29 Janeiro 2020
Javier Toret foi uma das poucas pessoas que durante os primeiros meses de 2011 estava trabalhando para tornar possível o 15-M. Esse ativista de Málaga, formado em psicologia e especializado em um campo no qual emoções, filosofia, política e tecnologia se cruzam, foi responsável pelas contas das redes do Democracia Real Ya, que canalizaram a indignação para as praças do Estado espanhol.
Em 2015, publicou o livro Tecnopolítica y 15M, com prefácio do atual ministro das Universidades da Espanha, Manuel Castells, de cujo grupo de pesquisa acadêmica Toret faz parte. Ele coordenou a estratégia digital das campanhas eleitorais de Ada Colau e da coligação Barcelona em Comum em 2015 e 2019. Mas, acima de tudo, é especialista nas mobilizações que têm abalado boa parte do globo desde 2010, tendo viajado e presenciado muitas delas, além de ter mantido diálogo com ativistas, o que lhe permite chamar tais manifestações de “revoltas interconectadas”: Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Yo Soy 132 do México, Jornadas de Junho no Brasil em 2013, e os protestos de Hong Kong de 2014, que foram reativados em 2019. O La Marea conversou com ele em Barcelona antes de Toret se dirigir a uma conferência sobre os protestos no Chile.
A entrevista é Patricia Simón, publicada por La Marea, traduzida e reproduzida por RBA, 27-01-2020.
Você começou como hacktivista na Indymedia, o primeiro espaço aberto para publicação na web, anunciado nos protestos antiglobalização de Seattle em 1999.
Abrimos a Rede 2.0. porque até aquele momento não era possível publicar online . Então, os desenvolvedores do Indymedia criaram o Flickr, o Twitter … O sistema captura as inovações que nascem como maneiras de conectar corpos e cérebros para que uma multidão tenha um certo comportamento político. Ou seja, a tecnopolítica consiste nessas inovações e no uso tático e estratégico de ferramentas digitais para a ação coletiva.
No ciclo que ocorreu entre 2010 e 2017, fomos confrontados com o que chamamos de sistema multicamadas: uma luta para modificar a mente das pessoas, que é a camada das ruas; a camada de mídia, a mais vertical, e a das redes. No 15-M, concentramos todas as energias na camada das redes, que jogamos nas ruas e forçamos a mídia a falar sobre isso.
Qual é a ligação entre esse ciclo e a atual onda de revoltas?
Ainda não tenho dados científicos e não gosto de fazer análises gratuitas, mas é claro que há uma crise geral do sistema representativo democrático porque grande parte da população não sente que este satisfaça suas necessidades, e ao mesmo tempo a desigualdade aumenta, o que causa aversão. Mas não vejo paralelos entre o que acontece em Hong Kong e no Chile, ou entre o Equador e a Catalunha, por exemplo.
Há outro elemento fundamental: a extrema direita construiu a melhor tecnologia ou máquinas de guerra digitais, a tecnopolítica do 1%. O melhor exemplo é o Cambridge Analytica, montado por Robert Mercer e Steve Bannon, o famoso estrategista de Trump. No ciclo anterior de protestos, a hegemonia nas redes era do Occupy, do 15-M … Até a mídia teve que se adaptar a essa nova cultura política. A evolução de La Sexta, por exemplo, não é compreendida sem o 15-M.
Nossas estratégias eram lançar hashtags para conseguir lugar nos trending topics, criar vídeos virais, convocar ações, gravar streamings para nos defender da repressão. A direita estava perdida nesse período, mas passa a investir milhões de dólares e se especializa na mineração de dados, no Big Data aplicado a diferentes ramos do conhecimento. A Cambridge Analytica começou com 15 milhões de dólares, roubou 50 milhões de perfis no Facebook e estimavam ter um perfil de cada cidadão/cidadã porque se baseavam na psicometria, na análise estatística da personalidade, para os quais desenvolvem campanhas muito personalizadas destinadas a radicalizar os já convencidos e mobilizar os que estão em dúvida.
Eles têm uma propaganda sofisticada em um nível desconhecido e sem limites éticos, jogando sujo como no roubo de dados. Ferramentas como as da Cambridge Analytica fazem parte das máquinas de guerra digital da extrema direita, que as utilizam nas eleições, mas também em golpes de Estado como o da Bolívia. O conceito de guerras híbridas, que explica a estratégia militar dos EUA, reúne muitas das características que vimos nesse cenário: forças não convencionais externas, como exércitos de bots, os mesmos que são usados em campanhas eleitorais tanto para amedrontar os adversários como para legitimar um golpe por meio de mil robôs comandados de uma praia de outro continente, dizendo que Morales é um traidor.
E depois há as fake news, que são apenas mais uma parte da estratégia. É como se tivessem tomado nota do ciclo anterior e se voltado para a pesquisa e desenvolvimento da política, com orçamento ilimitado e sem limites éticos. É uma indústria que visa a intoxicação da esfera pública, desmoraliza o inimigo, radicaliza os apoiadores e, o mais importante, trabalha o convencimento dos indecisos. São técnicas muito precisas e difíceis de combater, porque com dinheiro e robôs são capazes de fazer parecer que há um movimento real que está insultando, confrontando… Mas não é uma estratégia invencível, por exemplo, no México, não venceu.
Que ferramenta você acha mais marcante na nova onda de protestos?
A presença de lasers é muito interessante. No Chile, um grupo de pessoas derrubou um drone com eles. Mas, sem dúvida, o mais poderoso tem sido Un violador en tu camino, como performance feminista, viral e global. Geralmente, há ressonância entre um protesto e outro porque as pessoas olham entre si. No ciclo iniciado em 2010, havia uma grande convocatória como a do 15-M ou algo acontecia que desencadeava um protesto e uma consequente repressão. Agora, é como se a energia, as emoções, e a frustração estivessem sendo carregadas e algo as desencadeasse. Como no Chile, em que o aumento da passagem do metrô faz explodir a frustração reprimida por décadas. Trata-se de saber como dinamitar o momento, impactando emocionalmente as pessoas que estão por trás de seus computadores.
Existe um problema na esquerda em geral, e isto vem de movimentos como o 15-M, que não investiram nada na pesquisa da tecnopolítica, enquanto a extrema direita investiu tudo. Mesmo assim, temos as pessoas, a inteligência, e precisamos continuar tentando entender os algoritmos, fazer campanhas inovadoras que ninguém espera, mobilizar nossa comunidade.
Mas a batalha é muito desigual…
Você precisa entender que, para ganhar de Trump, por exemplo, você precisa ganhar a parte digital. Os partidos de centro desapareceram e se você não tiver capacidade de interferir na esfera midiática ou na esfera digital, não terá nada. Na Espanha, muitas das pessoas poderosas da internet entraram no municipalismo, outras no Podemos e são necessárias novas gerações para entrar em uma batalha que é mais ampla: ela se dá no campo jurídico em prol das liberdades na internet, no desenvolvimento de softwares para as batalhas políticas de comunicação e redes, pela infraestrutura pública, participação digital em governos…
Quais chaves você identifica para 2020?
Os atores transnacionais mais importantes são o movimento feminista e ambiental, que vão crescer e radicalizar. Continuaremos vendo insurreições, mas também processos desestabilizadores da direita, como o da Bolívia. O Brasil é um país no qual não se sabe o que pode acontecer. A situação é bastante dramática, um dos cenários mais negativos desde a Segunda Guerra Mundial, mas vamos pensar que, por exemplo, em Barcelona vivemos em uma cidade governada por um prefeito ativista, bissexual e da classe trabalhadora … Dentro do contexto, a situação na Espanha é boa.
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‘A extrema-direita construiu as melhores máquinas de guerra digitais’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU