08 Setembro 2019
A cúpula da Conferência Episcopal Francesa dialogava na semana passada com Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu, sobre diversas questões bioéticas, enquanto outro bispo participava na Assembleia Nacional em um debate sobre o projeto de revisão de uma lei que afetará questões como a reprodução assistida. O jesuíta Bruno Saintôt é um dos maiores especialistas nessa matéria na França, e um firme defensor de que a Igreja saia da lama para tratar de exercer “uma possível influência positiva”.
A entrevista é publicada por Alfa y Omega, 05-09-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Igreja francesa participa ativamente dos debates públicos sobre bioética. Os Estados Gerais ou a atual revisão da lei são um exemplo disso. Levam em conta a sua voz?
A Igreja Católica se reconhece como uma instituição religiosa capaz de formular uma reflexão argumentada do tipo filosófico – e não somente especificamente religiosa – sobre questões complexas da bioética. Ter sido escutada em comissões parlamentares ao mesmo nível que outras instituições religiosas (judeus, protestantes, muçulmanos) e correntes de pensamento, isso é, das diversas obediências da maçonaria. Que seja escuta não quer dizer que se sigam suas normas e recomendações. Dado que são poucos os deputados que tem o pensamento cristão enraizado, sua influência política na Assembleia Nacional poderia se considerar fraca, ainda que o marco atual da bioética francesa é ainda muito personalista. O mesmo ocorre com os votantes: os cristãos não são maioria e nem todos estão de acordo com as referências éticas do magistério católico. O governo atual leva a sério quando escuta as instituições religiosas e as diversas escolas de pensamento, especialmente a Igreja Católica.
Há distintas tendências de opinião que argumentam que a Igreja não deve participar desses debates pelo risco de legitimar um resultado moralmente reprovável.
A Igreja francesa tem uma larga experiência de participação de debates éticos, sejam sobre bioética, ética social ou econômica. A participação em algum deles não deve ser comprometida por uma votação final que não se ajuste a ética católica. Se trata de fazer uma contribuição ao bem-comum. Paulo VI já havia destacado esse ponto: “A Igreja deve dialogar com o mundo em que vive” (Ecclesiam suam). Gaudium et spes aponta igualmente que “não pode dar prova maior de solidariedade, respeito e amor a toda a família humana que a de dialogar com ela acercada de todos esses problemas, clareando-os à luz do Evangelho”. O papa Francisco também fala da exigência do diálogo sem compromisso. Os que o rechaçam por medo de serem instrumentalizados perdem a oportunidade de se encontrar e correm o risco de se isolar e de eliminar uma possível influência positiva. A Igreja não pode se refugiar no bastião isolado de uma contracultura.
Quais são os pontos mais controversos do projeto de lei que está tramitando atualmente na Assembleia Nacional?
O ponto mais controverso é a abertura de reprodução assistida de casais mulheres e mulheres solteiras (PMA para todos). A Igreja não é a única que se opõe a essa medida, que privará os filhos de um padre e uma ascendência paterna e provocará um aumento da demanda na reprodução assistida. A Igreja também se opõe à extensão da pesquisa com embriões, à criação de embriões quiméricos e a pesquisa dirigida a produzir gametas a partir de células-tronco pluropotentes induzidas (iPSC).
Em que pontos a Igreja quer influenciar?
Para se opor à PMA para todos, a Igreja quer apresentar o interesse superior da criança defendido pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o risco de comercialização de gametas e a justiça no gasto sanitário. Em primeiro lugar, a Igreja quer mostrar a incoerência da lei com a questão do reconhecimento do sofrimento dos adultos nascidos por reprodução assistida com um doador anônimo. De fato, o projeto de lei propõe levantar por completo o anonimato do doador para os adultos que o solicitem, de modo que reconhece a dor de não conhecer suas origens, algo que considera injusto. Portanto, como considerar que a exclusão da referência do pai ab initio pode somente para a criança? A Igreja também quer advertir do perigo da mercantilização de gametas para remediar a escassez. Como se pode justificar que a procriação entre dentro da esfera mercantil, que a chegada de uma criança seja objeto de transações financeira? A Igreja insiste na solidariedade e na fraternidade. Como viver em solidariedade e fraternidade se o critério da patologia médica já não é levada em conta como fator determinante, mas sim substituída pelos poderes do desejo?
Se aborda no projeto o tema da eutanásia? Como afetou o caso de Vincent Lambert afetou esse debate?
Cabe recordar, em primeiro lugar, que o caso de Vincent Lambert foi tratado principalmente como um caso ao final da vida, apesar de que esse paciente com dano cerebral não estava ao final de sua vida. O projeto de lei descartou as questões relativas ao fim da vida e, portanto, toda discussão sobre a eutanásia e o suicídio assistido. Não se está tratando dos debates relativos ao projeto de lei em tramitação. De todas formas, as associações a favor da eutanásia retomarão suas reivindicações uma vez que se vote a lei relativa à bioética. Os debates sobre esse tema não pararão. A Igreja estará vigilante nesse assunto junto com as numerosas associações que promovem os cuidados paliativos.
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“A Igreja não pode se refugiar no bastião da contracultura”. Entrevista com Bruno Saintôt, SJ, especialista em bioética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU