28 Novembro 2019
A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT juntam-se hoje ao coro de indignação que se levanta em todos os cantos do país, diante da anunciada intenção do presidente Jair Bolsonaro de criar uma Garantia da Lei e da Ordem – (GLO) do campo, para autorizar a intervenção federal quando governadores estaduais protelarem a execução de mandados judiciais de reintegração de posse. Assim atenderia ao acordo feito com os grileiros, fazendeiros, madeireiros e milicianos rurais, incomodados pela demora na execução dos mandados.
A nota é publicada por Comissão Pastoral da Terra, 27-11-2019.
O presidente taxa os que lutam para defender ou conquistar um pedaço de terra para trabalhar, como “marginais que invadem uma propriedade rural”. Os indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras rurais, bem como os sem-terra vivem dias nefastos e sob constante insegurança. Isto é o que quer o presidente, submisso aos interesses ruralistas: atropelar prerrogativas estaduais e garantir impunidade a policiais e militares que alvejarem pessoas em reintegração de posse de propriedades rurais ocupadas ou já com posse efetiva. É uma licença para matar! Seria estender ao campo o projeto de lei enviado ao Congresso no dia 21/11 que tem o objetivo de isentar de punição agentes de segurança que cometerem crimes e excessos durante outras operações de GLO (“excludente de ilicitude”).
O apelo a este incremento da violência do Estado corresponde às pressões do capital agrário e minerário pela expansão sem freios dos seus empreendimentos danosos contra a terra, a água, a floresta e as pessoas. Até um novo AI-5 tem sido reiteradamente aventado como meio de entregar o prometido pelo capitão-presidente aos que bancaram sua viciada eleição.
Repudiamos o desmonte contínuo das instituições que garantem os direitos das e dos cidadãos, neste caso proposto com a intervenção federal na esfera estadual. O dever principal do Estado em cada esfera é de garantir a integridade física das pessoas. O atual Presidente da República propõe utilizar a força do Estado para garantir os interesses do capital e a propriedade privada.
No último sábado, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria em que informa que há engavetados 66 projetos de assentamentos que cumpriram todas as etapas legais exigidas e estão prontos para serem executados, só falta a assinatura do presidente. No entanto, nenhum deles foi assinado até o momento e, consequentemente, nenhuma família foi assentada. Ao mesmo tempo há um projeto de lei do deputado Eduardo Bolsonaro, que visa descaracterizar a função social da propriedade da terra, para favorecer os grandes proprietários.
Neste contexto também cresce a violência do Estado contra os povos do campo. Na segunda-feira (25) deu-se o despejo de 700 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST na Bahia, que, desde 2012, cultivavam a terra nos acampamentos Abril Vermelho, no Projeto Salitre, em Juazeiro (BA), e Irmã Dorothy e Iranir de Souza, no Projeto Nilo Coelho, em Casa Nova (BA), áreas públicas da estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF.
Os despejos foram violentos, apesar de a Polícia Federal ter dito em nota que a desocupação ocorreu de maneira pacífica em todas as áreas. A PM ignorou a Resolução No. 10 de 2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que trata exclusivamente dos despejos, e violou os direitos humanos das pessoas nos acampamentos.
A ação teve início ainda na madrugada, quando foram jogadas sobre os acampados bombas de gás e utilizado spray de pimenta. As casas foram destruídas, trabalhadores ficaram feridos e as famílias estão sem ter para onde ir. Muitas crianças e idosos acordaram com falta de ar por conta da fumaça e chegaram a desmaiar. Isso mostra o total desrespeito das forças policiais às recomendações que, após o Massacre de Eldorado dos Carajás – PA, em 1997, foram determinadas a esses tipos de operações. Recomendações essas que a GLO do campo, de Bolsonaro, quer suprimir.
A CPT se pergunta: até quando os pobres desta terra serão vistos e tratados como potenciais infratores das leis que precisam ser combatidos e contidos à força, quando na verdade são cidadãos portadores de direitos, inclusive à propriedade, produzem os alimentos saudáveis que comemos e cuidam das águas, das matas e da qualidade do meio-ambiente da qual todos dependemos para viver?
Assim como Deus se fez presente no meio do seu povo, indo com ele para o exílio e, por fim, perseguido e crucificado em Jesus Cristo, acreditamos que a sua presença continua viva e atuante junto às sofredoras e sofredores deste mundo.
Goiânia, 25 de novembro de 2019.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Governo cede aos ruralistas e ameaça vida no campo. Nota da Comissão Pastoral da Terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU