19 Janeiro 2020
O digital está crescendo exponencialmente e sua pegada ecológica também. Com a proliferação de equipamentos e usos, isso não está prestes a parar.
A reportagem é de Justin Delépine, publicada por Alternatives Économiques, 15-01-2020. A tradução é de André Langer.
Raramente uma tecnologia também oculta sua infraestrutura física. Para muitos de nós, o ato de tirar uma fotografia de uma linda paisagem com o smartphone e enviá-la às pessoas queridas por meio do grupo familiar do WhatsApp não tem consequências ambientais. Além disso, o smartphone nem perdeu 1% da carga da bateria. No entanto, qualquer ação realizada na internet mobiliza uma gigantesca infraestrutura e que consome energia.
Para chegar aos aparelhos dos seus entes queridos, o arquivo digital imaterial que transporta a bela paisagem atravessa milhares de quilômetros, através de cabos subterrâneos e submarinos que estão conectados à rede elétrica. E se você o mantiver na nuvem, o arquivo é armazenado em um centro de dados conectado e com ar-condicionado 24 horas por dia. Por fim, para alcançar outros smartphones, o arquivo deve ser enviado por uma antena de retransmissão. Tudo isso requer energia. A pegada ecológica digital é realmente significativa.
É difícil mensurá-la com toda precisão em seu conjunto (produção dos equipamentos e uso) especialmente devido à sua natureza global. “Uma simples busca pode ser executada em vários países”, especifica Laurent Lefèvre, pesquisador em informática do Inria (Instituto Nacional de Pesquisa em Informática e Automação), também vice-diretor do grupo de pesquisa do CNRS-EcoInfo. Se nos ativermos apenas à parte energética desse balanço ambiental, estima-se que o digital representa 10% do consumo global de eletricidade (ao qual devem ser adicionadas outras fontes, como hidrocarbonetos, para a fabricação de materiais). Um balanço energético que é distribuído mais ou menos igualmente entre a produção de equipamentos (45%) e seu uso (55%).
No entanto, o mix global de eletricidade ainda funciona amplamente com energias fósseis (carvão 38% e gás 23%) e, portanto, emite grandes quantidades de CO2, o principal responsável pelo aquecimento global. O resultado: as tecnologias digitais são responsáveis por 3,7% das emissões globais de gases de efeito estufa (1). Isso significa que esse setor emite uma quantidade de gases de efeito estufa semelhante à da aviação ou de um país como a Rússia. Mais preocupante ainda: “Nenhum setor de atividade tem crescimento equivalente ao digital”, observa Frédéric Bordage, fundador da comunidade Green IT (Tecnologia da Informação Verde).
De fato, de acordo com cálculos da associação The Shift Project, as emissões de gases de efeito estufa dadas à produção e uso da tecnologia digital estão aumentando 8% ao ano, de modo que a participação da tecnologia digital nas emissões global poderia atingir 8% em 2025. Essa participação depende obviamente da evolução do mix de eletricidade, mais ou menos carbonizado, e das emissões de outros setores. Porém, uma coisa é certa: ela está crescendo e é alimentada por todos os lados.
Porque as tecnologias digitais ainda têm seções inteiras da humanidade para conquistar e equipar. Em 2016, apenas 49% dos habitantes do mundo eram usuários da internet, mas o crescimento é exponencial; em 2010, eram apenas 28%. São principalmente os países em desenvolvimento que aumentarão enormemente as fileiras de usuários da internet. De acordo com o Banco Mundial, 1 bilhão de indianos ainda não tinham acesso à internet em 2016, por exemplo, e 755 milhões de chineses. O reservatório de novos usuários continua grande.
Mas esse crescimento também vem dos países do Norte. Se a grande maioria da população já está conectada (89% na França, 80% dos quais se conectam diariamente), nossos aparelhos digitais e nosso consumo de dados estão em constante crescimento. Smartphones, tablets, computadores, alto-falantes e televisores conectados, consoles de jogos, impressoras conectadas, etc.: o número médio de dispositivos conectados por pessoa foi de cinco em 2016 na Europa Ocidental e oito na América do Norte. Em 2022, esses números podem aumentar respectivamente para 9 e 13. Anualmente, são vendidos 1,5 bilhão de smartphones em todo o mundo, elevando para mais de 10 bilhões o número desses aparelhos que foram vendidos desde o seu surgimento, há uma década.
No entanto, só a produção de todos esses equipamentos (computadores, smartphones, etc.), chamados terminais por estarem posicionados na extremidade da rede, é ao mesmo tempo altamente poluente e cara em termos de energia, antes mesmo de falar sobre seu uso. De fato, eles contêm metais preciosos e raros, cuja extração requer, por um lado, um consumo em larga escala de água e produtos químicos, poluindo o solo e as águas subterrâneas e, por outro lado, energia, desta vez produzida principalmente a partir de hidrocarbonetos, que emitem muito CO2. Essa produção, responsável por 45% do balanço total de energia digital, é distribuída entre smartphones (11%), computadores (17%) e televisores (11%). E sua gula é tamanha que 0,2% do consumo global de água doce é atribuível às tecnologias digitais, de acordo com a Green IT. Esse número pode parecer baixo, mas, na realidade, “a tecnologia digital acrescenta tensão a esse recurso, que já é constante e generalizado”, indica Frédéric Bordage.
Durante o ciclo de vida de um smartphone, sua produção representa 90% de sua pegada energética e sua fonte de alimentação (recarga de baterias) 10%. Mas a isso deve ser adicionado o funcionamento da rede que usa. De fato, qualquer ação na internet, como consultar um sítio, é equivalente a carregar dados no seu terminal. Dados que são armazenados em um servidor localizado em um centro de dados, os famosos data centers. Para chegar ao nosso terminal, os dados tomam as rodovias digitais que formam a rede, composta de cabos que cruzam o mundo, modems, antenas, etc. Em média, um dado digital percorre 15 mil quilômetros, diz a Agência Francesa de Meio Ambiente e Gestão de Energia (Ademe).
Toda essa infraestrutura está sob constante tensão elétrica. Ela é, portanto, gulosa na corrida. Na França, por exemplo, o digital representa 10% do consumo nacional de eletricidade, ou 40 tWh. A rede e os centros de dados respondem por 70% desse consumo, o equivalente a pouco mais de dois terços do consumo dos aquecedores elétricos domésticos. Os centros de dados são particularmente energívoros, porque os servidores não apenas consomem eletricidade para a sua operação, mas também e, acima de tudo, emitem calor. O usuário de um laptop simples, percebendo o calor emitido por sua máquina após algumas horas, pode facilmente imaginar como a temperatura aumenta nesses grandes hangares, onde dezenas de milhares de servidores operam continuamente. Para evitar o superaquecimento, os centros de dados são, portanto, constantemente resfriados, em parte por ventilação, mas também por ar condicionado. Uma fonte adicional de consumo de energia.
Tudo isso explica por que em nível mundial 55% da conta de energia digital vem do seu uso. Esse consumo associado ao uso é dividido igualmente entre os centros de dados (19%), a rede (16%) e o carregamento dos próprios terminais (20%), sejam smartphones, computadores ou televisores conectados.
No entanto, tanto os operadores de rede, como os provedores de acesso à internet, a exemplo da Orange, Bouygues ou SFR (Sociedade Francesa de Radiotelefonia), ou mesmo esses gestores de centros de dados que são os provedores de conteúdo como Netflix, Google ou Facebook, todos procuram a todo custo combater “o risco de latência” para o usuário. Isto é, o tempo que os dados levam para carregar e, portanto, a página da web ou o vídeo a ser exibido em nossos terminais. Para conseguir isso e poder responder a qualquer momento a uma demanda muito alta, eles inflam exageradamente a sua infraestrutura. “As infraestruturas são muito grandes, seja pelo número de servidores nos centros de dados ou pela largura da banda das redes de comunicação”, resume Laurent Lefèvre, do Inria.
Em consequência, muitas dessas máquinas funcionam continuamente a toda velocidade mesmo quando são pouco ou nada utilizadas. “Porque, mesmo que um servidor não seja usado, ele consumirá em energia o equivalente a 50% de seu consumo no momento de pico de atividade, observa Laurent Lefèvre. Além disso, alguns equipamentos de rede têm uma carga elétrica constante, independentemente de seu uso”.
O modem é um exemplo perfeito. Pelo fato de muitos deles não serem equipados com um simples botão liga/desliga, eles operam 24 horas por dia, mesmo quando são usados apenas uma parte do dia. Essa hiperdisponibilidade dos equipamentos também se reflete na falta de adaptação da rede aos ciclos de consumo, “embora possa haver uma sazonalidade em certos usos digitais, entre o dia e a noite, a semana e o final de semana”, acrescenta Laurent Lefèvre.
De fato, o digital foi construído com o desejo de oferecer um serviço cada vez mais eficiente e rápido, mas com muito pouca ou nenhuma consideração de seu peso energético e ambiental. “Do lado dos fornecedores, ninguém realmente agiu sobre a necessidade de projetar limites físicos para a economia digital”, disse Hugues Ferrebœuf, gerente de projetos digitais do The Shift Project. Ao mesmo tempo, o setor tem sido alimentado por ganhos constantes em eficiência energética. E para uma mesma ação, é preciso hoje uma quantidade de energia bem menor do que ontem.
Ou seja, dá para baixar o consumo de energia? Não, porque você precisa confiar no poder dos “efeitos rebote”, que são muito importantes no universo digital. De fato, assim que se torna mais barato energética e economicamente realizar uma determinada ação, a lógica seria que o consumo de energia diminua. Porém, acontece o contrário: por ser mais barato, intensificamos os usos! “Entre 2014 e 2018, para um mesmo dado transportado na rede móvel, conseguimos mobilizar cinco vezes menos energia, mas ao mesmo tempo transportamos sete vezes mais dados”, explica Marc Blanchet, diretor técnico e do sistema de informação da Orange. Fazer um uso mais eficiente em termos de energia não leva automaticamente a menos consumo, mas o contrário.
A implantação próxima do 5G mostra isso. A rede móvel de quinta geração, que deve entrar em operação nos próximos anos, é o resultado de uma inovação tecnológica, mas promete aumentar ainda mais o consumo de dados. “Uma velocidade multiplicada por dez e um tempo de transmissão dividido por outro tanto”, afirmam seus promotores. Se os contornos dessa tecnologia ainda não estão completamente definidos, nem as consequências ambientais conhecidas, é certo que isso vai gerar uma intensificação de usos. Mas também vai acelerar a troca da internet fixa pela internet móvel. No entanto, a rede móvel consome muito mais energia do que a rede fixa, pois é necessário transmitir um sinal de uma antena que deve passar através de paredes espessas e não trazê-lo através de cabos para um modem. O regulador francês de telecomunicações, a Arcep, diz que, comparada à fibra ótica, a rede móvel consome cerca de dez vezes mais energia para a mesma quantidade de dados transportados.
“Além disso, cada salto tecnológico acelera a obsolescência de equipamentos e o 5G não vai fugir disso”, acrescenta Frédéric Bordage. Uma das razões para a crescente pegada ecológica da tecnologia digital é a rápida renovação de equipamentos. Os franceses mudam de smartphone em média a cada dois anos, enquanto em 88% dos casos eles ainda funcionam. O motivo? “Os serviços digitais estão ficando mais pesados e os aparelhos estão tendo dificuldades para rodá-los. Portanto, eles ficam mais lentos ou não podem se atualizar”, resume Liliane Dedryver, gerente de projetos digitais da France Stratégie. Isso é chamado de fenômeno da “obésiciel” – uma contração de obesidade e programa. “O número de recursos para um mesmo serviço está aumentando constantemente, acrescenta Laurent Lefèvre, e acima de tudo com recursos não modulares, que não podem ser desativados”. A simples reserva de um bilhete pode ser acompanhada pela geolocalização do cliente, a memorização do histórico de suas buscas e de suas compras...
Os terminais devem ser cada vez mais poderosos para acompanhar esse ritmo frenético. Apesar das melhorias para potencializar o desempenho dos modelos mais antigos, os fabricantes estão lançando continuamente novos produtos com uma pegada de carbono mais alta que as versões anteriores. Entre o iPhone 4, lançado em 2010, e o iPhone X, comercializado em 2017, a pegada de carbono aumentou 75%, passando de 45 g para 79 g de CO2.
Com essa renovação, nossos armários estão cheios de smartphones e computadores antigos. Porque no final da vida útil, esses resíduos nem sempre acabam na lixeira apropriada. A taxa de coleta de celulares é de apenas 49% na França, em comparação com 95% para computadores. O balanço global é ainda mais fraco, pois apenas 20% do lixo eletrônico de todos os aparelhos é coletado. Além disso, coletar não significa necessariamente reciclar.
Desde a produção até a morte, o digital é tudo menos um serviço imaterial e renovável. “Ao levar muito pouco em conta seus limites ambientais, parte da inovação atual não é compatível com o mundo de amanhã”, estima Jean-François Marchandise, diretor de pesquisa e previsão da Fundação Internet Nova Geração (Fing). Uma ironia para um setor que quer transformar nossas vidas.
[1] Não existe um valor global para o consumo de energia do digital a partir de medições diretas, mas apenas projeções feitas a partir de amostras representativas. Aqui, usamos principalmente dados do The Shift Project, cujos cálculos são baseados no método Andrae e Edler.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o XIX Simpósio Internacional IHU. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida, a ser realizado nos dias 19 a 21 de outubro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
XIX Simpósio Internacional IHU. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida.
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O insustentável crescimento do digital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU