06 Novembro 2019
“O único caminho a seguir, a única forma de salvar nosso planeta e nossa civilização é um renascimento da história. Devemos revitalizar o Iluminismo e nos comprometer novamente a honrar seus valores de liberdade, respeito pelo conhecimento e a democracia”, escreve Joseph Stiglitz, economista e prêmio Nobel da Economia de 2001, em artigo publicado por Criterio.hn, 04-11-2019. A tradução é do Cepat.
No final da Guerra Fria, o cientista político Francis Fukuyama escreveu um famoso ensaio intitulado O fim da história? O colapso do comunismo, argumentou, eliminaria o último obstáculo que separa o mundo inteiro de seu destino da democracia liberal e economia de mercado. Muitas pessoas concordaram. Durante 40 anos, as elites nos países ricos e pobres prometeram que as políticas neoliberais conduziriam a um crescimento econômico mais rápido e que as taxas de lucro seriam reduzidas para que todos, inclusive os mais pobres, ficassem melhor.
Agora, que a evidência está disponível, é de se estranhar que a confiança nas elites e na democracia tenham se desmoronado? Hoje, quando enfrentamos uma retirada da ordem global liberal baseada em regras, com governantes autocráticos e países líderes demagogos, que contêm mais da metade da população mundial, a ideia de Fukuyama parece pitoresca e ingênua.
Contudo, reforçou a doutrina econômica neoliberal que prevaleceu nos últimos 40 anos. A credibilidade da fé do neoliberalismo nos mercados sem restrições como o caminho mais seguro para a prosperidade compartilhada é o suporte vital nesses dias. Bom, deveria ser. A diminuição simultânea da confiança no neoliberalismo e na democracia não é coincidência, nem mera correlação.
O neoliberalismo minou a democracia durante 40 anos. A forma de globalização prescrita pelo neoliberalismo deixou indivíduos e sociedades inteiras incapazes de controlar uma parte importante de seu próprio destino, como Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, explicou com tanta clareza, e como sustento em meus livros recentes: A Globalização e seus Malefícios (Editora Futura, 2002) e Pessoas, Poder e Lucro (Editora Bertrand, 2019).
Os efeitos da liberalização do mercado de capitais foram particularmente odiosos: se um candidato presidencial líder em um mercado emergente perdesse o favor de Wall Street, os bancos retirariam seu dinheiro do país. Os eleitores enfrentaram uma cruel escolha: ceder a Wall Street ou enfrentar uma grave crise financeira. Era como se Wall Street tivesse mais poder político do que os cidadãos do país.
Mesmo nos países ricos, foi dito aos cidadãos comuns: “Não podem seguir as políticas que desejam”, seja proteção social adequada, salários dignos, impostos progressivos ou um sistema financeiro bem regulamentado, “porque o país perderá competitividade, empregos desaparecerão e assim sofrerão”.
Tanto nos países ricos como nos pobres, as elites prometeram que as políticas neoliberais conduziriam a um crescimento econômico mais rápido e que as taxas de lucro seriam reduzidas para que todos, inclusive os mais pobres, ficassem melhor. No entanto, para chegar lá, os trabalhadores teriam que aceitar salários mais baixos e todos os cidadãos teriam que aceitar cortes em importantes programas governamentais.
As elites afirmaram que suas promessas se basearam em modelos econômicos científicos e em “pesquisas baseadas em evidências”. Bom, depois de 40 anos, os números estão assim: o crescimento desacelerou e os frutos desse crescimento foram esmagadoramente muito poucos e no topo. Na medida em que os salários estagnaram e o mercado de ações disparou, os ingressos e a riqueza aumentaram, em vez de diminuir.
Como pode a moderação salarial, para alcançar e manter a competitividade, e a redução dos programas governamentais, possivelmente, se conciliar com níveis de vida mais altos? Os cidadãos comuns sentiam que lhes haviam vendido uma lista de bens. Tinham razão em se sentir enganados. Agora, estamos experimentando as consequências políticas desse grande engano: a desconfiança nas elites, na “ciência” econômica em que se baseava o neoliberalismo e no sistema político corrupto pelo dinheiro que o tornou possível.
A realidade é que, apesar do seu nome, a era do neoliberalismo estava longe de ser liberal. Impôs uma ortodoxia intelectual, cujos guardiões eram completamente intolerantes à dissidência. Os economistas com visões heterodoxas foram tratados como hereges para serem rejeitados ou, na melhor das hipóteses, desviados para algumas instituições isoladas.
O neoliberalismo se parecia um pouco com a “sociedade aberta” que Karl Popper havia defendido. Como George Soros enfatizou, Popper reconheceu que nossa sociedade é um sistema complexo e em constante evolução, no qual quanto mais aprendemos, mais o comportamento do sistema muda o nosso conhecimento.
Em nenhum lugar essa intolerância foi maior do que na macroeconomia, onde os modelos predominantes descartaram a possibilidade de uma crise como a que experimentamos em 2008. Quando o impossível aconteceu, foi tratada como se fosse uma inundação de 500 anos, uma ocorrência anormal que nenhum modelo poderia ter previsto.
Ainda hoje, os defensores dessas teorias se negam a aceitar que sua crença nos mercados autorregulados e sua rejeição das externalidades como inexistentes e sem importância conduziram à desregulamentação que foi fundamental para alimentar a crise.
A teoria continua sobrevivendo, com tentativas problemáticas de se ajustar aos fatos, o que atesta a realidade de que as ideias ruins, uma vez estabelecidas, muitas vezes, têm uma morte lenta. Se a crise financeira de 2008 não nos fez perceber que os mercados sem restrições não funcionam, a crise climática certamente deveria: o neoliberalismo literalmente colocará fim em nossa civilização.
Mas, também está claro que os demagogos que querem que viremos as costas para a ciência e a tolerância só pioram as coisas. O único caminho a seguir, a única forma de salvar nosso planeta e nossa civilização é um renascimento da história. Devemos revitalizar o Iluminismo e nos comprometer novamente a honrar seus valores de liberdade, respeito pelo conhecimento e a democracia.
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O fim do neoliberalismo e o renascimento da história. Artigo de Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU