30 Agosto 2019
A resposta em certos círculos à decisão do tribunal no dia 21 de agosto confirmando a condenação do cardeal George Pell pela agressão sexual de dois coroinhas nos anos 1990 foi tão rápida quanto irracional.
Publicamos aqui o editorial do jornal National Catholic Reporter, 29-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Edward Peters, canonista que leciona no Seminário do Sagrado Coração de Detroit, nos EUA, afirmou em um tuíte, cerca de 40 minutos depois do veredito, que “o testemunho usado para condenar Thomas More era mais plausível”.
Horas depois, o biógrafo de João Paulo II, George Weigel, questionou no site First Things se as pessoas ainda gostariam de viajar para a Austrália por causa da “histeria da multidão”. O editor do First Things, Matthew Schmitz, comparou um Pell ofendido ao Cristo sofredor.
Nos dias seguintes, John Allen, do Crux, disse que as probabilidades de Pell não ser culpado são “terrivelmente altas”. E o editor da Crisis Magazine, Michael Warren Davis, afirmou que é “literalmente impossível” que Pell seja culpado.
Até mesmo um cardeal se somou a isso, Wilfrid Napier, da África do Sul, que foi ao Twitter para caracterizar a análise de Weigel como “destemida” [daring], embora o cardeal tenha dito mais tarde que não pretendia elogiar o ponto de vista do biógrafo (o dicionário Oxford English define “destemido” [daring] como algo “aventureiro ou audaciosamente ousado”).
Perdoem a natureza gráfica do que se segue, mas serve para indicar a seriedade do que esses homens descartam.
De acordo com 12 membros de um júri composto por seus pares e de acordo com dois juízes de apelação que acabaram de sustentar o veredito deles, Pell, como arcebispo de Melbourne em 1996, estuprou oralmente um garoto de 13 anos e agrediu outro indecentemente. Mais tarde, ele procurou os mesmos meninos de novo para agarrar seus órgãos genitais dentro da igreja.
Desculpem-nos – talvez isso se deva aos 35 anos de experiência investigando predadores monstruosos como o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel Degollado, que a First Things defendeu durante anos, chamando-o uma vez de “pessoa inocente e realmente santa” –, mas nós temos algumas ideias bastante firmes sobre a consideração que deve ser dada aos sobreviventes de tais abusos desprezíveis e cruéis.
No interesse de ajudar outras pessoas a cuidarem das vítimas – supondo, é claro, que aqueles que defendem o cardeal condenado tenham tal intenção – parece simplesmente razoável que a cortesia básica seja o mínimo que se espere. Quando uma pessoa se apresenta alegando ter sido abusada por um ministro da Igreja Católica – seja um padre, bispo, irmã, professor, empregado paroquial ou outro –, ela deve ser ouvida, tratada com respeito e conduzida no caminho da justiça.
A responsabilidade principal de avaliar a verdade da denúncia da suposta vítima recai sobre os envolvidos nos processos judiciais, e, a menos que algo dê estranhamente errado, nós ainda confiamos que os sistemas judiciais das principais democracias avançadas, como a Austrália, são confiáveis árbitros da justiça.
O padre jesuíta Michael Kelly escreveu em uma recente edição do jornal La Croix International: “Como padre australiano, estou perfeitamente ciente das consequências de todo esse caso para os fiéis. Cheguei à conclusão de que a melhor ajuda que eu posso dar é ajudá-las a aceitar a realidade”.
E essa realidade, escreve ele, é que George Pell é um criminoso condenado. “A linha de fundo é que Pell foi condenado por unanimidade pelos seus crimes por um júri. Ou você aceita que isso é o melhor que o nosso sistema jurídico pode oferecer, ou você descarta o julgamento pelo júri. E isso não vai acontecer”.
Nem deveria.
O jesuíta, jornalista de longa data e fundador da revista Eureka Street, com sede em Melbourne, descreveu a lógica da negação em voz alta e muitas vezes angustiada da sentença como desequilibrada e exagerada.
Certamente foi o que aconteceu nos exemplos citados acima.
A opinião de Weigel sobre o escândalo do abuso sexual parece passar pelo tempo como uma onda senoidal fora do tempo, em que suas ondulações dependem se um amigo ou inimigo está no banco dos réus e de qual papa está no cargo. Ele foi uma das primeiras e mais barulhentas pessoas (com todo o restante da equipe da First Things) a negar totalmente o escândalo, assim como havia elogiado igualmente em voz alta a virtude de Maciel e a impossibilidade de que esse homem bom e santo pudesse ser acusado de tamanha vileza.
Quando as evidências se tornaram insuportáveis, a sua análise se converteu no sentido de que Maciel e seus lacaios enganaram o mundo e o seu papa favorito. Sua posição exigia ignorar os anos de trabalho de revelação dos repórteres, as exaustivas tentativas de chamar a atenção do papa em relação a oito ou nove vítimas bastante credíveis e os avisos de um ou dois bispos, todos os quais não foram enganados.
Pell é um velho amigo de Weigel, e, portanto, a negação do especialista expandiu-se para indiciar as pessoas boas de um país inteiro junto com seu sistema de justiça.
Pelo que entendemos, Pell tem a oportunidade de mais um recurso. Enquanto isso, a Igreja continuará enfrentando um acerto de contas em todo o mundo com antigos pecados revelados recentemente. Histeria não serve para nada. Uma prestação de contas contínua e sóbria do que aconteceu e uma busca sem pestanejar do porquê e de como isso aconteceu são as perguntas e as respostas que servirão melhor ao povo de Deus.
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Quem rejeita a sentença contra o cardeal Pell ignora a integridade do processo legal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU