paroquiais. Eu acho que precisa ser povo, ir aonde estão os pobres, acolhe-los, andar com eles. Isso cria mística, isso cria espiritualidade e faz a Igreja ser mais viva.
Para vocês jovens, tendo em conta o que você diz, o que significa a Igreja em saída que o Papa Francisco quer fazer realidade?
A Igreja de portas abertas, a Igreja acolhedora, a Igreja que vai às diversas galileias a acolher aquelas pessoas que ainda não tiveram a graça de conhecer a alegria do Evangelho.
Você crê que essa Igreja em saída já está presente no Brasil?
Sim. De forma tímida as vezes, mas eu acredito que sim. Nós temos muitos grupos na Igreja que não se conformam em ficar trancados dentro da própria Igreja, grupos que vão ao encontro dos irmãos, grupos que vivem em missão, grupos que saem e vão em busca daqueles que estão lá fora. Eu acredito que forma tímida, mas a gente já começa a construir, a ser essa Igreja em saída. Estamos sendo há muitos anos, né. O Papa Francisco vem falar de uma realidade da América Latina que também é dele, de ver grupos, ver movimentos na Igreja que estão sempre em saída, que estão em missão.
Dentro da Igreja, cada vez mais fortes as vozes que reclamam um maior papel ministerial das mulheres. Para você, como mulher e jovem, quais são as perspectivas de futuro, como você gostaria que tudo isso se concretizasse?
Primeiro, acho que a gente vive um tempo de resistência, de resistir dentro da própria Igreja. Numa sociedade tão machista, numa sociedade tão patriarcal, num sistema tão patriarcal, eu acredito que o caminho se faz pelo diálogo, por mostrar que nós estamos aqui, que nós também somos importantes, que nós somos parte fundamental dessa construção coletiva, dessa construção do Reino de Deus que nós acreditamos. Eu penso que o caminho é esse, a Igreja se abrir para ouvir as mulheres também, e olhar para as mulheres com esse carinho, como uma peça fundamental nessa construção.
Em 2018 aconteceu o Sínodo da Juventude, inclusive o anterior Secretario Nacional da PJ participou desse Sínodo. O que esse Sínodo, e a exortação “Christus Vivit”, têm significado para a Pastoral da Juventude do Brasil?
Esperança, tem significado esperança de termos um Papa, como a gente fala, a gente vive um tempo de resistência, mas também vive um tempo de esperança. Ver o Papa Francisco falar aquilo que as comunidades eclesiais de base, aquilo que a Pastoral da Juventude vem falando há tanto tempo, de acolhida, de missão, de olhar para os pobres, aquilo a gente falava lá no Concílio Vaticano II de opção preferencial pelos pobres. Aí o Sínodo vem como um sinal de esperança para a gente, enquanto jovens, juventude da Igreja.
Quais são os passos que estão dando as diferentes pastorais da juventude no Brasil para concretizar tudo o que o Papa Francisco comunicou à Igreja, especialmente aos jovens, nessa exortação pós-sinodal?
Nós saímos agora da Ampliada Nacional, e na ampliada a gente rezava muito isso de olharmos para as nossas próprias galileias, de olhamos para dentro, de investirmos nosso tempo e nossas energias, enquanto jovens, Pastoral da Juventude, para a formação de novos jovens, para o acompanhamento desses jovens que estão nos grupos, para formação de lideranças que, como acontece aqui, na arquidiocese de Manaus, esta semana, no acompanhamento das assessorias, na preparação desses adultos que acompanham esses jovens nos diversos grupos. São vários caminhos que a gente vê como construção dessa Pastoral da Juventude, como manutenção e continuidade desse caminho de evangelização da juventude. Mas, em especial, olhar para os jovens, no sentido de formar, de ter a formação, de ter a espiritualidade enraizada para sempre defender a vida.
Muitas vezes, dentro da Igreja, tem gente que ousa dizer que os jovens não querem nada. Como demostrar que os jovens continuam apaixonados pelo projeto de Jesus Cristo, como mostrar à Igreja e à sociedade que Jesus Cristo continua sendo uma referência na vida dos jovens?
Como falei, precisa nos ouvir. O maior desafio para os jovens hoje, penso que é escutar a voz de Deus em meio a tantas outras vozes. Mas a gente resiste e escuta essa voz de Deus que nos chama à vida, a defender a vida. Os próprios grupos de jovens da Pastoral da Juventude, são espaços de transformação. É espaço de felicidade, é espaço de partilha de vida, é espaço que o jovem não se sente mais sozinho, é espaço de amor. Acostumo dizer que os grupos de jovens é um espaço de amor, onde o jovem se identifica, onde o jovem encontra amigos e onde o jovem descobre Jesus.
Aí eu penso que tem que olhar para essa juventude que está nos grupos. Eles veem tanto o que falam na TV sobre os jovens, e o que está na TV sobre os jovens não é sério. Já está tendo música que fala isso, eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem e não é sério, o jovem no Brasil nunca vai falar sério. Se olha por exemplo para tantos jovens que estão envolvidos com drogas, que estão em situações de marginalização, mas se olha para o que temos, não se olha para o que gerou isso. E aí, nós somos as maiores vítimas desse sistema cruel, nós somos as pessoas mais vulneráveis a esse sistema desumano, a esse sistema desigual. E aí eu penso que olhar para essa juventude que está nos diversos grupos, que está nas diversas pastorais, e olhar com esperança que essa juventude é protagonista da própria evangelização das outras juventudes.
Inclusive porque o Brasil é um país onde a violência contra a juventude, especialmente contra a juventude das periferias, contra a juventude negra, é uma realidade muito presente. Como a Pastoral da Juventude pode ajudar para reverter essa realidade e construir uma sociedade mais justa onde os direitos sejam respeitados?
Nós somos o quinto país onde mais violentam mulheres. Eu falo a questão da mulher porque é meu lugar, e falo também enquanto jovem, secretaria e referência da Pastoral da Juventude. Nós somos o quinto país que mais violenta mulheres, a cada onze minutos uma mulher é violentada no Brasil, o homicídio de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos, e as estatísticas são alarmantes, são absurdas, e eu penso que, enquanto Igreja, enquanto Pastoral da Juventude que defende a vida e enquanto Igreja, a gente precisa entender essa realidade e compreender porque essas coisas acontecem, para começar a mudar essa situação.
O primeiro passo é discutir, é falar sobre a realidade que o país vive, essa realidade de violência, de marginalização, essa realidade de pobreza extrema, que alguns dizem que não existe. Quando a gente começa a discutir essas situações nas Igrejas, nas comunidades, nas famílias, nas escolas, em todos os espaços possíveis, a gente começa a transformar essa realidade, porque nós começamos a mostrar às pessoas que essa situação, ela existe. Então, primeiro discutir essas situações, segundo se engajar profundamente nessas lutas, através das políticas públicas, através dos movimentos que podem nos ajudar a superar essas violências.
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“O caminho para tornar a Igreja mais jovem é que a Igreja nos dê espaço, nos dê ouvidos”. Entrevista com a nova Secretária Nacional da Pastoral da Juventude - Instituto Humanitas Unisinos - IHU