24 Janeiro 2020
No espetáculo Looking for Beethoven, o pianista Pascal Amoyel narra a intimidade do compositor. Uma oportunidade, neste 250º aniversário de seu nascimento, para redescobrir um gênio que nunca parou de lutar contra a sua condição, para oferecer seu dom à humanidade.
A entrevista é de Anne-Laure Filhol, publicada por La Vie, 22-01-2020. A tradução é de André Langer.
Como você trabalhou o tema da busca da alegria em Beethoven?
Além de ler sua correspondência, o testamento que ele escreveu 25 anos antes de morrer e obras de Paul Loyonnet, Charles Rosen ou de seu biógrafo Anton Felix Schindler, tentei ficar o mais próximo possível de me sentir mergulhado em sua obra para encontrar nela suas recorrências, em particular em suas 32 sonatas para piano, que eram para ele o diário de uma vida. O mais importante foi ouvir pela primeira vez esse grande compositor com uma audição nova e despojada de todo conhecimento; a única maneira de acessar a verdade íntima de uma pessoa...
Essa busca está presente desde tenra idade?
Beethoven teve uma infância extremamente infeliz. Seu pai o espancava, o acordava todas as noites para tocar para os bêbados locais, pressionava-o consideravelmente para se tornar um novo Mozart e ganhar dinheiro. Desde o início, portanto, sua alegria intrínseca foi frustrada. No entanto, poucas de suas obras são atravessadas por isso. No Conservatório, ficamos paralisados diante desse grande mestre, cujos bustos reinam e o apresentam com gravidade e seriedade, sem nos darmos conta de que a simples alegria também poderia habitar suas obras. Até mesmo a Sonata ao luar, que pode parecer tão terrível, contém um segundo movimento impregnado de uma espécie de luz... e, portanto, de alegria.
O que você quer dizer com “alegria intrínseca”?
É a alegria incondicional, tudo o que escapa à condição humana, limitada. Beethoven, que viu a sorte atacá-lo obstinadamente com a chegada da surdez, teve que lutar permanentemente contra essa condição, para que não o destruísse. Ele considerou que algo da ordem da luz subsistiu. Na minha opinião, a alegria nele vem do imanente, de uma realidade que já existia antes. Não é uma voz superior e transcendente que vem à terra para entregar uma mensagem: o homem deve encontrar em si o que está perdido. E a música é um farol, um vetor. Basicamente, ao tornar-se completamente surdo, recluso, isolado, Beethoven contatou uma fonte, nascida do silêncio; não a vida que temos, mas a vida que somos. Ele encontra essa fonte universal, presente em cada um de nós, e que dá origem a obras geniais, como as 32 sonatas. Provavelmente é pelo fato de ficou surdo que ele cavou no mais íntimo de si mesmo para perceber coisas totalmente extraordinárias: a criação do mundo, o nascimento da vida... e da alegria.
Antes disso, Beethoven havia travado muitos combates internos...
Privado pela surdez de ouvir música, ele a criou em seu crânio de surdo. Desprovido de alegria em sua vida pessoal, ele a criou em sua música. O que é fascinante nele é que ele parte da argila para chegar aos pináculos. Beethoven alcança a mesma pureza de transmissão que um Mozart ou um Schubert, mas, ao contrário deles, ele não chega a isso imediatamente, ele precisa riscar muito. Ele tem esse lado muito humano. Além disso, para ele, o material em que está preso está impregnado de espiritual. A alegria em Beethoven não é a que se pode ter em mente – ser alegre, leve, feliz; em vez disso, ele considera que, uma vez que o homem alcança a harmonia através da arte, quebra o caos da vida material e encontra o equilíbrio.
A alegria, portanto, seria harmonia redescoberta...
Isso mesmo. E essa alegria está em nós. Ela simplesmente é obscurecida por muitos fatores e não a vemos mais. Uma vez que o olhar é libertado dos entraves, a alegria pode ser, não encontrada, mas redescoberta. Em inúmeras ocasiões, rupturas e pausas aparecem na obra de Ludwig van Beethoven. É como se ele quisesse quebrar a rotina. Costuma-se dizer que ele quebrou a sonata, o que é verdade: ele despedaçou essa forma. Mas não é apenas um experimento de laboratório, como poderia ter ocorrido no século XX: a certa altura, o fundo é tão forte e poderoso que a forma não pode mais seguir. Tudo quebra, não por vontade deliberada de quebrar tudo, mas porque o que existe não é mais suficiente.
Beethoven diz que ele dá alegria mais do que a vive... Ao dá-la, não procura justamente esta alegria? E uma maneira de encontrar um sentido para a sua vida?
Sem dúvida. Suas primeiras sonatas revelam bem esses movimentos de revolta, de energia louca até o momento em que ele aceita sofrer toda a sua vida. Ele não pode se curar. Há um ponto de virada quando ele descobre o mito de Prometeu, este Titã que é devorado pelo fígado por uma águia, porque roubou o fogo sagrado do Olimpo dos deuses para dá-lo a conhecer aos homens. Tudo faz sentido: Beethoven diz que, se ele não experimenta a alegria, vai trazê-la ao mundo. E isso permitirá que sua música seja o que é chamado a se tornar...
Qual é a sua missão?
Transmitir uma mensagem que só ele, talvez, pode transmitir aos homens: uma mensagem de fraternidade, de alegria e de liberdade do artista e, por extensão, de liberdade do homem. É quase crístico! Beethoven oferece seu sofrimento, essa luz que ele não recebe, mas sente, que não pode viver em sua carne, mas que sente em sua música. Se há algo um pouco forçado no início dessa busca frenética por luz, ele realmente o encontra quando aceita sua condição e alcança um certo abandono. Foi então que ele se libertou – todo o seu trabalho ficou mais fluido, relaxado – e ofereceu sua música à humanidade. Ele passou a vida lutando, e o terceiro movimento de seu Quarteto nº 16, uma de suas últimas obras, é intitulado “Suave canção de descanso, de paz”. Sua última sonata para piano reflete seu total desapego, a dissolução do eu; a encarnação passou para o segundo plano, e essa alegria que nos constitutiva é vista e aceita. Suas últimas sonatas são meditações atemporais. Um eterno presente.
Como abordar a Sinfonia n. 9, comumente chamada de “Ode à alegria”?
Essa sinfonia, composta entre 1822 e 1824, é fruto de uma longa maturação, um testamento. Beethoven morre três anos depois. Inspirado em particular na Ode à alegria de Friedrich von Schiller, é um hino à alegria dos povos. Vemos em quase toda a obra do compositor uma passagem do sentimento individual para o coletivo ou o universal. Seu desejo era que todas as correntes fossem quebradas e que os homens fossem iguais e irmãos. Como ele disse: “Partir do coração para ir ao coração”.
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Beethoven e a busca da alegria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU