05 Agosto 2019
"Uma violência injustificável". Assim o pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Antônio Nobre, especialista em rios voadores da Amazônia, classificou a demissão de Ricardo Galvão, diretor do órgão de monitoramento de desmatamento.
A reportagem é de Mariana Sanches, publicada por BBC Brasil, 02-08-2019.
O próprio Galvão anunciou à imprensa que seria exonerado nesta sexta-feira (02), após se envolver em um bate-boca público com o presidente Jair Bolsonaro.
A celeuma foi causada pela divulgação de dados de satélites do instituto que indicam um aumento de 68% do desmatamento na primeira quinzena de julho em relação ao mesmo período do ano anterior. Bolsonaro desacreditou os dados e disse que Galvão poderia estar a "serviço de alguma ONG."
"É lógico que eu vou conversar com o presidente do Inpe. [São] matérias repetidas que apenas ajudam a fazer com que o nome do Brasil seja mal visto lá fora", disse Bolsonaro.
Galvão chamou a fala do presidente de "atitude pusilânime e covarde".
Desde então, o Inpe vive um clima de tensão. O mandato de Galvão como diretor do instituto iria até 2020. Ele foi conduzido ao cargo em 2016, depois de passar por um processo de seleção e avaliação de currículo, carreira científica e planos para o Inpe.
O processo, feito por um banca de notáveis indicados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, acontece desde 1999.
"Em 20 anos, nunca um diretor foi demitido. Eles são escolhidos em um processo meritocrático, inspirado nas universidades americanas, que determina que a direção do órgão só pode ser exercida por quem passou por uma avaliação científica", diz Nobre.
De acordo com Nobre, a demissão de Galvão não deve resolver o problema do governo brasileiro em relação à pressão internacional pela conservação da Amazônia.
"O que estamos vendo é um repique muito sério do desmatamento, relacionado à nova gestão federal, e eles tentam incriminar o carteiro pela mensagem. O que é mais triste dessa situação é que não há dúvidas, são questões fabricadas pelo governo", diz Nobre.
De acordo com o pesquisador, dezenas de grupos fazem monitoramento de satélite semelhante ao do Inpe hoje, o que comprovaria a veracidade das informações divulgadas pelo instituto.
"Os dados vão surgir, quer o governo queira, quer não."
Além disso, de acordo com o pesquisador, bastaria que Bolsonaro sobrevoasse as áreas de desmatamento da Amazônia junto aos pesquisadores do Inpe para enxergar a devastação que o órgão aponta.
"A comunidade internacional está horrorizada com o que estão fazendo conosco. É muito grave que o governo queira suprimir informações que são públicas desde 2003. A intenção do governo é manipular os dados, os fatos não interessam", denuncia Nobre.
Ao longo dessa semana, a gestão ambiental do governo Bolsonaro ganhou destaque na imprensa internacional e foi capa do jornal americano The New York Times e da revista britânica The Economist, que chegou a sugerir boicote a produtos brasileiros produzidos em área desmatada.
Na quinta-feira, funcionários do Inpe fizeram uma manifestação na porta do órgão em defesa de seu diretor.
"Não se pode caluniar ou desmerecer uma instituição cujos dados já foram usados em mais de sete mil estudos pelo mundo", diz Nobre.
De acordo com o pesquisador, apesar da tensão e da insatisfação, é improvável que os quadros do Inpe peçam exoneração em massa.
"Eu sou um pesquisador, vivo do meu salário, como vou me demitir? Aqui todo mundo depende de salário. Eu me considero um empregado da sociedade brasileira e vou continuar fazendo meu trabalho."
No começo da tarde, o Ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes confirmou a demissão de Galvão via Twitter e escreveu: "Agradeço, pela dedicação e empenho do Ricardo Galvão à frente do INPE. Tenho certeza que sua dedicação deixa um grande legado para a instituição e para o país. Abraços espaciais".
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‘Tentam incriminar o carteiro pela mensagem’, diz pesquisador do Inpe sobre demissão de diretor que criticou Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU