01 Junho 2019
Sistema operacional próprio da empresa chinesa poderia estar pronto neste outono.
A reportagem é de Macarena Vidal Liy, publicada por El País, 29-05-2019.
A proibição pelos Estados Unidos de que a Huawei possa se abastecer de componentes e software deste país caiu como um golpe duro na China, mas a gigante da tecnologia reagiu com relativa calma. Diante da possibilidade de que em algum momento chegasse uma decisão desse tipo — argumentou esta semana —, a empresa se preparou e tem um plano B para fazer frente à medida que, a menos que aconteça um acordo, entrará em vigor em 19 de agosto. Mas em que consiste esse plano? Ele realmente permitirá superar o veto de Washington?
À primeira vista, o fato de o Google retirar a licença da Huawei para usar o sistema operacional Android em seus novos produtos e os fabricantes de semicondutores norte-americanos encerrarem as remessas de chips parece um golpe intransponível para qualquer empresa. No caso da gigante chinesa, o veto “lança uma longa sombra sobre a capacidade da empresa continuar fabricando produtos de consumo avançados — inclusive telefones 5G — que em 2018 geraram 48,4% dos 105,2 bilhões de dólares (cerca de 418,13 bilhões de reais) do faturamento da companhia”, opina a consultoria Eurasia Group.
A Huawei estuda medidas jurídicas contra a proibição do Governo dos EUA e admite que, certamente, suas consequências não são nada agradáveis. “Estamos dispostos a continuar usando (o software) do Google e da Microsoft, mas não temos outra opção”, disse Richard Yu, chefe da divisão de produtos de consumo da empresa, em comentários reproduzidos pelo jornal chinês Global Times. Essa opção é a fabricação de seus próprios semicondutores. E o desenvolvimento de seu próprio sistema operacional, que de acordo com alguns meios de comunicação chineses foi batizado de Hong Meng ou “sonho vermelho”.
Ter um sistema operacional próprio é um projeto no qual a empresa trabalha há anos — desde 2012, segundo a imprensa chinesa — e que foi acelerado devido à deterioração das relações comerciais entre Washington e Pequim. De acordo com Yu, o sistema “pode ser lançado provavelmente neste outono, ou no mais tardar na primavera de 2020”. Poderá ser usado em todos os tipos de aparelhos Huawei e será compatível com todos os aplicativos do Android.
Uma possibilidade é que a empresa tenha optado por usar uma base de Android — disponível em código aberto — e construa a partir daí seu próprio sistema. De certa forma, já funciona assim dentro da China, onde a censura, por razões de segurança nacional, não permite o acesso aos aplicativos do Google nem a outros dos mais populares no mundo ocidental.
Na China, isso não representa um grande revés. Os usuários contam com um mundo paralelo de aplicativos, muitos deles muito populares e com mais funções do que seus equivalentes para além do Grande Firewall. Além do onipresente WeChat, os internautas usam o Weibo no lugar do Twitter, o Didi ao invés do Uber, o mecanismo de busca Baidu ou os mapas do Gaode. Se procuram dicas de lazer, recorrem ao Dianping e não ao Yelp; se querem pedir comida, a solução é o Meituan ou o EleMe. Tinder para namorar? Não, melhor o TanTan.
O problema ocorrerá em seu mercado externo. A Huawei é a segunda fabricante de celulares do mundo e pretende ultrapassar a Samsung para se tornar a primeira. Vendeu 205,8 milhões de aparelhos no ano passado, quase a metade fora da China, na Europa, no leste da Ásia e na América Latina. E esses consumidores se preocupam em não poder acessar o Gmail ou o GoogleMaps. Um relatório da consultoria Strategy Analytics prevê que no próximo ano as vendas para o exterior dos aparelhos da Huawei caiam 24%, e 23% em 2020, diante da incerteza de até que ponto poderá ser útil um telefone dessa marca.
O próprio fundador da Huawei reconheceu em uma entrevista à imprensa chinesa que não é fácil. “Criar um novo sistema operacional não é uma tarefa difícil, mas é difícil construir um ecossistema para ele”, disse Ren Zhengfei. Os desenvolvedores teriam de criar versões de seus aplicativos específicas para o Hong Meng, além da que já produzem para Android e Apple. Conseguir a paridade não é um trabalho insignificante: a canadense Blackberry e o Windows Phone sofreram para dotar suas plataformas de uma oferta respeitável de apps, algo que teve um impacto direto em suas vendas. E, em todo caso, os aplicativos substitutos para a Huawei precisarão de tempo para estabilizar seu funcionamento.
Também dependerá de se os desenvolvedores poderão ou desejarão trabalhar com a Huawei. Ainda não está claro se a ordem norte-americana poderia afetá-los, ou se preferirão não se arriscar para não incorrer em possíveis problemas com as autoridades de Washington.
Outras dores de cabeça para a empresa podem vir do lado dos semicondutores, um componente vital. De acordo com Ren, aproximadamente 50% dos chips que a Huawei usa são de design próprio, criados por sua subsidiária HiSilicon e produzidos pela taiwanesa TSMC. Os outros 50% são recebidos de fabricantes estrangeiros e esse fornecimento está ameaçado. Gigantes norte-americanos como a Qualcomm acatarão a ordem de Washington. Esta semana, a empresa britânico-japonesa ARM, que fornece chips à Huawei para seus processadores, também anunciou que adotará a proibição.
“A Huawei parece ser suficientemente avançada com sua atual geração de chips (Kirin 985) para garantir o fornecimento para o próximo ano, aproximadamente. Dependendo da duração do conflito comercial e se esses vetos às exportações forem resolvidos, o mais provável é que a Huawei tenha problemas para desenvolver a próxima geração de chips”, explica em um e-mail Kristin Shi-Kupfer, diretora da área de pesquisa de Políticas Públicas e Sociedade do centro de estudos alemão MERICS.
No entanto, em uma comunicação interna divulgada pela Reuters, a HiSilicon diz que está se preparando “há muito tempo” para a possibilidade de uma interrupção do fornecimento, e seus esforços permitem garantir a “segurança estratégica” da maioria dos produtos.
Por enquanto, os 90 dias ainda dão uma margem às partes para tentar chegar a uma solução. Os Estados Unidos já ameaçaram impor uma sanção semelhante à concorrente chinesa da Huawei, a ZTE, mas acabaram retirando-a em abril. E na montanha-russa que são as negociações comerciais entre Washington e Pequim, três meses é muito tempo para que a situação tenha uma reviravolta radical, ou várias. No final de junho, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da China, Xi Jinping, se verão em Osaka (Japão) em uma reunião que pode ser decisiva para as negociações comerciais. E como o próprio Trump reconheceu, “é possível que, se fizermos um pacto, a Huawei faça parte desse acordo”.
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‘Sonho vermelho’: o ‘plano B’ da Huawei contra as sanções dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU