05 Setembro 2019
Em 2050, a demanda destes cereais deverá atingir 3,3 bilhões de toneladas por ano, isto é, 800 milhões a mais que em 2014, diz a FAO.
A reportagem é de Audrey Garric, publicada por Le Monde, 03-09-2019. A tradução é de André Langer.
Arroz salteado ou pegajoso, pães, massas, pizzas, tortilhas, naans [antigo e típico pão indiano]... Todos os dias, a humanidade consome milhões de toneladas de milho, trigo e arroz, que também chegam indiretamente aos nossos pratos após terem alimentado os animais de corte. Esses três cereais, as principais culturas produzidas no mundo, são, portanto, os pilares da segurança alimentar. Tendo ocupado um lugar crucial na nutrição desde o nascimento da agricultura, há quase 10 mil anos, eles fornecem 43% do suprimento global de energia, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
Em um mundo que terá quase 10 bilhões de pessoas em 2050, espera-se que sua demanda atinja quase 3,3 bilhões de toneladas por ano, isto é, 800 milhões a mais que em 2014, diz a FAO.
A equação pode parecer insolúvel enquanto, simultaneamente, as mudanças climáticas estão reduzindo a produtividade das grandes culturas – ao mesmo tempo em que agravam outros flagelos, como a degradação das terras agricultáveis ou a escassez de água. Sem adaptação ou melhoramento genético, cada aumento da temperatura de um grau Celsius levará a uma queda na produção mundial de milho de 7,4%, de trigo de 6% e de arroz de 3,2%, atingindo mais fortemente os pequenos agricultores e agravando a elevação dos preços dos alimentos, de acordo com uma análise internacional publicada pela prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences em 2017.
“Em 2050, no caso de contínuas emissões de gases de efeito estufa, as perdas de rendimento podem exceder 10% para alguns cereais, como o trigo no Mediterrâneo”, diz Lorenzo Giovanni Bellu, economista da FAO e especialista do setor de projeções de sistemas alimentares e agrícolas. Mas é especialmente entre 2050 e 2100 que as perdas seriam mais fortes em um mundo mais quente de + 3 °C a + 5 °C, se nada for feito”. Até o final do século, nos Estados Unidos, as colheitas de milho poderão cair em até 49%, e as de trigo em 22%, em caso de exposição prolongada a temperaturas entre 30 °C e 36 °C, calculam os trabalhos publicados na Nature Communications em 2017.
As projeções são, provavelmente, subestimadas na medida em que esses modelos levam em consideração apenas a variação da temperatura e da umidade. Ora, as mudanças climáticas também afetam a ocorrência de eventos extremos, como as secas e as inundações. Devem também favorecer a proliferação de pragas, que já devoram entre 5% e 20% dos principais cereais. De acordo com um estudo publicado na Science em 2018, um aquecimento de 2 °C aumentaria as perdas imputáveis às pragas em 46% para o trigo, 31% para o milho e 19% para o arroz, um déficit acumulado de 213 milhões de toneladas por ano. França, Estados Unidos e China sofreriam as maiores quedas.
E isso ainda não é tudo. Essas culturas menos produtivas e mais devastadas também serão menos nutritivas devido ao aumento da concentração de CO2 na atmosfera. Com base em experimentos de laboratório, uma concentração de 550 partes por milhão (ppm) – que a humanidade poderá alcançar em 2050 ao ritmo atual das emissões de gases de efeito estufa, enquanto hoje estamos em 414 ppm – resultaria em uma redução de 3% a 17% nos níveis de proteína, zinco e ferro das culturas, em comparação com os níveis atuais, principalmente no trigo, arroz e cevada.
O que fazer diante dessas ameaças que já estão se tornando realidade? Para a FAO, agora é urgente “produzir mais com menos”, desenvolvendo a agricultura de conservação (rotação de culturas, associação com as árvores ou os animais, etc.), protegendo o solo e a água, e melhorando as variedades.
“Estão em andamento pesquisas para selecionar trigo resistente à seca ou arroz resistente a inundações. Mas sua eficácia ainda não foi comprovada, indica Lorenzo Giovanni Bellu. A redução imediata das emissões de gases de efeito estufa é a única solução para o problema”. Limitar o aquecimento a 1,5 °C em vez de 2 °C pouparia mais os cereais essenciais aos seres humanos.
O que vamos comer amanhã? Esta questão, que está relacionada aos nossos comportamentos individuais e às nossas práticas culturais, exige uma outra, mais estonteante ainda. Como conseguiremos alimentar quase 10 bilhões de pessoas, na metade do século, quando os recursos naturais estiverem se esgotando e o aquecimento global estiver se intensificando?
Em um relatório sobre os desafios de um manejo sustentável dos solos, publicado em agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lembra que, desde 1961, data a partir da qual as Nações Unidas dispõem de estatísticas consolidadas, “o crescimento da população mundial e o consumo per capita de alimentos, de rações para animais, de fibras, de madeira e de energia, levaram a taxas sem precedentes de uso das terras e da água doce”.
A atividade agroalimentar é responsável por cerca de 30% das emissões de gases de efeito estufa e absorve 70% do consumo de água doce do planeta. Além disso, quase um terço dos estoques populacionais de peixes são superexplorados.
Diante desse imenso desafio, é essencial uma mudança radical em nossos padrões de produção e de consumo. Para reduzir a pressão sobre os ecossistemas e resolver o duplo problema da desnutrição e da comida lixo, a dieta do futuro deve se concentrar em frutas, vegetais e grãos integrais (eles forneceriam mais de um terço da ingestão calórica), ao passo que uma porção moderada seria destinada à carne e ao peixe.
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A mudança climática reduzirá a qualidade e a quantidade do arroz, milho e trigo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU