Para Rodrigo Petronio, Vilém Flusser pode ser lido como um “eu empírico”. Isso porque ele vai constituir suas reflexões para além de uma fenomenologia, colocando-se dentro dela e traçando também linhas correlacionais. Por isso, considera que no autor ainda reside “um eu existencial e suspenso, um eu que emerge depois das diversas depurações antinaturais da empiria, possibilitadas pela fenomenologia”. “Flusser se apoiou no correlacionismo da consciência, proposto pela fenomenologia, e dele derivou uma consciência do correlacionismo”, detalha na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. É assim, segundo Petronio, que Flusser consegue “criar uma ontologia dos meios, das relações e das mediações que transcende o estatuto conscienciológico da fenomenologia”. Ou, de outra forma, pode-se dizer que o autor vai conceber um existencialismo que não se reduz ao sujeito, mas se dá por meio da relação entre o ser humano e os meios.
O fruto de todo esse processo gera uma reflexão muito própria acerca dos media. “Flusser se valeu do método fenomenológico, presente em suas primeiras obras, para escavar e edificar uma teoria dos media e uma ontologia das relações, bem como para conceber também uma ontologia das linguagens, ou seja, dos processos de codificação e decodificação, de abstração e de concretização, de mediações e de tecnologias que constituem o que chamamos de realidade e que presidiram a emergência do sapiens”, explica. O professor ainda detalha que essa análise dos media, não só como meio, mas como aquilo que gera algo a partir de um fenômeno, estabelece diálogos com a cibernética e com as teorias da informação e da comunicação. “Por isso, não podemos demarcar uma ruptura nesse continuum de sua reflexão. Pelo contrário, torna-se cada vez mais urgente compreender essa formação inicial nas ontologias, filosofias da existência e fenomenologias do começo do século XX para compreendermos melhor a revolução cognitiva das obras de Flusser relativas aos media e às tecnologias”, acrescenta.
Rodrigo Petronio (Foto: TV Brasil)
Rodrigo Petronio é escritor e filósofo e atualmente é professor titular da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP. Desenvolve pós-doutorado no Centro de Tecnologias da Inteligência e Design Digital - TIDD/PUC-SP sobre a obra de Alfred North Whitehead e as ontologias e cosmologias contemporâneas. Ainda é doutor em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. Possui dois mestrados: em Ciência da Religião, pela PUC-SP, sobre o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, e em Literatura Comparada, pela UERJ, sobre literatura e filosofia na Renascença. Entre suas publicações de poemas, destacamos História Natural (São Paulo: Gargântua, 2000), Assinatura do Sol (Lisboa: Gêmeos R, 2005), Pedra de Luz (Lisboa: A Girafa, 2005), entre outros. Divide com Rodrigo Maltez Novaes a coordenação editorial das Obras Completas do filósofo Vilém Flusser pela Editora É, que prevê a publicação dos primeiros 20 títulos entre 2018-2020.
IHU On-Line – Quem foi Vilém Flusser?
Rodrigo Petronio – Vilém Flusser foi um dos maiores pensadores, ensaístas e filósofos do século XX. Ao dizer isso, não me refiro apenas ao Brasil. Falo em termos mundiais. Judeu tcheco, deixou Praga por causa da guerra e da perseguição aos judeus, depois de ter parte de sua família assassinada nos campos de concentração. Foi primeiro para a Inglaterra e depois migrou para o Brasil, onde viveu ao longo de 32 anos. Em São Paulo, dialogou infatigavelmente com todos os círculos intelectuais, independente das orientações filosóficas e ideológicas, com uma liberdade de pensamento que o levava a criticar duramente até mesmo seus melhores amigos, o que lhe rendeu a alcunha de polemista e debatedor cruel. Foi o fundador da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, onde sou professor titular e cujo Departamento de Comunicação leva seu nome, algo de que tenho muito orgulho. Trabalhou também como professor de Filosofia da Ciência na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP, a convite de Milton Vargas [1], um dos seus maiores e mais fiéis amigos e interlocutores ao longo de toda vida.
Ministrava palestras em diversos espaços culturais e também atuou como jornalista, com colaborações frequentes para o Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo. Embora tenha escrito em português algumas de suas obras mais importantes, Flusser se valia de quatro línguas para a filosofia: francês, inglês, alemão e português. Mais do que um simples virtuosismo de linguagem, o processo de tradução e, nesse caso, de intratradução, foi para Flusser uma grande ferramenta ontológica e epistemológica. Por meio de um confronto constante entre as diversas acepções de palavras, frases, sentenças, verbos e substantivos, acabava alterando alguns conceitos e mesmo alguns termos nucleares de seu pensamento. Não por acaso, uma de suas primeiras obras se intitula Língua e Realidade (1963).
Em uma inusitada conexão entre Heidegger [2] e Wittgenstein [3], entre filosofia analítica, fenomenologia e ontologia, Flusser parte do seguinte axioma: as línguas são mitos que fundam mundos. Flusser se apoia na noção do duplo espelhamento entre linguagem e natureza, proposto por Wittgenstein para pensar os estados de coisa e os mundos declinados (casos) dentro da linguagem. Linguagem e natureza seriam lâminas que correm paralelas, espelham-se e nunca se tocam. Também parte da relação de instauração originária entre ser e linguagem, proposta por Heidegger.
Entretanto, Flusser subverte ambas as matrizes. Não existiria a linguagem, homogênea, transparente e universal, de que fala Wittgenstein e os analíticos. Tampouco haveria o ser, infenso às impurezas e mediações das diversas línguas que o declinam, como queria Heidegger. Haveria uma multiplicidade de mundos declinados, conforme o caso em questão, na sintaxe e na semântica de cada língua. Se o mundo é uma abertura desocultante interno a cada língua, haverá tantos mundos quantas línguas houver. Contudo, para Flusser, o problema da língua não é apenas algo imanente aos códigos e às linguagens verbais. Um exemplo clássico deste procedimento radical de metateoria e de metaontologia, como se diz na filosofia contemporânea, é a obra Vampyroteuthis Infernalis. Flusser redigiu três versões diferentes, uma em cada língua (português, alemão e francês).
Isso quer dizer que teríamos três obras diferentes de um mesmo autor e com um mesmo título? Ou três versões substancialmente alteradas de uma mesma obra, de acordo com as modalidades de cada língua? Como sempre, tudo que se refere a Flusser fica em aberto. Não por acaso, essa brilhante peça de filosofia da ficção tematiza a determinação formal que os meios produzem em nossa produção de mundos.
Por meio dessa criatura das regiões abissais dos oceanos, Flusser relativiza todas as instâncias instauradoras do humano, tais como Deus, deuses, tecnologias, razão, sexualidade, moral, religiões, crenças, filosofia, ciências, entre outras. Se o Vampyroteuthis representa o fim de um processo evolucionário inverso ao que produziu o sapiens, o sapiens pode ser considerado o inverso do mundo do Vampyroteuthis. E vice-versa. Esses conflitos ônticos e epistêmicos que definem o cerne da filosofia de Flusser surgem a partir de uma livre incorporação das matrizes da fenomenologia e das filosofias da existência, que balizaram muitas de suas obras da década de 1950 e 1960.
Entretanto, é importante compreender que nesta atitude existencial-fenomenológica se encontra o giro copernicano de Flusser para a teoria dos media, para a filosofia das tecnologias e para a teoria da comunicação, que o torna célebre mundialmente a partir dos anos 1970. Eu e Rodrigo Maltez Novaes [4], que estamos coordenando a edição das Obras Completas de Vilém Flusser, levada a cabo pela Editora É e intitulada Biblioteca Flusser, estamos prestes a relançar Vampyroteuthis Infernalis. E pretendemos adicionar nos aparatos algumas informações sobre esse princípio babélico desta obra, mas que no fundo orienta o pensamento de Flusser como um todo.
Em linhas gerais, e de modo muito resumido, para mim Vilém Flusser e Vicente Ferreira da Silva [5] são os dois maiores filósofos da língua portuguesa, em qualquer tempo e em qualquer nacionalidade. Digo isso não menosprezando outros tantos representantes da filosofia de língua portuguesa, que conta com um patrimônio filosófico dos mais ricos, contra o senso comum. Digo isso por adesão e eleição afetivas e individuais, mas também por entender que ambos foram os autores que levaram mais longe, dentro da dicção e da plasticidade da língua portuguesa, a construção e a criação de uma nova linguagem e de novos conceitos para a filosofia, ampliando dessa maneira as potencialidades da filosofia como um todo.
IHU On-Line – Quais são as principais características dos trabalhos de Flusser voltados ao existencialismo e à fenomenologia?
Rodrigo Petronio – Pode-se dizer que, desde o começo de sua obra, Flusser articula quatro grandes matrizes das primeiras décadas do século XX: as filosofias da linguagem, as fenomenologias, as ontologias e as filosofias da existência. No âmago dessas matrizes, como uma espécie de bússola, encontra-se o método fenomenológico e seus diversos recursos e conceitos: perspectivismo, adumbrações, antinaturalismo, objetos intencionais, giro imaginativo, suspensão do juízo e redução eidética.
Por isso, não existem exatamente obras nas quais Flusser explique, de alguma maneira, as filosofias da existência, as diversas ontologias e a fenomenologia. Todas essas exposições, quando existem, encontram-se dispersas. Existe, entretanto, sempre uma aplicação do método e das abordagens fenomenológicas às existências, aos seres e às linguagens. Nesse sentido, é curioso perceber um arco que recobre as obras mais marcadamente vinculadas à fenomenologia, às ontologias e às filosofias da existência, como O Século Vinte (1957), A História do Diabo (1958), Língua e Realidade (1963), Da Dúvida (1964-65), O Último Juízo: Gerações (1965-66), Da Religiosidade (1967), Problemas em Tradução (1969-70). Curiosamente, este arco se fecha com Fenomenologia do Brasileiro (1970-71), única obra que traz uma menção à fenomenologia no título.
Exceção feita à autobiografia Bodenlos (1973-74), a esse primeiro ciclo de obras seguem-se outras mais claramente focadas nas relações, nos aparelhos, nas mediações, nos processos, nas codificações, na semiose, nas tecnologias, nas linguagens, na escrita, ou seja, naquilo que poderíamos definir como teoria dos media com certa generalização: Coisas que me cercam (1971-72), Natural:mente (1974-75), Os gestos (1976-77), Mutações das relações humanas (1977-78), Pós-História (1978-79), Vampyroteuthis Infernalis (1980-81), Filosofia da caixa preta (1981-82), Elogio da superficialidade: o universo das imagens técnicas (1982-83), A Escrita: há futuro para o alfabeto a escrita? (1986-87), Suponhamos (1987), Do sujeito ao projeto (1989-90) e, por fim, Hominização (1990-91).
Isso quer dizer que Flusser teria abandonado a fenomenologia e a ontologia que o formou? Acredito que não. Ele transcende o correlacionismo estrutural entre a consciência e os objetos intencionais em direção a uma ontologia relacional, para além dos horizontes conscienciológicos. Esse percurso interno de seu pensamento abriria a possibilidade de alocar o meio como categoria central de sua reflexão. E a compreender os meios também não apenas como tecnologias modernas, mas como elementos nucleares da hominização e da antropogênese. Por isso, podemos dizer que Flusser se valeu do método fenomenológico, presente em suas primeiras obras, para escavar e edificar uma teoria dos media e uma ontologia das relações, bem como para conceber também uma ontologia das linguagens, ou seja, dos processos de codificação e decodificação, de abstração e de concretização, de mediações e de tecnologias que constituem o que chamamos de realidade e que presidiram a emergência do sapiens.
Essa constatação poderia nos conduzir a propor duas fases na obra de Flusser? Também acredito que não. Por exemplo, a gênese de conceitos como aparelho e instrumento, que estão no âmago da especulação ulterior de Flusser sobre a fotografia, a comunicação e as tecnologias, pode ser detectado em O Último Juízo: Gerações, obra redigida entre os anos de 1965 e 1966. Nesse sentido a obra de quase mil páginas, toda escrita em português e cuja versão integral publicamos pela primeira vez na Biblioteca Flusser, realiza uma reconstrução da modernidade, desde o século XV ao século XX.
Flusser se vale do recurso da alegoria e do anacronismo deliberado (Georges Didi-Huberman [6]) para demarcar as etapas dessa modernidade como Culpa, Castigo, Maldição e Penitência. A maneira pela qual Flusser empreende a reconstrução das condições de possibilidades da emergência do mundo moderno se baseia naquilo que define como arqueobiografia: a partir de uma arqueologia dos modos de vida do século XX, o eu pode reconstruir, a partir de sua condição existencial, as diversas camadas e mediações que o conduziram e o levaram a habitar o mundo e o meio que agora habita. Esse eu meditativo que reconstitui suas condições de existência apenas pôde fazê-lo mediante as mesmas condições que o constituíram como um eu meditativo que se debruça sobre si mesmo.
Ou seja: as condições de possibilidade desse eu refletir sobre a existência foram dadas pelos mesmos processos que esse eu agora reconstitui e define em suas diversas etapas. Essa circularidade do pensamento de Flusser não tem nada de tautologia. Trata-se de uma das premissas presentes em diversas filosofias da existência, mediante a qual o eu apenas pode objetivar os meios de sua constituição à medida mesma que toma consciência dos processos que o conduziram a ter determinadas constituições. Esse eu é Flusser, um eu empírico, como se pode atestar por diversos signos que ele revela de sua biografia. Mas também é um eu existencial e suspenso, um eu que emerge depois das diversas depurações antinaturais da empiria, possibilitadas pela fenomenologia.
Rodrigo Maltez Novaes destacou a influência exercida sobre Flusser pelas conferências de Foucault [7] em São Paulo, às quais certamente acompanhou e que foram durante o momento da escrita desta obra [8]. Pode-se ver analogias entre o que Foucault nomeia como dispositivos e epistemes que configuram a modernidade e as definições de Flusser dos meios e etapas empregados no processo de ocultação dos agentes e a ascensão dos aparelhos que determinam essa mesma época. Nesse sentido, a arqueologia de Flusser diz respeito não apenas à reconstrução fenomenológica das categorias da experiência e da empiria, como propôs Husserl. Relaciona-se também à configuração formal de conceitos como aparelho, um ser relacional inextenso capaz de organizar e unificar em si todas as condições de possibilidade da experiência, ou seja, transcender e negativar todos os atos livres e contingentes.
Essa intuição de Flusser será desdobrada mais tarde em sua teoria dos media e das relações, em diálogo com a cibernética e com as teorias da informação e da comunicação. Por isso, não podemos demarcar uma ruptura nesse continuum de sua reflexão. Pelo contrário, torna-se cada vez mais urgente compreender essa formação inicial nas ontologias, filosofias da existência e fenomenologias do começo do século XX para compreendermos melhor a revolução cognitiva das obras de Flusser relativas aos media e às tecnologias.
IHU On-Line – É evidente que há uma ligação entre os trabalhos, mas que especificidades os trabalhos na área da teoria da comunicação e da teoria das mídias têm em relação a sua obra anterior?
Rodrigo Petronio – A singularidade da teoria da comunicação e dos media desenvolvida por Flusser se refere a diversos dos fatores mencionados acima. Quando as analisamos, percebemos que boa parte das teorias da comunicação, da informação e dos meios se concentra em análises de meios de informação e comunicação dos séculos XIX e XX, ou seja, privilegia as transformações, suportes, materialidades e tecnologias surgidas com a época industrial e com as tecnologias digitais. Esse cronotopo (Hans Ulrich Gumbrecht [9]) é importante e muitas vezes decisivo nos estudos de comunicação, pois nos ajuda a circunscrever a especificidade dos objetos que analisamos.
Por outro lado, essa ênfase pode nos deixar presos a um perigoso cronocentrismo: avaliarmos toda reflexão sobre os meios e as mediações a partir do estatuto gerado por novas tecnologias, sem questionarmos a emergência mesma das condições de possibilidades das tecnologias, sejam elas novas ou arcaicas. Ao longo de sua obra, a abordagem de Flusser caminha cada vez mais rumo a uma compreensão dos fatores ontogênicos, biogênicos e antropogênicos dos meios, preocupação que culmina com Do Sujeito ao Projeto (1989-90) e Hominização (1990-91), e que o aproxima muito de autores como Michel Serres [10] e Peter Sloterdijk [11], por exemplo. Esse percurso lhe possibilitou a criação de alguns conceitos poderosos em Mutações das relações humanas (1977-78), Pós-História (1978-79), Vampyroteuthis Infernalis (1980-81) e, sobretudo, em Elogio da superficialidade: o universo das imagens técnicas (1982-83), para mim uma das mais importantes obras de teoria dos media do século XX.
Essa singularidade de Flusser também se encontra na maneira brilhante e irônica com que ilude o leitor ávido de novidade. Não se pode negar que Filosofia da caixa preta (1981-82) seja uma obra pioneira, em termos mundiais, na reflexão sobre a fotografia. Contudo, quando a analisamos com cuidado, vemos que os operadores conceituais como aparelho e caixa preta, bem como os jogos com as etimologias da palavra imagem, aproximam-na mais de um tratado de epistemologia do que de uma obra estrita sobre os usos da fotografia. O mesmo recurso à elipse e à ironia se encontra em O último juízo: gerações (1965-1966), obra que propõe realizar uma arqueologia da modernidade e que preserva, em seu subtexto, uma estrutura alegórica e teológica deslocada do regime de pura imanência que comumente atribuímos à formação da época moderna.
Esses jogos são inclusive explicados e desenvolvidos por Flusser em Pós-História (1978-79), a partir de uma teoria dos jogos e de uma tipificação do papel central dos jogos na organização das sociedades telemáticas, e que hoje reputamos aos algoritmos. Esse jogo incide inclusive entre a tecnofobia e a tecnofilia, pois o próprio Flusser chegou a evidenciar o erro presente em ambas as posturas de demonização e de divinização das técnicas. Se mapearmos algumas das vertentes contemporâneas, perceberemos um vetor de orientação muito semelhante. Tanto nos estudos relacionados a novas ontologias e a novas cosmologias, quanto nas áreas de arqueologia das mídias, tanto na filosofia das ciências quanto nas investigações sobre transumanismo, tanto nas pesquisas de novos padrões e semioses não humanas quanto nas reflexões sistêmicas e nas teorias da complexidade, podemos identificar essa tentativa não apenas de borrar as fronteiras entre agentes humanos e naturais, mas de buscar uma perspectiva multitemporal e não linear como explicação global dos processos. Ou seja: algo que Flusser estava buscando desde a década de 1940.
IHU On-Line – Como as obras de Flusser escritas em alemão dialogam com as obras escritas em português?
Rodrigo Petronio – O alemão e o português foram as línguas nas quais Flusser mais escreveu. Por isso a importância dessa produção. O caso de Flusser em relação a línguas é um caso bastante singular. Há poucos autores que tenham escrito tanto em tantas línguas, tendo produções significativas em cada uma delas. Felizmente, como mencionei, Flusser mesmo empreendia essas intratraduções de suas obras como uma maneira de testar os conceitos e sua polissemia, colocando as pretensões de universalidade da filosofia em atrito com as especificidades, limites e virtualidades de cada língua.
Um fenômeno que vale destacar nessa predominância do alemão e do português é que boa parte dos escritos de Flusser em alemão não foi traduzida para outras línguas, como o inglês e o francês, que possuem um número maior de leitores dentro dos meios acadêmicos. Com exceção das obras vertidas por Rodrigo Maltez Novaes para o inglês, a maior parte das obras que Flusser escreveu em português ainda não foi traduzida para o inglês ou para outras línguas de maior acesso e projeção intelectuais. Se levarmos em conta tudo que mencionei aqui sobre a função matricial das primeiras obras de Flusser, inspiradas nas ontologias, fenomenologias e filosofias da existência do século XX, e se pensarmos que boa parte dessa produção foi exclusivamente em português, isso quer dizer que a compreensão mundial que se tem da dimensão, da amplitude e do âmago de sua obra ainda é muito defasada e cheia de lacunas.
Uma das preocupações precípuas que temos com essa nova edição e com o plano de publicação das Obras Completas pela Biblioteca Flusser é justamente chamar a atenção para essa lacuna imensa. E procurar projetar suas obras em português para que encontrem editores e tradutores em outras línguas e países.
IHU On-Line – De que maneira Flusser enfrenta a Modernidade no livro O último juízo: gerações?
Rodrigo Petronio – Imagino que tenha respondido a esta pergunta em uma pergunta anterior. E há um longo ensaio que escrevi especialmente como prefácio a esta obra de Flusser. Faço aqui uma sinopse a partir de alguns pontos que considero cruciais para a compreensão de seu eixo argumentativo, mas que não esgotam a amplitude dessa obra. Em linhas gerais, a tese defendida em Gerações é curiosamente muito semelhante à proposta por Peter Sloterdijk no terceiro volume de Esferas: ao explicitar os seus mecanismos internos, o mundo ganhou em transparência, mas perdeu em opacidade. Reduziu as camadas virtuais de seu interior antes oculto. A imagem da catedral citada por Flusser logo no começo da obra, em uma espiral de brilhante ensaísmo, é a imago dessa opacidade perdida.
Os séculos XVI e XVII transformaram a alquimia e o mecanicismo em modus operandi dessa transformação e dessa explicitação do real. A luz oriental do fisicalismo, do empirismo e materialismo por sua vez adentrou o Ocidente como uma promessa de redenção da matéria de seu torpor metafísico milenar. A despeito da desinibição gigantesca da ciência e da tecnologia, essa redenção não se cumpriu. E tampouco o poderia. Porque a emancipação de um polo material não pôde deixar, ainda que à sua revelia, de produzir o seu contrário: o espiritual, o cogito, o pensamento puro, o sujeito transcendental, a submissão da filosofia e de todas as ciências ao more geometrico.
O século XX é o Leito de Procusto dessa evisceração do mundo. Um mundo que se tornara transparente e cuja transparência transformou a realidade mesma em uma substância opaca. Inaugura-se o problema por excelência da modernidade nessa figura invertida. A ontologia moderna pode ser caracterizada justamente por isso: a emancipação da dimensão material da existência foi paradoxalmente conflagrada graças à ampliação dos modelos matemáticos e ao aprofundamento de processos abstrativos que desenraizam a experiência existencial, circunstanciada e viva. O que chamamos de mundo passa a ser a redução das camadas da experiência aos padrões da aritmética por meio das operações do cogito. O que chamamos de mundo material passa a ser decomposto pela geometria e confinado aos limites da extensão. E o que chamamos de pensamento a partir de Kant [12] se confina aos contornos e aos limites da simples razão. Nasce o mito dedutivo da razão moderna.
Como sombra do método indutivo e do experimentalismo, razão dedutiva e ciência se dissociam. Tornam-se meninas gêmeas inimigas, separadas no parto. A ruína da metafísica medieval ironicamente nos lançou em uma oscilação entre o empírico e o transcendental, como diagnosticou Foucault, e essa seria uma das analogias entre os dois pensadores, conforme mencionei em uma pergunta anterior. Entretanto, de certo modo, Flusser amplia a microscopia e a macroscopia dessas imagens. Situa-as em um corte transversal, que transborda as epistemes e confere um horizonte mais amplo ao projeto da arqueologia de Foucault.
Dentro desse percurso, mesmo a equação de Espinosa [13], segundo a qual a natureza é uma modalização de Deus, pode ser a chancela do panteísmo, mas não escapa aos ditames da geometria. O empiriocriticismo rasgou o véu da realidade. Desnudou os mecanismos do mundo. Ou seja: criou a expectativa de que a realidade pode ser compreendida em seu todo. Essa marcha da ciência em busca do esgotamento do campo da realidade é a marcha em busca de uma equivalência entre realidade e conhecimento. A ontologia de um Deus relojoeiro assume o palco. E a descoberta dos mecanismos simples que estruturam a natureza produz a possibilidade de prever o futuro e de reorganizar essa mesma natureza em sua totalidade.
Chegamos, assim, a uma mística racional: a estrutura eidética das formas da sensibilidade é decalcada como se fosse a estrutura das engrenagens de uma maquinaria, tão complexa quanto vazia de vida. Não se trata de compreender a ontogênese do pensamento vivo. Trata-se de prever como as roldanas do mundo produzem o pensamento a partir de causas e consequências. Nasce a natureza em sua autonomia. Nasce a possibilidade de emergir dessa natureza e dessas concepções de natureza o grau máximo do autonomismo: o autômato.
A ontologia moderna prepara passo a passo a sua própria erosão. O aparelho é a forma inextensa desse esvanecimento. Justamente ao santificar o mecanicismo, o aparelho é o instrumento que promove a impossibilidade de determinar o que venha a ser um ser mecânico, pois a própria biologia se apropria dos modelos mecânicos para pensar e remodelar o ser vivo. Justamente por santificar o humanismo, produz-se a destituição dos processos primários que nos caracterizam em nossa humanidade. O fundamento irracional da razão se torna cada vez mais translúcido para a experiência imediata. Materializa-se no aparelho. Funciona com os funcionários. Programa-se pelos programas. Torna-se uma realidade plena e amplamente desinibida por meio dos instrumentos.
Esta é a Penitência que nos cabe desde o século XX. E que persiste, aberta e sem redenção, em direção ao futuro. Nesse contexto, uma das alterações do pensamento moderno é a vetorização do tempo e do cosmos. Em Gerações, Flusser identifica essa alteração, seminal para seu pensamento ulterior de A Escrita, de Elogio da superficialidade: o universo das imagens técnicas e de Pós-História. A vetorização da natureza é um problema que vem sendo abordado pela epistemologia e a filosofia da ciência desde o século XIX, desde Boltzmann [14] e da segunda lei da termodinâmica. Esse problema se relaciona à entropia. Trata-se da descrição de sistemas complexos não lineares cuja energia se encontra em constante escoamento, para usar a expressão de Husserl, e cujo sentido tende sempre à diminuição e à morte. Essa vetorização da natureza encontra-se representada em Gerações pelo advento da Queda e pela escatologia messiânica das quatro alegorias (Culpa, Maldição, Castigo, Penitência).
Contudo, esses mesmos sistemas abrem uma perspectiva inusitada ao papel desempenhado pelos meios e pelas tecnologias: a neguentropia. A possibilidade de negar a dissipação da natureza. Os meios e as tecnologias seriam forças de suspensão da entropia e do devir, impulsionadas paradoxalmente pela captação da finitude e da mortalidade por parte da consciência reflexiva que nasce paradoxalmente da agonia e morte da alma do mundo e dos sistemas de animação e animismo, extintos pelo mecanicismo e pela ciência moderna.
IHU On-Line – Como podemos compreender a fenomenologia flusseriana e de que maneira ela ajuda a entender a emergência da era moderna?
Rodrigo Petronio – Para resumir de modo bem pontual, diria que Flusser se apoiou no correlacionismo da consciência, proposto pela fenomenologia, e dele derivou uma consciência do correlacionismo. Conseguiu assim criar uma ontologia dos meios, das relações e das mediações que transcende o estatuto conscienciológico da fenomenologia. O método de suspensão continuou sempre ativo. E, por meio dele, Flusser conseguiu escavar camadas e estratos da experiência e da empiria, rumo a um aprofundamento da consciência e do papel desempenhados pelos meios.
Esses meios assumem o nome de programa, aparelho, instrumento, função. São meios apenas aparentemente neutros, pois eles produzem transparência dos sentidos das tecnoimagens e a opacidade e a vacuidade do sentido: a função zerodimensional sobre a qual repousam essas tecnoimagens. A escatologia de Flusser é uma escatologia do Nada. Onde todas as religiões revelam Deus, as tecnoimagens em torno da qual a modernidade gravita revelam o Nada. Essa grande revelação apenas foi possível porque a nadidade que constitui o humano e que também o determina como humano se lhe revelou em toda sua extensão, em toda sua profundidade e em toda sua glória.
IHU On-Line – A propósito, como ler Flusser no século XXI?
Rodrigo Petronio – Como um dos maiores livres-pensadores do século XX e talvez de toda história da filosofia. Como alguém que caminhava para o passado para abrir horizontes e vastos portais em direção ao futuro. Como alguém que se situava e que sempre se manteve sem-chão (Bodenlos), para o bem da vida e do pensamento. Como alguém que combatia os amigos com mais vitalidade do que o fazia com os inimigos, pois esse era um gesto de admiração e respeito pelo Outro.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Rodrigo Petronio – Leiam Flusser. Quem o conhece, leia o que ainda não leu ou releia as obras que lhe agradem. Quem ainda não o conhece, procure conhecê-lo. Flusser é sempre um exercício de lucidez. Um constante dialogismo. Uma reflexividade infinita. Trata-se de um autor polifônico. Não apenas pelas vozes e vetores de outros autores e obras que ele incorporou, mas polifônico como atitude do pensamento e do eu, em constante embate consigo mesmos.
[1] Milton Vargas (1914-2011): filósofo, engenheiro eletricista e civil brasileiro, especializado em mecânica de solos. Participou do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, foi membro fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia e pertenceu à Academia Paulista de Letras. (Nota da IHU On-Line)
[2] Martin Heidegger (1889-1976): filósofo alemão. Sua obra máxima é O ser e o tempo (1927). A problemática heideggeriana é ampliada em Que é Metafísica? (1929), Cartas sobre o humanismo (1947) e Introdução à metafísica (1953). Sobre Heidegger, confira as edições 185, de 19-6-2006, intitulada O século de Heidegger, e 187, de 3-7-2006, intitulada Ser e tempo. A desconstrução da metafísica. Confira, ainda, Cadernos IHU em Formação nº 12, Martin Heidegger. A desconstrução da metafísica, e a entrevista concedida por Ernildo Stein à edição 328 da revista IHU On-Line, de 10-5-2010, intitulada O biologismo radical de Nietzsche não pode ser minimizado, na qual discute ideias de sua conferência A crítica de Heidegger ao biologismo de Nietzsche e a questão da biopolítica, parte integrante do ciclo de estudos Filosofias da diferença, pré-evento do XI Simpósio Internacional IHU: O (des)governo biopolítico da vida humana. (Nota da IHU On-Line)
[3] Ludwig Wittgenstein (1889-1951): filósofo austríaco, considerado um dos maiores do século 20, tendo contribuído com diversas inovações nos campos da lógica, da filosofia da linguagem e da epistemologia, dentre outros campos. A maior parte de seus escritos foi publicada postumamente, com exceção de seu primeiro livro: Tractatus Logico-Philosophicus, em 1921. Os primeiros trabalhos de Wittgenstein foram marcados pelas ideias de Arthur Schopenhauer, assim como pelos novos sistemas de lógica idealizados por Bertrand Russel e Gottllob Frege. Quando o Tractatus foi lançado, influenciou profundamente o Círculo de Viena e seu positivismo lógico (ou empirismo lógico). A edição 308 da IHU On-Line, de 14-9-2009, apresenta a entrevista O silêncio e a experiência do inefável em Wittgenstein, com Luigi Perissinotto. A entrevista A religiosidade mística em Wittgenstein, concedida por Paulo Margutti, consta na edição 362 da revista IHU On-Line, de 23-5-2011. (Nota da IHU On-Line)
[4] Rodrigo Maltez Novaes: artista brasileiro, tradutor, editor e fundador da Metaflux Publishing. Foi pesquisador do Arquivo Vilém Flusser na Universität der Künste, Berlim, de 2010 a 2014. Com um bacharelado pela Universidade de Gloucestershire e um mestrado pela Universidade das Artes de Londres, suas principais áreas de atividade são pintura, filosofia, mídia e comunicação. Atualmente vive e trabalha em São Paulo, onde agora lidera o projeto de longo prazo para a tradução e publicação do trabalho de Vilém Flusser do português do Brasil para o inglês. (Nota da IHU On-Line)
[5] Vicente Ferreira da Silva (1916-1963): filósofo, lógico e matemático paulista, pioneiro em lógica contemporânea no Brasil. Em um momento posterior, Ferreira passou a se dedicar aos estudos dos mitos. Baseando-se na filosofia de Schelling e Martin Heidegger, Ferreira inverte a noção de mythos e logos de modo a propor a filosofia como uma espécie de desdobramento em relação aos mitos. (Nota da IHU On-Line)
[6] Georges Didi-Huberman (1953): nascido em Saint-Étienne, é filósofo, historiador, crítico de arte e professor da École de Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris. Considerado um dos grandes intelectuais franceses de sua geração. Autor de uma vasta obra ensaística, baseado em autores como Freud, Benjamin, Pasolini e Warburg. Trata de temas que vão da filosofia da imagem à história da arte, passando por cinema e literatura. Alguns de seus livros: O que vemos, o que nos olha (Editora 34), Diante da imagem (Editora 34), A Imagem Sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg (Contraponto) e Imagens apesar de tudo (Lisboa, KKYM). Em 2013, a revista IHU On-Line dedicou o tema de capa As imagens nos olham. Como ver o que nos olha? inspirado no pensamento do autor, cuja edição pode ser lida na íntegra aqui. (Nota da IHU On-Line)
[7] Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês. Suas obras, desde a História da Loucura até a História da sexualidade (a qual não pôde completar devido a sua morte), situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. Foucault trata principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas do termo. Em várias edições, a IHU On-Line dedicou matéria de capa a Foucault: edição 119, de 18-10-2004; edição 203, de 6-11-2006; edição 364, de 6-6-2011, intitulada 'História da loucura' e o discurso racional em debate; edição 343, O (des)governo biopolítico da vida humana, de 13-9-2010, e edição 344, Biopolítica, estado de exceção e vida nua. Um debate. Confira ainda a edição nº 13 dos Cadernos IHU em formação, Michel Foucault – Sua Contribuição para a Educação, a Política e a Ética. (Nota da IHU On-Line)
[8] Rodrigo Maltez Novaes levantou algumas “provas de que Flusser realmente frequentou as conferências”. Segundo Maltez, quando da publicação das Ficções Filosóficas de Flusser, Bento Prado Jr. deu o seguinte depoimento: "Surpreendia-me ele em 1958 ou 59 com a aproximação que fazia entre os pensamentos de Heidegger e de Wittgenstein. Mais tarde, em 1965, eu ouviria, numa aula de Michel Foucault a que Flusser também estava presente, a seguinte frase provocadora: ‘É preciso ser uma mosca cega para não ver que as filosofias de Heidegger e de Wittgenstein são uma e a mesma filosofia’”. Conferir aqui. (Nota do entrevistado)
[9] Hans Ulrich Gumbrecht (1948): é um teórico literário norte-americano nascido na Alemanha e atualmente nos departamentos de Literatura Comparada, francês e italiano, alemão e espanhol e português da Universidade de Stanford e da Universidade Zeppelin. Publicou no Brasil, entre outros livros, Modernização dos sentidos (1998, Editora 34) e Em 1926: vivendo no limite do tempo (1999, Record). (Nota da IHU On-Line)
[10] Michel Serres (1930): filósofo e historiador das ciências francês. Escreveu entre outras obras O terceiro instruído e O contrato natural. Atuou como professor visitante na USP. Desde 1990 ele ocupa a poltrona 18 da Academia Francesa. Professor da Universidade de Stanford e membro da Academia Francesa, escreveu inúmeros ensaios filosóficos e de história das ciências, entre os quais Os cinco sentidos, Notícias do mundo, Variações sobre o corpo, O incandescente, Hominescências e Júlio Verne: A ciência e o homem contemporâneo, todos títulos lançados no Brasil pela editora Bertrand Brasil. (Nota da IHU On-Line)
[11] Peter Sloterdijk (1947): filósofo alemão. Desde a publicação de Crítica da razão cínica, é considerado um dos maiores renovadores da filosofia atual. Em 2004, encerrou sua trilogia Esferas (Sphären), cujos primeiros volumes foram publicados em 1998 e 1999. Interessado na mídia, dirige Quarteto filosófico, programa cultural da cadeia de televisão estatal alemã ZDF. Tem inúmeras obras traduzidas para o português, como Regras para o parque humano - uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo (São Paulo: Estação Liberdade, 2000). No sítio do IHU, foram publicadas várias traduções de entrevistas concedidas pelo filósofo. Elas podem ser acessadas pela busca aqui. (Nota da IHU On-Line)
[12] Immanuel Kant (1724-1804): filósofo prussiano, considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, representante do Iluminismo. Kant teve um grande impacto no romantismo alemão e nas filosofias idealistas do século 19, as quais se tornaram um ponto de partida para Hegel. Kant estabeleceu uma distinção entre os fenômenos e a coisa-em-si (que chamou noumenon), isto é, entre o que nos aparece e o que existiria em si mesmo. A coisa-em-si não poderia, segundo Kant, ser objeto de conhecimento científico, como até então pretendera a metafísica clássica. A ciência se restringiria, assim, ao mundo dos fenômenos, e seria constituída pelas formas a priori da sensibilidade (espaço e tempo) e pelas categorias do entendimento. A IHU On-Line número 93, de 22-3-2004, dedicou sua matéria de capa à vida e à obra do pensador com o título Kant: razão, liberdade e ética. Também sobre Kant, foi publicado o Cadernos IHU em formação número 2, intitulado Emmanuel Kant – Razão, liberdade, lógica e ética. Confira, ainda, a edição 417 da revista IHU On-Line, de 6-5-2013, intitulada A autonomia do sujeito, hoje. Imperativos e desafios. (Nota da IHU On-Line).
[13] Baruch Spinoza (ou Espinosa, 1632–1677): filósofo holandês. Sua filosofia é considerada uma resposta ao dualismo da filosofia de Descartes. Foi considerado um dos grandes racionalistas do século 17 dentro da Filosofia Moderna e o fundador do criticismo bíblico moderno. Confira a edição 397 da IHU On-Line, de 6-8-2012, intitulada Baruch Spinoza. Um convite à alegria do pensamento. (Nota da IHU On-Line)
[14] Ludwig Edward Boltzmann (1844-1906): matemático e físico austríaco. Sistematizou o conceito de entropia, segundo o qual há uma tendência natural de a energia se dispersar e de a ordem evoluir invariavelmente para a desordem. Explica o desequilíbrio natural entre trabalho e calor. (Nota da IHU On-Line)