Não é de hoje que a inserção de máquinas no cotidiano humano acaba gerando o temor da perda de emprego. Um exemplo disso é o próprio sistema bancário. Quem, até por volta de 1980, seria capaz de imaginar uma agência com apenas dois ou três funcionários e uma série de máquinas e dispositivos de autoatendimento? O economista Bruno Ottoni Eloy Vaz reconhece a similaridade entre esses processos do passado e o que temos vivido atualmente. “A Revolução 4.0 se assemelha ao que vivemos no passado no fato de que representa uma ameaça a muitos dos empregos existentes”, pontua, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Entretanto, ele destaca uma diferença que é crucial, muito particular em nosso tempo, das ondas de automação vividas anteriormente: “Será mais rápida do que a automação vivida no passado”. “Outra diferença da automação que devemos vivenciar nas próximas décadas é o fato de que ela terá um escopo maior do que inovações do passado. Isso quer dizer que a automação que está por vir será capaz de substituir empregos que no passado nunca estiveram ameaçados de serem substituídos por máquinas”, acrescenta.
O que o economista salienta é que não só haverá funções e trabalhos ameaçados pela automação como isso também se dará de uma forma muito mais rápida e abrangente. E se engana quem pensa que os trabalhos da indústria e mesmo do campo serão os mais atingidos pela automação da Revolução 4.0. “Até mesmo o setor de serviços, que costumava ser mais resistente à automação, irá sofrer bastante com a Revolução 4.0. Como esse setor é o que mais emprega no Brasil, aqui pode haver grande eliminação de postos de trabalho. Algumas profissões do setor de serviços que serão fortemente afetadas são: (i) garçons, (ii) motoristas (de táxi, van, ônibus e caminhão) e (iii) atendentes de hotéis”, projeta.
No entanto, Bruno reconhece que o Brasil ainda está num patamar muito inferior ao de países mais desenvolvidos no quesito automação 4.0. O grande número de desempregados atualmente, por exemplo, tem muito mais a ver com questões econômicas, pois o nível de investimento do Brasil na Revolução 4.0 ainda é muito pequeno. Por isso, aponta que a saída para preservar postos de trabalho não é conter ainda mais a automação no Brasil. “O governo deve, em primeiro lugar, resistir à tentação de frear a automação. A principal consequência dessas tentativas de frear a automação é a diminuição da produtividade relativa do trabalhador brasileiro”, sugere. E acrescenta: “Me parece importante que sejam criadas instituições capazes de ajudar na recolocação dos trabalhadores que eventualmente venham a ser substituídos pelas máquinas”.
Bruno Ottoni (Foto: FGV)
Bruno Ottoni Eloy Vaz é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Também é doutor e mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Ainda atuou como analista sênior do Instituto de Segurança Pública - ISP, professor do departamento de Economia da PUC-Rio e no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro - IBMEC-RJ.
Atualmente, trabalha como pesquisador do IDados, como pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas - IBRE/FGV e como professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. Entre suas publicações, destacamos “Efeito do Programa Bolsa Escola Sobre as Despesas das Famílias” (São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2016).
IHU On-Line – Tomando como base os estudos que o senhor realizou, como a chamada Revolução 4.0, especialmente a automação e a robotização, vem impactando o mercado de trabalho brasileiro?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – Ainda é difícil precisar como a automação vem impactando o mercado de trabalho brasileiro. Existem pouquíssimos estudos sobre esse tema. Em princípio, consigo pensar em três estudos. O primeiro apresenta evidência de que a automação aumentou a desigualdade brasileira, porém esse efeito encontrado no estudo ainda é pequeno. Mas esse estudo é mais antigo. É possível que estudos mais recentes encontrem efeitos mais expressivos da automação em termos de aumento da desigualdade.
O segundo analisa o efeito da automação sobre os salários dependendo do tipo de ocupação. Por um lado, esse estudo encontra que os salários têm aumentado para trabalhadores empregados em ocupações classificadas como não manuais e não rotineiras. Portanto, os salários brasileiros estariam aumentando para aqueles trabalhadores empregados em ocupações que exigem maior qualificação. Por outro lado, o referido estudo encontra que os salários estariam caindo para aqueles trabalhadores brasileiros empregados em ocupações classificadas como manuais e rotineiras. Logo, os salários brasileiros estariam caindo para trabalhadores empregados em ocupações que exigem menor qualificação.
O terceiro analisa o efeito da introdução, nas fábricas, dos chamados robôs industriais. Esses robôs têm algum grau de inteligência artificial e, portanto, estão inseridos na Revolução 4.0. O referido estudo encontra que a introdução dos robôs industriais, no Brasil, teve pouco efeito sobre os empregos brasileiros. Porém, a introdução de robôs industriais em outros países teve efeito sobre os empregos brasileiros, pois isso reduziu o emprego nas empresas exportadoras brasileiras.
IHU On-Line – Quanto ao alto índice de desemprego que vivemos hoje no Brasil, podemos relacionar as transformações do mundo do trabalho no contexto de uma Revolução 4.0?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – Difícil de saber com precisão. Mas, hoje, me parece que o desemprego brasileiro está muito mais relacionado aos efeitos da crise econômica que se abateu sobre o Brasil entre 2015 e 2016 do que à adoção de novas tecnologias. O Brasil está, inclusive, muito atrás do processo de automação que vem acontecendo no mundo (as medidas disponíveis para avaliar o avanço das novas tecnologias no Brasil sugerem que o país está realmente bem atrás na Revolução 4.0). Logo, parece pouco provável que os níveis atuais de desemprego sejam fortemente relacionados à introdução de novas tecnologias. O mais provável é que as novas tecnologias tenham pouca relação com os níveis atuais de desemprego.
IHU On-Line – Em termos de desenvolvimento tecnológico, automação e robotização, como está o Brasil num cenário internacional?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – O Brasil está bem atrás na Revolução 4.0. Os dados da Federação Internacional de Robótica, por exemplo, que acompanham o estoque de robôs industriais de diversos países, colocam o Brasil como estando na parte baixa dos rankings. Mais precisamente, o Brasil aparece na metade inferior do ranking de países quando é feita uma ordenação com base na quantidade de robôs industriais por milhares de trabalhadores.
IHU On-Line – Quais as ocupações mais ameaçadas pela tecnologia hoje no Brasil? E quais as que têm sofrido maiores transformações para se manterem num ambiente de Revolução 4.0?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – Em vez de citar quais as profissões mais ameaçadas pela tecnologia, prefiro citar as três características que tornam as ocupações menos suscetíveis a serem substituídas pela máquina. Mais precisamente, são menos suscetíveis a serem substituídas pela máquina aquelas ocupações que detêm as três seguintes características: (i) envolvem originalidade/criatividade, (ii) dependem fortemente de habilidades socioemocionais e (iii) necessitam de habilidades motoras finas, como andar em terreno acidentado ou retirar louças frágeis de uma mesa.
IHU On-Line – Trabalho na indústria, agricultura e pecuária ou setor de serviços, qual dessas áreas tem sido mais impactada pela Revolução 4.0? Por quê? E como a robotização tem agido em cada um desses setores no Brasil?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – A agropecuária já foi bastante afetada no passado. Vai ser afetada também pela Revolução 4.0, porém hoje esse setor detém uma parcela relativamente pequena dos empregos. Logo, os efeitos da automação sobre o setor agropecuário não são tão preocupantes em termos de potencial de eliminação de empregos.
A indústria deve ser bastante afetada pela Revolução 4.0. Esse setor ainda detém uma parcela razoável dos empregos brasileiros e com as novas tecnologias – como os robôs industriais mencionados anteriormente – deve haver grande perda de empregos nesse setor no futuro. Até mesmo o setor de serviços, que costumava ser mais resistente à automação, irá sofrer bastante com a Revolução 4.0. Como esse setor é o que mais emprega no Brasil, aqui pode haver grande eliminação de postos de trabalho. Algumas profissões do setor de serviços que serão fortemente afetadas são: (i) garçons, (ii) motoristas (de táxi, van, ônibus e caminhão) e (iii) atendentes de hotéis.
IHU On-Line – Segundo dados de seus estudos, 52 milhões de brasileiros terão seu trabalho ameaçado pelas máquinas nos próximos 10 ou 20 anos. O que fazer com essas pessoas? Como evitar que aumentem as fileiras de desempregados e desalentados?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – O governo deve, em primeiro lugar, resistir à tentação de frear a automação. A principal consequência dessas tentativas de frear a automação é a diminuição da produtividade relativa do trabalhador brasileiro. Ou seja, a proibição da eliminação dos frentistas, um exemplo de tentativa de frear a automação, tem como principal consequência a redução da produtividade dos trabalhadores empregados nos postos de combustíveis. Em segundo lugar, me parece importante que sejam criadas instituições capazes de ajudar na recolocação dos trabalhadores que eventualmente venham a ser substituídos pelas máquinas.
IHU On-Line – Em países em desenvolvimento, como no caso do Brasil, o risco de perda e eliminação de postos de trabalho em decorrência da robotização e automação é maior do que em países desenvolvidos? Por quê?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – Sim. Porque países em desenvolvimento têm uma proporção maior de trabalhadores menos qualificados, e trabalhadores menos qualificados são, geralmente, empregados em ocupações que são mais vulneráveis à automação.
IHU On-Line – Ao longo da história, a automação, especialmente na indústria, sempre foi vista como ameaça a postos de trabalho. No que as transformações que vivemos hoje, num cenário de Revolução 4.0, se assemelham e se dissociam das transformações e impactos do passado?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – A Revolução 4.0 se assemelha ao que vivemos no passado no fato de que representa uma ameaça a muitos dos empregos existentes. Mas difere no fato de que será mais rápida do que a automação vivida no passado. Outra diferença da automação que devemos vivenciar nas próximas décadas é o fato de que ela terá um escopo maior do que inovações do passado. Isso quer dizer que a automação que está por vir será capaz de substituir empregos que no passado nunca estiveram ameaçados de serem substituídos por máquinas.
IHU On-Line – Quais os desafios para preparar o profissional do futuro, assegurando sua empregabilidade?
Bruno Ottoni Eloy Vaz – O desafio será aprender a aprender. O profissional, no futuro, terá que se acostumar a viver em uma carreira de transições constantes. Nesse sentido, o novo profissional terá que se manter atento às novas oportunidades e sempre buscando qualificações adicionais que ajudem a conquistar as novas vagas identificadas.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o XIX Simpósio Internacional. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida, a ser realizado nos dias 19 a 21 de outubro de 2020, no Campus da Unisinos Porto Alegre.
XIX Simpósio Internacional. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida.