06 Novembro 2019
“O encontro da Conferência dos Bispos dos EUA não será nada parecida com o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Isso é muito ruim, mas reflete o estado da hierarquia dos EUA.”
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 03-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando os bispos dos EUA se reunirem para o seu encontro anual em Baltimore na próxima semana, eles podem seguir o exemplo do Sínodo vaticano recentemente encerrado sobre a região amazônica.
Existem seis grandes diferenças entre o Sínodo, que se reuniu em Roma, de 6 a 27 de outubro, e o encontro de três dias da Conferência dos Bispos dos EUA, que começa no dia 11 de novembro.
Primeiro, os bispos da Amazônia e dos EUA são muito diferentes em termos de experiência, estilo e perspectiva.
Os bispos da Amazônia provêm de dioceses grandes, mas pobres, com poucos padres e muita gente. Ser bispo na Amazônia não é um trabalho de status especialmente elevado na Igreja.
Muitos desses bispos não se preocupam em usar trajes clericais e tendem a sujar os sapatos ao visitarem o povo. Eles também são atacados por defenderem profeticamente a floresta tropical e a sua opção preferencial pelos pobres. Eles estão firmemente do lado do Papa Francisco.
Os bispos estadunidenses, por outro lado, vivem um estilo de vida confortável de classe média. Muitos estão com os armários cheios de paramentos clericais e estão mais interessados nas guerras culturais do que em ajudar os pobres.
Eu diria que cerca de um terço dos bispos estadunidenses são partidários entusiasmados de Francisco; outro terço espera que ele vá rumo à sua recompensa eterna, para que a Igreja possa ter um papa de verdade; e o terço final está simplesmente confuso, tendo crescido sob os papas João Paulo II e Bento XVI, e sem saber como entender Francisco.
Segundo, o Sínodo se reuniu por três semanas em Roma na presença de Francisco. A Conferência dos Bispos dos EUA se reunirá em Baltimore por três dias sem Francisco.
Um Sínodo dos Bispos dos EUA reunidos em Roma por três semanas certamente lhes daria a oportunidade de lidar com questões que a Igreja dos EUA enfrenta com maior profundidade. Uma breve reunião em Baltimore não será capaz de realizar para os EUA aquilo que o Sínodo realizou para a Amazônia. O Sínodo dos Bispos dos EUA também se beneficiaria com a sabedoria e a experiência de Francisco.
Terceiro, antes do Sínodo se reunir em Roma, houve um amplo processo de consulta que permitiu que milhares de pessoas da Amazônia tornassem públicas as suas ideias e preocupações.
Não houve uma consulta semelhante com os católicos dos EUA antes da próxima reunião, embora, no passado, os bispos dos EUA tenham consultado com sucesso especialistas e leigos antes de escrever as suas cartas pastorais sobre paz e economia.
Eles sabem claramente como consultar os fiéis; eles simplesmente não querem fazer isso.
Quarto, além dos bispos, Francisco convidou leigos e especialistas para participar do Sínodo.
Embora esses homens e duas mulheres (muitos indígenas) não pudessem votar, eles participaram de todas as outras formas, fazendo discursos à assembleia e participando igualmente das discussões nos pequenos grupos. As pessoas na sala sinodal disseram que os bispos prestavam mais atenção à contribuição desses leigos do que aos cardeais curiais.
Quinto, o Sínodo focou em três questões que são cruciais para a Amazônia e o seu povo: a proteção da floresta tropical, os direitos humanos dos povos indígenas e a inculturação do catolicismo no contexto amazônico.
A Conferência dos Bispos precisa se concentrar em temas semelhantes e pertinentes aos EUA.
Os bispos dos EUA ainda não tiveram uma extensa discussão sobre como lidar com o aquecimento global e outras questões descritas na encíclica papal Laudato si’, de 2015. As mudanças climáticas são a questão moral mais importante do século XXI, e a atenção superficial dos bispos a elas é inaceitável. Os bispos da Amazônia deixaram claro que, independentemente do que eles fizerem, a menos que os países desenvolvidos – especialmente os EUA – mudem seus estilos de vida, a floresta tropical e o planeta estão condenados.
Dado o dano que o gado causa ao meio ambiente, os bispos poderiam trazer de volta as sextas-feiras sem carne e a abstinência de carne durante a Quaresma? Em cerimônias litúrgicas, poderíamos parar de usar ouro e diamantes, cuja mineração tem um impacto tão desastroso sobre o ambiente e os povos indígenas? Os bispos estão dispostos a desinvestir em indústrias extrativas nos portfólios da Igreja, como recomendado pelo Sínodo? A Igreja dos EUA pode se tornar neutra em carbono? O poder de lobby da Igreja pode ser usado para apoiar políticas para parar o aquecimento global?
Todas essas perguntas deveriam ser discutidas nas reuniões dos bispos dos EUA.
Tampouco é certo que os bispos permaneçam em silêncio quando o governo Trump abandona a proteção dos direitos humanos dos seus objetivos de política externa. Os bispos criticaram as políticas de Trump em comunicados de imprensa, mas não investiram os mesmos recursos nesses esforços quanto os que investiram contra o aborto, o casamento gay e a liberdade religiosa.
Os bispos dos EUA também precisam de uma discussão séria sobre como inculturar o catolicismo em um país multicultural como os EUA de hoje. A liturgia atual não está conectada com os jovens, que acham entediantes a maioria dos ritos dominicais. A obsessão com o aborto, o casamento gay e os direitos da Igreja estão afastando os jovens, que veem a Igreja alinhada com os evangélicos brancos e apoiando o Partido Republicano.
Os bispos precisam discutir como implementar no contexto dos EUA a encíclica de Francisco sobre a evangelização, Evangelii gaudium, de 2013.
Como primeiro passo, os bispos precisam obter a permissão para usar a tradução da missa da English Language Liturgical Consultation de 1998 (disponível aqui, em inglês), que é muito melhor do que a usada atualmente.
Também deveria haver uma discussão aberta sobre padres casados e diáconas, como ocorreu no Sínodo, mesmo que, apesar do apoio de quase 70% dos católicos estadunidenses aos padres casados, de acordo com uma pesquisa da CBS News, eu duvido que os bispos dos EUA estejam dispostos a promover essa discussão.
Por fim, o processo sinodal também tem lições para os bispos dos EUA.
Para Francisco, a sinodalidade envolve ter conversas nas quais escutar é mais importante do que falar. Envolve escutar o povo de Deus e uns aos outros. É um processo de discernimento que envolve oração e a busca humilde do caminho de Deus juntos. É um processo em que os fatos importam, e as ideologias devem ser postas de lado. É uma jornada que começa com cada bispo em sua diocese, mas continua quando os bispos se reúnem e, depois, tem uma vida após o encontro.
O processo sinodal é mais importante do que qualquer documento. É um modo de ser Igreja.
Venho cobrindo os Sínodos dos Bispos desde o primeiro Sínodo sobre a família em 1980, embora eu não tenha estado em todos eles. O Sínodo mais recente foi de longe o melhor em termos de abertura de discussão e de disponibilidade dos bispos de procurar novas maneiras de lidar com as questões.
Os participantes falaram a partir das suas experiências pessoais sobre o que haviam visto ser feito na floresta tropical e entre os povos indígenas. Eles não estavam interessados em debater os detalhes da teologia, mas sim em encontrar soluções pastorais para problemas reais, como a ausência da Eucaristia em muitas partes da Amazônia.
Eu receio que os bispos dos EUA não estão prontos para seguir o caminho sinodal. Muitos conservadores acreditam que, se simplesmente voltarmos às antigas formas de fazer as coisas, tudo ficará bem. Eles estão presos no passado e aprisionados por ideologias que não os deixam pensar fora da caixa. São aqueles que esperam que Francisco morra para que um novo papa possa pôr a Igreja em ordem novamente.
Os bispos progressistas parecem ter desistido da Conferência dos Bispos dos EUA (USCCB, na sigla em inglês). Aqueles que foram indicados para concorrer à presidência da USCCB se recusaram a concorrer. Eles têm pouca confiança na Conferência do modo como está operando atualmente. Eles não têm votos para uma mudança de direção, por isso decidiram ignorar a Conferência e se concentrar em suas próprias dioceses e naquilo que está acontecendo em Roma.
Em seu encontro em Baltimore, os bispos discutirão um documento sobre a formação sacerdotal, mas, enquanto os bispos não estiverem dispostos a explodir os seus seminários e a enviar os seus seminaristas para estudar nas universidades católicas ao lado de estudantes leigos, eles continuarão criando uma casta clerical que está fora de contato com os seus pares.
Os seminários também precisam contar com professores competentes e diretores espirituais que estejam a bordo da direção à qual Francisco está guiando a Igreja. Muitos jovens padres estadunidenses se opõem a Francisco.
Acontecerá algo bom na reunião em Baltimore. O arcebispo José H. Gómez, que é o vice-presidente da Conferência dos Bispos, será eleito presidente. O fato de o presidente da Conferência dos Bispos dos EUA ser um imigrante mexicano envia uma mensagem não apenas aos católicos hispânicos, mas também ao governo Trump, que demonizou os imigrantes e refugiados.
Eu gostaria de estar errado, mas o encontro da Conferência dos Bispos dos EUA não será nada parecida com o Sínodo dos Bispos. Isso é muito ruim, mas reflete o estado da hierarquia dos EUA.
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O que os bispos dos EUA podem aprender com o Sínodo da Amazônia. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU