01 Junho 2019
A esperança que Jó expressa – como diz título do livro, “La speranza di Giobbe” – é a contida em Jó 19, 25-27 e, de acordo com a autora, a religiosa ursulina de San Carlo, Grazia Papola, 50 anos, biblista e professora em Verona e na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, de Milão, expressa a nota principal do livro bíblico bem conhecido pela dramaticidade do seu conteúdo.
O comentário é do teólogo italiano Roberto Mela, professor da Faculdade Teológica da Sicília, publicado por Settimana News, 20-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em suas notas essenciais para cada uma das principais seções do livro, Grazia Papola comenta brevemente a história do drama de Jó (“Onde está o pai?”, ou “Onde está o inimigo?”).
Na parte em prosa do texto (Jó 1-2; 42, 7-17), o Jó paciente aceita de YHWH o mal assim como, anteriormente, recebeu o bem e, no fim, será reintegrado aos seus bens, redobrados.
Na parte em poesia (Jó 3, 1-42,6), o Jó rebelde, por sua vez, se dirige a YHWH com todos os tons à sua disposição para se lamentar do próprio destino trágico, desproporcional em comparação até com qualquer eventual culpa cometida.
Tanto Jó quanto os seus três amigos (que dão origem a nove diálogos) acreditam na doutrina da retribuição. Ao bem feito, corresponde uma recompensa positiva; ao mal cometido, cabe uma punição correspondente.
Os amigos acreditam nisso ferreamente, embora não acreditem no seu amigo Jó e difundam implacavelmente uma doutrina religiosa criada por eles mesmos, não levando em conta a realidade concreta e trágica do seu amigo. De fato, eles sequer dialogam com ele, mas proclamam impessoalmente frases batidas e repetidas. Para eles, a doutrina vale mais do que a vida – com as suas evidências e contradições – e do que a própria amizade.
Jó se rebela contra os seus refinados discursos acadêmicos e, a partir de uma partilha inicial da doutrina da retribuição, finalmente chega à redescoberta de um Deus vivo que escuta as pessoas em dificuldade, um Deus que não se esconde e não se cala, mas que vai ao encontro das pessoas prostradas pela dor. Um Deus superior e diferente do puro oficial pagador de prêmios e punições.
Jó afirma a sua inabalável confiança, esperança e fé em YHWH, seu resgatador/gō’ēl (mais do que “redentor”), que antes da sua morte se elevará acima e talvez ainda mais contra o pó (ambivalência da preposição hebraica ‘al), se deixará ver por Jó que, assim, o contemplará de perto, não como um estranho.
Jó tenta encontrar e ver um Deus vivo e próximo do ser humano. Ele está tomado pela dor e pelo problema que ele suscita em relação à existência de um Deus bom. Sua busca, porém, não é de tipo intelectual, mas sim existencial. Ele tenta encontrar Deus, vê-lo e não apenas “escutá-lo com uma escuta de ouvido” (assim afirma literalmente Jó 42, 3), “por ouvir dizer”.
No fim da sua busca, YHWH lhe responderá. Ele também não resolverá o enigma do mal e da dor, mas ampliará a mente de Jó para a maravilha da criação e para os confins mais vastos da sua percepção imediata e circunscrita. Ele o abrirá ao estupor.
No epílogo, narra-se a reintegração de Jó aos seus bens, redobrados, e a aprovação que YHWH faz das suas palavras: “coisas retas/nekōnāh”, em comparação com as dos amigos, acusadas de “tolice/nebālāh”. Os bens obtidos por Jó no epílogo da sua história (Jó 42, 7-17) não são prêmios, até porque não reintegram os bens perdidos e a dor sofrida.
A importância do livro de Jó está na esperança que o protagonista continua tendo em YHWH e na reconciliação à qual ele chega com os seus amigos, aos quais ele perdoa rezando e intercedendo junto ao Senhor. Por esse motivo, ele receberá o dobro de tudo e uma vida muito longa. Mas esses bens não são os mais importantes, e ele os recebe não pela lei da retribuição, mas sim pela oração e pelo perdão concedidos. Eles são expressão de uma v ita que chegou à paz e à reconciliação consigo mesma, apesar o fato de a dor e o enigma do mal continuarem.
Gostaria de me deter sobre dois pontos. Não estou convencido de que em Jó 2, 10 se deva ler, como faz Papola (p. 32), apoiando-se na biblista Costacurta, uma afirmação (“de Deus não recebemos o mal”) ao invés de uma pergunta.
A gramática de Joüon-Muraoka, & 161a, p. 609, afirma explicitamente que a partícula interrogativa tende a cair quando é seguida pela conjunção waw. Além disso, aqui, na minha opinião, Jó participa ainda plenamente da fé na lei da retribuição.
Em vez disso, estou muito feliz que, com relação a Jó 42, 6, Papola retoma e assume (finalmente!, p. 65) a tradução do biblista Borgonovo (com quem certamente se encontrará enquanto leciona em Milão...), expressada na sua formidável tese de doutorado: “Per questo detesto polvere e cenere ma ne sono consolato” [Por isso, eu detesto o pó e a cinza, mas estou consolado]. Jó não se arrepende de nada (cf., ao contrário, a tradução CEI 2008, embora seja conhecida a polissemia da raiz nḥm), tanto que é louvado por YHWH.
Jó detesta o pó e a cinza da dor, que ainda sente e que YHWH não explicou, nem mesmo no fim dos seus discursos, mas está consolado porque sente YHWH perto dele, amigo do ser humano, e não seu inimigo ou juiz implacável.
O problema do mal e da dor não é resolvido nem mesmo no livro de Jó, que pode ser visto como uma antecipação de Cristo que reza angustiado – mas não desesperado – na cruz.
O livro de Jó não é um catecismo em que as respostas são importantes. Aqui são importantes as perguntas que vêm da vida e não as respostas que vêm da doutrina repetida histericamente. Quando, no fim, vê-se Deus, caem também as perguntas, e nasce a consolação, o caminho compartilhado de Deus com o ser humano frágil e caduco, mas, desde sempre, filho amado que deve ser acompanhado e sustentado nos caminhos difíceis da vida.
Um belo livreto, muito útil para uma questão crucial da fé e sobre um livro bíblico nem sempre explicado de modo correto.
Grazia Papola. La speranza di Giobbe (Le ispiere s.n.). Bolonha: EDB, 2019, 80 páginas.
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A esperança de Jó. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU