30 Janeiro 2020
Votação pode acontecer pouco mais de um ano depois do crime de Brumadinho (MG). Mudanças na legislação podem abrir caminho a novas tragédias. Leia perguntas e respostas sobre o assunto.
A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 29-01-2020.
Pouco mais de um ano após a tragédia de Brumadinho (MG) deixar 259 mortos e 11 pessoas (ainda) desaparecidas, pode ser votada na Câmara uma proposta que enfraquece os controles e restrições legais que poderiam evitar novas tragédias semelhantes.
Desde o fim do ano passado, o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem afirmando que pretende colocar em votação no plenário, já em fevereiro, o Projeto de Lei (PL) nº 3.729, que cria uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Na semana passada, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) confirmou a informação. Ele foi escolhido por Maia, do lado dos ambientalistas, como interlocutor sobre o assunto.
O problema é que ninguém teve acesso ainda à última versão do substitutivo do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). No ano passado, Maia também prometeu encaminhar a sete ex-ministros de Meio Ambiente que foram ao Congresso discutir o assunto a versão do PL que seria votada. O parlamentar ainda não fez isso. Em várias oportunidades, diante das pressões de ambientalistas e da comunidade internacional, Maia declarou que não colocaria em votação propostas prejudiciais ao meio ambiente. No caso do licenciamento, disse que não permitiria que o projeto fosse apreciado sem consenso.
O Congresso volta a funcionar na semana que vem e, para que a vontade de Maia seja cumprida, o PL precisaria ser votado até o dia 19/2. Na semana seguinte, acontece o Carnaval.
Uma das razões apontadas para o desastre de Brumadinho foi o rebaixamento do risco da barragem Córrego do Feijão, da Vale, que ruiu em 25 de janeiro de 2019. A medida foi possível graças à alteração na legislação estadual do licenciamento (saiba mais sobre o assunto no no quadro e no vídeo abaixo).
Parlamentares que acompanham o tema na Câmara dos Deputados afirmam que, embora a última versão do substitutivo de Kataguiri seja desconhecida, as poucas informações disponíveis indicam que ela é ainda pior para o meio ambiente do que a divulgada no ano passado.
As primeiras três versões da proposta elaboradas por Kataguiri foram diretamente negociadas por ambientalistas, representantes de diversos setores econômicos e sociais. A quarta e última, divulgada em agosto, no entanto, foi discutida a portas fechadas com ruralistas e governo e significou a ruptura desse debate. Segundo mais de cem organizações da sociedade civil, Kataguiri “deu uma guinada de 180 graus, rompeu acordos anteriormente firmados e apresentou, de última hora, um substitutivo que torna o licenciamento exceção, em vez de regra” (leia mais).
Licenciamento ambiental urgente!
No Brasil não há uma lei geral de licenciamento ambiental. As exigências legais sobre o assunto estão dispersas em diferentes normas, além das contidas na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), como as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 01/1986 e 237/1997, Lei Complementar 140/2011, regras presentes em outras leis e regulamentos federais, estaduais e municipais.
Uma lei inadequada ou desequilibrada pode potencializar riscos e impactos à sociedade e prejuízos aos empreendimentos econômicos, que podem ser implantados sem a garantia de que estejam adequados aos parâmetros constitucionais de proteção ambiental. Isso cria um ambiente de insegurança jurídica que pode ter impacto negativo no setor de investimentos, reduzindo linhas e ofertas de créditos.
Atualmente, os governos federal, estaduais e de mais da metade dos municípios têm legislações e rotinas administrativas voltadas ao licenciamento e avaliação de impactos ambientais. Apesar de não existirem estatísticas oficiais, estima-se que, anualmente, sejam emitidas dezenas de milhares de licenças ambientais no Brasil.
Portanto, é esperado um marco legal claro, equilibrado e eficaz que concilie proteção ambiental e social, segurança jurídica e regulatória e estímulo à iniciativa privada. Ou seja: racionalidade e celeridade para um desenvolvimento responsável e sustentável.
O licenciamento ambiental é um instrumento de prevenção e fiscalização da Política Nacional de Meio Ambiente destinado a garantir os direitos fundamentais à qualidade de vida, à saúde e ao meio ambiente equilibrado previstos na Constituição. Trata-se de um procedimento administrativo pelo qual um órgão ambiental - federal, estadual ou municipal - avalia e autoriza, ou não, a instalação, a ampliação e a operação de atividades ou empreendimentos que usam recursos naturais ou que podem poluir ou degradar o meio ambiente. O processo também define o momento em que essas etapas devem ocorrer. O processo envolve desde a instalação de um posto de gasolina e o desmatamento de uma área com vegetação nativa, passando pela abertura de estradas, a implantação de uma mina ou fábrica, chegando à construção de grandes hidrelétricas ou complexos industriais.
Hoje, é possível obter uma licença simplificada, numa etapa única, nos casos de projetos com pequenos riscos ou impactos. Em relação às obras de maior porte e potenciais impactos, a maioria dos procedimentos exige a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) e de três licenças:
- Prévia: quando são aprovados estudos e projetos, declarando-se a viabilidade do empreendimento;
- De instalação: autoriza o início das obras;
- De operação: autoriza o funcionamento da atividade ou empreendimento.
Os objetivos principais do licenciamento ambiental são: identificar, prevenir, controlar, reduzir e compensar os impactos negativos - sociais ou ambientais - dos projetos ou atividades econômicas, visando proteger o meio ambiente e a qualidade de vida das populações. Por meio dele, o órgão ambiental estabelece as condições, restrições e medidas que deverão ser obedecidas para que o empreendimento ocorra de forma minimamente segura do ponto de vista socioambiental. Além disso, promove a publicidade, transparência e a participação social nos processos que envolvem a tomada de decisão do Poder Público sobre bens ambientais (água, floresta, clima etc). O processo também prevê audiências públicas, onde é possível mitigar ou resolver conflitos que podem acontecer entre empresas, governos e comunidades, inclusive reduzindo o tempo e judicialização para solução desses conflitos. O licenciamento também é uma garantia para todo cidadão de que o Estado zela por sua segurança e de que não será vítima de um desastre passível de ser evitado.
Identificar e avaliar um impacto ambiental exige seguir processos detalhados que demonstrem se há alteração física, química ou biológica do meio ambiente causada por qualquer atividade humana que afete, direta ou indiretamente:
- a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
- as atividades sociais ou econômicas;
- o conjunto de animais e plantas de uma região;
- as condições e a qualidade dos recursos ambientais (água, ar, solo, alimentos etc).
Um licenciamento ambiental mal feito pode trazer consequências tão abrangentes e variadas quanto os impactos de projetos e atividades que podem ou devem ser licenciadas. A qualidade e a disponibilidade de recursos naturais podem ser comprometidas em função da escala de uma atividade ou empreendimento e dos impactos envolvidos. Os ecossistemas que podem ser afetados por atividades e empreendimentos econômicos são responsáveis por serviços fundamentais para a manutenção da sociedade e da economia (disponibilidade e qualidade dos mananciais de água, controle de erosões, ciclo hidrológico e climático etc).
O licenciamento deficiente de um posto de gasolina, por exemplo, pode resultar na contaminação de um corpo de água, incluindo fontes de água potável. Esses riscos aumentam no caso de grandes projetos, como refinarias ou distribuidoras de combustível. Atividades perigosas, que utilizam produtos tóxicos, contaminantes ou explosivos exigem análises ambientais mais rigorosas da produção, transporte e armazenamento de resíduos. São muitos detalhes a serem observados e nenhum deles é menos importante.
Nas últimas décadas, há inúmeros casos, no Brasil e no mundo, de desastres socioambientais de grandes proporções provocados por negligência, abusos no processo de licenciamento ambiental ou alterações na legislação. O resultado são mortes, danos ambientais irreparáveis ou recuperáveis somente após décadas, comunidades inteiras deslocadas e prejuízos financeiros de grandes dimensões.
O caso mais recente e grave foi o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da companhia Vale, em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019. O crime deixou 259 mortos e 11 ainda desaparecidos. No final de 2018, alterações realizadas pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais na legislação estadual do licenciamento ambiental permitiram reduzir o grau de risco do reservatório de rejeitos da mina do Córrego do Feijão, cujo rompimento provocou a catástrofe. Se os controles e parâmetros da legislação tornarem-se menos rigorosos, aumentam os riscos de novos desastres socioambientais.
Outro exemplo é o “Vale da Morte”, apelido do polo petroquímico de Cubatão, no estado de São Paulo, nas décadas de 1970 e 1980, quando indústrias jogavam na atmosfera toneladas de gases tóxicos, gerando uma névoa venenosa que afetou a saúde da população, causando desde doenças respiratórias até o nascimento de bebês com deformidades. A água e os solos também foram contaminados.
Em 1984, uma falha nos dutos subterrâneos da Petrobrás espalhou 700 mil litros de gasolina na região da Vila Socó, na mesma região de Cubatão, provocando um incêndio que causou cerca de 100 mortos.
O principal projeto de lei (PL) em discussão no Congresso sobre o assunto é o de nº 3.729/2004. Até agora, há dois relatórios aprovados em comissões da Câmara dos Deputados: na de Agricultura, em 2014, e na do Meio Ambiente, em 2015. Na Comissão de Finanças e Tributação, o PL recebeu 13 versões de pareceres, mas não chegou a ser votado por falta de acordo. Em 2017, passou a tramitar em regime de urgência, o que permite que o PL seja votado direto em plenário a qualquer momento, sem que precise ser apreciado em outras comissões.
Em 2019, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-SP), assumiu o tema como parte de sua agenda de desburocratização e estímulo à economia, em especial a bandeira da fixação e redução dos prazos das licenças. Apesar de ter afirmado que não colocaria o assunto em votação sem um texto de consenso, ele tende a pressionar pela aceleração da tramitação da proposta.
Em junho, Maia instituiu um Grupo de Trabalho (GT) para propor um projeto de Lei Geral do Licenciamento. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) foi escolhido como coordenador e, em seguida, apresentou uma primeira versão da proposta. Entre junho e julho, ocorreram uma série de audiências públicas na Câmara com representantes da sociedade civil e movimentos sociais, comunidade científica, Ministério Público, empresas, agronegócio e pesquisadores.
Enquanto isso, Kataguiri apresentou mais duas versões do texto-base da lei, incorporando consensos obtidos nas audiências. Em agosto, no entanto, deu uma guinada de 180º ao apresentar um quarto substitutivo elaborado a portas fechadas, só com a participação de representantes do agronegócio, empresariado e governo, abandonando consensos e rompendo acordos firmados com parlamentares ambientalistas e outros setores da sociedade. A nova proposta incorporou retrocessos graves, tornando o licenciamento exceção, em vez de regra, comprometendo a proteção ao meio ambiente e população, a segurança jurídica das obras e atividades econômicas, podendo ampliar a judicialização e obstáculos a investimentos.
Depois disso, desde o fim do ano passado, Rodrigo Maia afirmou algumas vezes que pretende colocar o texto em votação ainda em fevereiro de 2020, o que, caso mantido o último texto publicado pelo relator, poderá significar a aprovação de uma lei desequilibrada e inadequada.
O PL pode ser votado no plenário da Câmara a qualquer momento. Caso seja aprovado, segue ao Senado para ser debatido nas comissões e no plenário. Se a versão aprovada for a mesma que a da Câmara, segue à sanção presidencial. Se for alterado, volta para ser apreciado no plenário da Câmara.
A bancada ruralista, o lobby de organizações como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e das empresas do setor de infraestrutura têm pressionado pelo enfraquecimento dos controles e restrições previstos na legislação. Setores governamentais, como o Ministério de Infraestrutura, têm proposto retrocessos na legislação, como a adoção de Licença por Adesão e Compromisso (LAC, licença autodeclaratória) para determinados empreendimentos de infraestrutura. O discurso é o de que o licenciamento burocratiza, encarece, atrasa ou até inviabiliza empreendimentos importantes para a geração de emprego e renda e o crescimento do país. Dados têm apontado, no entanto, que o responsável pela paralisação e atraso das obras não é o licenciamento, mas:
- estudos e projetos mal feitos;
- corrupção;
- má gestão;
- insuficiência de estrutura, recursos humanos e financeiros nos órgãos licenciadores.
No caso do órgão licenciador federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), dados de 2018 apontam que, na lista de grandes obras de infraestrutura consideradas estratégicas pelo governo, não havia então atrasos na concessão das licenças.
Os representantes de setores do agronegócio defendem principalmente a isenção de licenças para agricultura, pecuária e silvicultura. O lobby da indústria e das empreiteiras vem trabalhando, sobretudo, para garantir a redução de responsabilidades e custos, por exemplo, por meio da diminuição da área de abrangência dos impactos que devem ser considerados e solucionados em cada empreendimento, além do maior número possível de isenções.
Por outro lado, organizações ambientalistas e outros segmentos da sociedade civil, comunidade científica, Defensoria Pública, OAB e Ministério Público condenam a última versão da proposta de Kataguiri, apesar de reconhecerem que a atual legislação precisa ser aperfeiçoada, a necessidade de harmonizar as várias normas estaduais e infralegais (decretos, resoluções, portarias etc) e fixar um novo marco legal que garanta mais eficiência, racionalidade e celeridade ao licenciamento.
Esses setores reivindicam que sejam respeitados os direitos das populações e protegidos os ecossistemas. Para esses atores, os impactos dos empreendimentos precisam ser balizados, mitigados e compensados de modo adequado para garantir, conforme determina a Constituição, um meio ambiente equilibrado para todos. O equilíbrio entre preservação ambiental e eficiência é a chave para garantir, ao mesmo tempo, segurança jurídica e financeira para o desenvolvimento econômico.
Números que circulam pela internet ou que aparecem no discurso de alguns políticos atribuindo ao licenciamento um custo de quase 30% de alguns empreendimentos não têm comprovação ou fonte científica. É muito difícil fazer esse cálculo, porque os gastos envolvidos podem variar bastante caso a caso. Para as usinas hidrelétricas, um documento do Banco Mundial faz uma estimativa bem mais modesta: cerca de 5%.
1) Dispensa de licenças para manutenção, ampliação ou melhorias de obras de infraestrutura
A última versão disponível ao público do texto de Kim Kataguiri abre caminho à dispensa de licenças ou à concessão de licença autodeclaratória (LAC, leia mais abaixo) para mineração e obras de infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, hidrelétricas etc), as quais podem ter riscos e impactos socioambientais altos. Essas atividades e empreendimentos não estariam sujeitos às normas da lei geral, mas teriam seu licenciamento definido por regulamentação posterior, um cheque em branco para que o governo estabeleça isenções ou procedimentos menos rigorosos.
A medida pode ampliar os riscos de desastres ambientais, além de ter o potencial de ampliar o desmatamento ilegal. Pesquisas comprovam que as estradas na Amazônia são o principal vetor de destruição da floresta: 95% do desmatamento na região está localizado num raio de 5,5 km das rodovias. A construção da Transamazônica e a BR-163 (Cuiabá-Santarém) provocou a destruição de milhões de hectares de florestas e a dizimação de comunidades indígenas inteiras, em função da imigração descontrolada, a grilagem de terras e a disseminação de doenças. Obras de alto impacto planejadas pelo governo federal, como a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e hidrelétricas, portanto, podem entrar no pacote de dispensas e flexibilização.
2) Exclusão de impactos socioambientais “indiretos”
Na prática, a proposta exclui do licenciamento a avaliação dos impactos considerados “indiretos”. O desmatamento decorrente da instalação, ampliação e pavimentação de estradas, em especial na Amazônia, passaria a não ser sequer previsto nas avaliações de impacto e deixariam de ser adotadas as medidas necessárias para evitá-lo, mitigá-lo ou compensá-lo. Na região, a construção de hidrelétricas provoca imigração descontrolada, a qual, por sua vez, implica a sobrecarga nos sistemas de educação, saúde, saneamento e segurança pública. Caso a proposta em discussão na Câmara seja aprovada como está, esses impactos continuariam a acontecer, mas não seriam avaliados e endereçados.
O mesmo ocorreria com prejuízos sobre a pesca e a caça, que podem comprometer a segurança alimentar e as condições de vida de comunidades locais, indígenas e tradicionais. Da mesma forma, a poluição atmosférica e o aumento de casos de doenças respiratórias causados por usinas termoelétricas e a contaminação da água e do solo eventualmente provocada por projetos de mineração poderiam ficar de fora do licenciamento. Todos esses impactos seriam desconsiderados no licenciamento e precisariam ser todos arcados apenas pelo Poder Público, portanto, por de toda a sociedade, na forma de impostos, entre outros.
4) Populações indígenas e tradicionais, áreas protegidas, patrimônio histórico-cultural e saúde ameaçados
A proposta prevê que apenas Terras Indígenas (TIs) com portaria declaratória publicada e territórios quilombolas titulados seriam considerados no licenciamento. Todas as áreas que estão hoje em etapas anteriores nos respectivos processos de oficialização - sempre longos e complexos - seriam desconsideradas para fins de identificação, avaliação, prevenção, redução e compensação de impactos.
O texto discussão também restringe a participação das autoridades responsáveis por Unidades de Conservação (UC) no processo de licenciamento aos casos envolvendo UCs de proteção integral e quando estiverem sobrepostas à área diretamente afetada pelo empreendimento ou atividade, excluindo da análise todas as UCs presentes na área de influência (de impactos indiretos) e as de uso sustentável.
Se o PL for aprovado, 29% das 743 TIs existentes no país, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), seriam excluídas do processo de licenciamento. O mesmo ocorreria com 87% dos 1.755 processos de oficialização de quilombos já abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo dados do ISA, já de início 185 UCs federais e 358 estaduais de uso sustentável, num total de 543, seriam desconsideradas no licenciamento.
A proposta ameaça o prosseguimento dos processos de reconhecimento dessas áreas e também a segurança jurídica e financeira de empreendimentos, pois os impactos sobre os territórios pendentes de reconhecimento ocorrerão de qualquer forma, sem que sejam devidamente tratados. Além disso, contraria decisão do STF que garante a primazia da regularização de territórios indígenas e quilombolas sobre outros interesses. O resultado será a ampliação da judicialização e a imposição de obrigações ao empreendedor não previstas originalmente.
O substitutivo também desprotege o patrimônio histórico-cultural, excluindo bens encontrados durante a elaboração dos estudos do empreendimento. Além disso, a proposta exclui o Ministério da Saúde do licenciamento ambiental, cuja participação, pela legislação atual, ocorre para prevenir surtos de malária e outras questões de saúde.
Além disso, a proposta de Kataguiri restringe, a ponto de quase eliminar, a participação direta no licenciamento de populações indígenas e tradicionais afetadas pelos empreendimentos que devem ser licenciados. O projeto não faz nenhuma referência específica à participação dessas comunidades no licenciamento, o que contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A norma foi ratificada pelo Brasil, incorporada à nossa legislação e exige que seja feita uma consulta a esses grupos sobre toda decisão e empreendimento que os afetem.
A proposta de PL ainda afirma que a licença pode ser concedida mesmo sem a manifestação dos órgãos de defesa desses territórios e populações. Mesmo que sejam elaborados, seus pareceres poderão ser desconsiderados pelo órgão licenciador. A participação desses órgãos no licenciamento tem objetivo de fornecer subsídios técnicos sobre os impactos às populações e bens que eles devem proteger, enquanto que a participação daquelas populações pretende atender seu direito básico de se fazer ouvir e influenciar a implantação de empreendimentos econômicos que as afetem.
5) Permissão para que estados possam enfraquecer controles e parâmetros do licenciamento. “Guerra anti-ambiental entre estados”
Hoje, no Brasil, há uma “guerra fiscal” entre os Estados e municípios. Eles disputam investimentos e empreendimentos reduzindo impostos e taxas ou concedendo subsídios. O projeto de lei de licenciamento abre caminho para que a mesma coisa aconteça na área ambiental. No caso, a disputa seria entre os governos estaduais que conseguissem oferecer regras de licenciamento mais vantajosas para as empresas e menos rigorosas na proteção ao meio ambiente e a populações afetadas, inclusive a possibilidade dispensa de licença ou concessão de LAC.
Hoje, os órgãos estaduais e municipais de fiscalização seguem padrões mínimos determinados por leis federais. Se a nova proposta for aprovada, um mesmo projeto poderia ser licenciado de formas diferentes em estados diferentes. A consequência seria aumento da insegurança jurídica e do número de ações judiciais, além de vários tipos de risco para a população, uma vez que essa guerra pode produzir um licenciamento enfraquecido, capaz de autorizar empreendimentos com alto potencial de dano.
6) Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Outra ideia polêmica em debate no Congresso é a LAC. Com ela o empresário poderia obter uma licença de forma automática, autodeclaratória, via internet, desde que se comprometesse com um conjunto pré-concebido de condicionantes e restrições, sem avaliação ou controle prévios dos órgãos ambientais, inclusive sem necessidade de validação das informações apresentadas por quem pede a licença. A última versão da proposta publicada pelo relator prevê esse tipo de licença para todos os empreendimentos e atividades de médio e baixo impacto, incluindo a mineração.
Há Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no STF contra os sistemas que foram implantados na Bahia e em Santa Catarina com essa modalidade de licença. A experiência baiana mostrou-se malsucedida. Segundo relatório da Associação dos Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (ASCRA), das 1.596 licenças desse tipo registradas, entre 2012 e 2015, apenas 152 licenças ou 9% do total foram fiscalizadas e 89% delas (135) apresentavam pendências e irregularidades e os empreendimentos foram notificados ou autuados. A imensa maioria das licenças era para postos de gasolina, atividade que utiliza resíduos perigosos.
7) Ausência de critérios locacionais e integrados
O Brasil reúne características ecológicas especiais nos seus diferentes biomas. A proposta de Kataguiri não considera as características ambientais da área onde o empreendimento ou atividades será implantadas. Dessa forma, projetos que podem provocar degradação e poluição poderão ser implementados em locais ambientalmente sensíveis. O mapa oficial de áreas prioritárias para conservação e proteção de recursos naturais, por exemplo, não será considerado. Não fará diferença se o empreendimento está localizado, por exemplo, na floresta amazônica ou na região metropolitana de São Paulo.
8) Isenção de licença para agropecuária
Uma das propostas em discussão é a isenção de licenciamento para atividades agrícolas, de pecuária e silvicultura (monocultura de árvores), independente do potencial de degradação ambiental da atividade. Esta é a principal bandeira ruralista. Se aprovada, irá dispensar a necessidade de avaliação e autorização de atividades que podem poluir e degradar, com possíveis impactos sobre a disponibilidade e a qualidade das fontes de água e a taxa do desmatamento, por exemplo. A dispensa de licenciamento para esse tipo de atividade já foi declarada inconstitucional pelo STF em 2001. O artifício utilizado pelo relator da proposta para concretizar a ideia é fazer com que a mera inscrição no Cadastro Ambiental (Rural) seja considerada uma licença ambiental.
9) Licença de Operação Corretiva (LOC): irregularidade como “bom negócio”
A proposta simplifica ao máximo os procedimentos para regularização de projetos ou atividades em operação, mas sem licenciamento. O texto anistia sanções por ausência de licença, não prevê prazo para que o empresário se regularize e estabelece procedimento mais simplificado e menos custoso que o regular. Será mais fácil implantar um empreendimento irregularmente e depois pedir essa regularização. Isso funcionará como estímulo para a implantação de empreendimentos sem licença em todo o país, ou seja, ao descumprimento da própria lei.
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Texto desconhecido que altera licenciamento pode ser votado na Câmara já em fevereiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU