09 Novembro 2019
"Dia 05 de novembro de 2015, a sexta-feira da paixão da Bacia do ex-rio Doce no altar do mercado idolatrado que mata rio, mata peixe, mata gente e tudo o que encontra pela frente. Ao celebrarmos com ‘luto e luta’ os quatro anos desse crime/tragédia de proporções inimagináveis, precisamos prestar atenção sobre o tamanho da devastação socioambiental que esse crime/tragédia vem causando de forma continuada", escreve Gilvander Moreira, frei e padre da Ordem dos Carmelitas.
Frei Gilvander é doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
(Foto: Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)/Divulgação)
O dia 05 de novembro de 2015 entrou para a história como o dia do maior crime/tragédia socioambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo: o crime das mineradoras VALE/Samarco/BHP e do Estado acontecido a partir de Bento Rodrigues, no município de Mariana, MG, com o rompimento da barragem de Fundão, que despejou abruptamente 55 milhões de toneladas de lama tóxica – rejeito de mineração – na calha do ex-rio Doce, matando instantaneamente 19 pessoas, milhões de peixes etc. Dia 05 de novembro de 2015, a sexta-feira da paixão da Bacia do ex-rio Doce no altar do mercado idolatrado que mata rio, mata peixe, mata gente e tudo o que encontra pela frente. Ao celebrarmos com ‘luto e luta’ os quatro anos desse crime/tragédia de proporções inimagináveis, precisamos prestar atenção sobre o tamanho da devastação socioambiental que esse crime/tragédia vem causando de forma continuada. O crime continua se reproduzindo e, pior, aumentando. A impunidade também só cresce. Há um silenciamento que insiste no esquecimento. Fala-se do crime/tragédia da Vale e do Estado a partir de Córrego de Feijão, em Brumadinho, dia 25 de janeiro de 2019, mas não podemos deixar cair no esquecimento o crime/tragédia que se abateu sobre toda a Bacia do ex-rio Doce. Eis alguns dados imprescindíveis para as análises e para subsidiar a luta pela superação desse imenso rastro de devastação.
Do tamanho de Portugal, a Bacia do ex-rio Doce está localizada na região leste de Minas Gerais e deságua no norte do estado do Espírito Santo; é a 5ª maior bacia hidrográfica do Brasil com 850 quilômetros de extensão; nela vivem 3,5 milhões de habitantes e bilhões de outros seres vivos da biodiversidade. Na bacia, acima de 350 mil pessoas estão em grave insegurança hídrica e alimentar sem poder usar a ‘água vermelha’ do ex-rio Doce que está com lama tóxica. Existem 377 mil nascentes em toda a bacia e estão todas sendo matadas pela monocultura do eucalipto, pecuária extensiva e por projetos de mineração. Os 55 milhões de metros cúbicos - equivalentes a 20 mil piscinas olímpicas - de lama tóxica jogados no ex-rio Doce destruíram as 120 mil nascentes que existiam nas margens do ex-rio Doce e nos mangues na foz, no Espírito Santo. Mais de 11 toneladas de peixes foram mortos e a reprodução de peixe foi extinguida. O crime acabou com a possibilidade de se usar a areia do ex-rio Doce para a construção civil e amputou a as condições de vida das comunidades ribeirinhas, de pescadores e de assentamentos da reforma agrária. Além das 19 pessoas assassinadas instantaneamente, nos últimos quatro anos morreram muito mais pessoas por depressão, por ataque cardíaco ou por briga por migalhas de água.
Em conluio com as mineradoras, por um dos seus braços que é o Poder Judiciário, o Estado permitiu que as mineradoras criminosas continuassem cuidando da cena do crime, fazendo paliativos e postergando infinitamente o pagamento das necessárias indenizações e o atendimento às justas reivindicações dos milhares de famílias que não foram apenas atingidas, mas golpeadas. Por meio do poder judiciário, o Estado se colocou de joelhos diante das mineradoras ao conceder autorização judicial para se criar a Fundação Renova, que é a mineradora Samarco travestida de fundação. O justo seria confiscar os bilhões de reais necessários das mineradoras VALE/Samarco/BHP e repassar diretamente para as entidades da Sociedade Civil organizada para, com acompanhamento do Ministério Público e da Defensoria Pública, empreender assistência técnica autônoma, encaminhar o pagamento com urgência de todas as indenizações devidas e implementar os melhores projetos de resgate e revitalização de toda a Bacia do ex-rio Doce que foi sacrificada por uma máquina de moer vidas.
Não podemos esquecer a infame flexibilização das leis de licenciamento ambiental promovida em regime de urgência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sob liderança do ex-governador Fernando Pimentel, logo após o início do crime/tragédia a partir de Bento Rodrigues. Alertamos também que após muita luta dos movimentos socioambientais e sob a comoção do crime/tragédia que ocorreu a partir de Brumadinho, o projeto de lei “mar de lama” aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais ainda faculta às mineradoras o autocontrole e a autofiscalização, o que deixa a porta aberta para a produção de outros crimes.
Repudiamos também a autorização que o Governo de Minas Gerais concedeu para a Samarco voltar a explorar minério em Bento Rodrigues, pois significa apunhalar novamente os povos e a bacia do ex-rio Doce. Não esqueçamos: a) há mais de 700 barragens de rejeitos de minério em Minas Gerais e a maioria com risco de rompimento; b) a cidade de Belo Horizonte e sua Região Metropolitana estão em aguda crise hídrica e com os dias contados para entrar em colapso hídrico, devido também ao assassinato do rio Paraopeba pelo crime/tragédia da Vale e do Estado, a partir de 25 de janeiro de 2019.
No Evangelho de Jesus Cristo e em documentos do Concílio Vaticano II há um alerta elementar: prestem atenção nos sinas dos tempos. Acrescento: Ouçamos os sinais dos lugares e dos territórios sacrificados pela mineração: os povos de Minas Gerais e os seres vivos da biodiversidade só terão futuro se a mineração e as monoculturas forem reduzidas a um mínimo necessário. Honremos os mortos vítimas das mineradoras e do Estado, na luta para vencermos a guerra que as mineradoras estão fazendo contra a mãe terra, a irmã água, os povos e todos os seres vivos.
Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 - Denúncia comovente/Marino/crime/SAMARCO/VALE/BHP/ESTADO/Audiência Pública da ALMG. Parte I/Vídeo 2
2 - "Crimes da VALE pioram com o passar do tempo" (Marino)/Audiência Pública/ALMG/MG. II parte/Vídeo 3
3 - Depoimento de Marino - 1a Parte - Seminário Ecoteologia e Mineração - Mariana/MG - 06/11/2017
4 - Depoimento de Marino (2a Parte): Ecoteologia e Mineração - Crime da Vale, Mariana/MG - 06/11/2017
5 - Depoimento de Marino - 3a Parte- Seminário de Ecoteologia e Mineração - Mariana/MG - 06/11/2017
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Paixão na bacia do ex-rio Doce: crime e impunidade crescem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU