18 Outubro 2019
Tecnologias testadas enfrentam dificuldades impostas pela dinâmica de alagamentos da várzea, ecossistema amazônico, e também por questões culturais.
Segundo levantamentos da ONU, cerca de 30% da população mundial não tem acesso adequado a água limpa e a serviços de saneamento e 12% ainda praticam a defecação à céu aberto. O acesso inadequado a estes serviços básicos gera, diariamente, milhares de mortes por doenças evitáveis.
A reportagem é de Júlia de Freitas, publicada por Instituto Mamirauá , 09-10-2019.
No Brasil, as dificuldades de acesso à água potável não são uma particularidade do sertão nordestino. No interior da Amazônia, milhares de comunidades também sofrem com o problema. O motivo, entretanto, é paradoxalmente oposto ao principal problema enfrentado no semiárido, carente de fontes naturais de água. Em certas regiões do bioma amazônico afastadas dos grandes centros urbanos, a complicação é o excesso de água.
Isso acontece em áreas de várzea, ecossistema cuja dinâmica de cheias e secas faz milhares de comunidades ribeirinhas se constituírem de casas adaptadas, como flutuantes e palafitas que ficam sob a água durante boa parte do ano.
O estudo “Challenges for water supply and sanitation in riverine communities of central amazon floodplains” do Instituto Mamirauá analisa as principais dificuldades encontradas na busca por soluções para o acesso à água potável e saneamento básico na região de várzea do Médio Solimões, na Amazônia Central.
O principal objetivo do estudo foi avaliar os erros e acertos das tecnologias testadas para assim, se buscar novas soluções. O trabalho é de autoria dos pesquisadores Leonardo Capeleto de Andrade, João Paulo Borges Pedro e Maria Cecília Gomes.
O acesso à água superficial depende do nível dos rios mais próximos, que varia de acordo as secas e cheias na região.
Durante a época da seca, a água do rio vai para longe das casas e durante a cheia pode chegar a entrar nas mesmas, o que torna impossível qualquer método de captação de água fixo e dificulta a perfuração de poços.
A qualidade também muda. Na seca, há maior concentração de sedimentos orgânicos, peixes e outros animais nos rios, o que pode tornar a água de aspecto esverdeado e com cheiro desagradável – imprópria para consumo humano e para banho.
Por isso, nesta época, os ribeirinhos buscam a água em córregos – em jornadas que podem levar mais de uma hora e feitas, em geral, por mulheres e crianças.
Desde a década de 1980, diferentes tecnologias vêm sendo implementadas na região para resolver a questão.
Poços com bombas manuais, por exemplo, exigem grande esforço físico e bombas com motor exigem combustível ou energia elétrica, cujo acesso nas comunidades é limitado a algumas horas por dia e proveniente de geradores movidos (também) por combustíveis como diesel e gasolina.
Ainda, a água subterrânea na região costuma ser inadequada devido à concentração natural de ferro acima do limite de potabilidade.
Como alternativa, o Instituto Mamirauá elaborou e implementou um sistema de abastecimento de água por energia solar, fonte de energia barata e sustentável.
No entanto, custos de instalação do sistema, estocagem, tratamento e distribuição da água ainda são desafios a serem superados.
Além disso, ainda é necessário o tratamento para eliminação de patógenos, agentes de doenças infecciosas.
“Os desafios nesse tratamento são acesso a equipamentos, produtos e treinamento de uso e também custos. O cloro, por exemplo, gera sabor e odor na água; filtros de areia podem não ser muito eficientes e ainda exigem manutenção recorrente, e filtros cerâmicos, conhecido como filtro de vela, são de difícil acesso nesta região. Existem vários métodos, com prós e contras, que esbarram nessas questões”, explica o engenheiro ambiental Leonardo Capeleto, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Inovações Tecnológicas (GPIDATS) do Instituto Mamirauá, uma organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Diretamente relacionado à qualidade da água, o saneamento básico deficiente na região da Amazônia Central perpassa mais por questões culturais.
“Enquanto os desafios de abastecimento de água na várzea amazônica são específicos a esse ambiente, os desafios em saneamento são muito comuns em todo o mundo”, atesta o estudo. “É normal e natural que as pessoas não queiram lidar com os próprios dejetos”, afirma Leonardo.
Os sanitários secos são uma alternativa ecológica à defecação à céu aberto, prática ainda comum na região e que, além da poluição, implica em sérios riscos à saúde das populações. “Apesar disso, os ribeirinhos dão preferência a descarga, como nos centros urbanos”, explica.
O problema é que, diferentemente dos sanitário secos, as descargas demandam maiores custos em obras, acesso constante à água e também gera maior quantidade de resíduos para tratamento.
Por isso, defende o pesquisador, “é necessário adaptar os projetos de água às realidades locais, tanto ambientais quanto culturais e assim gerar tecnologias ambientais que sejam adequadas para e apropriadas pelos ribeirinhos amazônicos”.
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As dificuldades de acesso à água potável e saneamento básico na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU