11 Setembro 2019
Na maioria das manhãs, eu recebo as notícias da BBC enquanto trabalho, e foi assim que, na segunda-feira, eu recebi um pacote delas, em que Martin Bashir cobre a visita do Papa Francisco a Madagascar no fim de semana, em que o pontífice emitiu uma forte condenação ao desmatamento descontrolado.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 10-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“A degradação da biodiversidade compromete o futuro do país e da nossa casa comum”, disse Francisco na presença do presidente de Madagascar, Andry Rajoelina. “As florestas restantes estão ameaçadas pelos incêndios, pela caça ilegal e pelo corte incontrolado de madeiras preciosas.”
Segundo a Global Forest Watch, entre 2001 e 2018, Madagascar perdeu 3,6 milhões de hectares, o equivalente a 21% de sua floresta total. Algumas estimativas dizem que tudo desaparecerá até 2040, uma previsão especialmente alarmante dado que 80% das espécies encontradas em Madagascar não existem em nenhum outro lugar do planeta.
A retórica de Francisco foi tão emocionante que o cardeal da próxima parada das sua turnê africana, Maurice Piat, das Ilhas Maurício, anunciou que ele está pedindo que os católicos locais ajudem a plantar 100.000 árvores antes do fim do ano.
Concluindo, Bashir encerrou dizendo que o povo de Madagascar conheceu um papa “que é tanto conservacionista quanto cristão”.
Acima de tudo, parabéns à BBC por despachar um jornalista da estatura de Bashir para cobrir a viagem de Francisco à África, ilustrando que o desejo do papa de iluminar os cantos esquecidos do planeta através das suas viagens realmente funciona.
No entanto, o aparente contraste que Bashir parecia sugerir, senão uma tensão total, entre o conservacionismo e o cristianismo está muito equivocado, pelo menos no que diz respeito a Francisco. Se o próprio pontífice estivesse escrevendo o texto, sem dúvida ele se descreveria como “um conservacionista porque sou cristão”.
Assim como os generais às vezes lutam a última guerra, a reação de Bashir mostra que a mídia às vezes cobre a última história. A verdade é que a ideia de que há algo de chocante no conservacionismo cristão estava na moda nos anos 1960 e 1970, mas está muito desatualizada há algum tempo.
O professor Lynn White Jr., da Universidade da Califórnia, publicou um influente artigo na revista Science em 1967, no qual culpava a Bíblia por fazer os ocidentais se sentirem “superiores à natureza, desprezando-a, dispostos a usá-la para o nosso mais ínfimo capricho” (o escritor católico Stratford Cadecott observa que, naquela época, o artigo de White se tornou o ponto de partida obrigatório para todas as discussões sobre cristianismo e ambiente; o artigo, diz ele, era “famoso, e famoso por ser famoso”).
Desde então, no entanto, a avaliação mudou drasticamente.
Hoje, muitos conservacionistas passaram a ver o cristianismo como parte da solução para a crise ecológica, e não como a sua fonte. Eles argumentam que o cristianismo fomenta um senso de humildade e de restrição, essencial para conter o apetite insaciável da humanidade por saquear a natureza.
Tais percepções têm sido moldadas pela liderança papal, bem antes da chegada de Francisco.
Ainda em um discurso de 1988 no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, São João Paulo II se referiu a “um ambiente natural seguro e saudável” como um direito humano positivo, em pé de igualdade com os direitos à saúde, à educação e a um padrão de vida decente.
Em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990, João Paulo pediu aos cristãos que percebessem que a preocupação com a Criação é “uma parte essencial da sua fé” – em outras palavras, não é algo opcional, mas sim um aspecto central daquilo que significa ser um seguidor de Cristo.
Em 2001, João Paulo localizou o berço da crise ecológica no momento em que os seres humanos pararam de se considerar como servos de um Deus Criador e, em vez disso, se ergueram como “déspotas autônomos”. Hoje, disse o papa, a pessoa humana, enfim, parece “entender que deve parar finalmente antes do abismo”.
O Papa Bento XVI estendeu esse testemunho ecológico de maneira impressionante, incluindo a instalação de uma bateria de mais de 1.000 painéis solares no topo da sala de audiências do Vaticano, a fim de fornecer energia elétrica, luz, aquecimento e resfriamento via energia solar. Ele também assinou um acordo para tornar o Vaticano o primeiro Estado “neutro em carbono” da Europa, criando uma “Floresta Climática Vaticana” no Parque Nacional Bükk, na Hungria, grande o suficiente para compensar as emissões anuais de CO2 do Vaticano.
Logo após sua eleição para o papado, Bento XVI alertou que a criação “está exposta a sérios riscos a partir das escolhas e dos estilos de vida que podem degradá-la. Os danos ambientais tornam a existência dos pobres da terra particularmente insuportável”.
“No diálogo com os cristãos de outras confissões, é importante que nos comprometamos a cuidar da criação”, disse Bento, “sem esgotar seus recursos e compartilhando-os solidariamente”.
Essa longa revolução verde no catolicismo tem sido ainda mais forte nas bases.
O livro “Green Sisters” [Irmãs verdes], de Sarah McFarland Taylor, uma estudiosa não cristã da Northwestern University, documentou há uma década a “difusão e a importância de um movimento verde” entre as ordens religiosas femininas. O livro apresentou aos leitores irmãs que cuidam muito bem dos gramados ao redor de suas casas para criar jardins orgânicos apoiados pela comunidade; constroem estruturas habitacionais alternativas e eremitérios a partir de materiais renováveis; adotam a tecnologia verde de banheiros de compostagem, painéis solares, iluminação fluorescente e veículos híbridos; e transformam as suas propriedades comunitárias em bens territoriais com santuários de vida selvagem.
A moral da história é que, quando Francisco se levantou no sábado no Palácio Presidencial de Iavoloha e trovejou contra o “desmatamento excessivo em benefício de poucos”, ele não estava inovando. Em vez disso, ele estava articulando um amplo impulso católico-cristão que vem ganhando força há décadas.
Essa é a história de hoje. Talvez, da próxima vez que o papa falar sobre ambiente, nós da mídia poderemos realmente cobri-lo.
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Alerta do papa sobre o desmatamento não foi uma quebra da tradição: é tradição pura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU