08 Mai 2019
O diretor editorial do canal de TV Arte France, Bruno Patino, especialista em mídia e assuntos digitais, faz um alerta sobre os excessos da economia digital. Ele defende uma regulamentação mais rigorosa das redes sociais em nome do nosso bem-estar.
A entrevista é de Élise Koutnouyan, publicada por La Vie, 07-05-2019. A tradução é de André Langer.
A capacidade máxima de atenção da geração dos “millennials” seria de nove segundos... ou seja, apenas um segundo a mais que o peixe vermelho! Somos prisioneiros das nossas telas?
Somos todos um pouco vítimas do fechamento sobre nós mesmos. Essas telas supostamente criadas para nos abrir para os outros são, às vezes, telas que nos trancam. Eu parti da observação do que vejo ao meu redor e do meu próprio sentimento. Nosso tempo (em família, de leitura...) é interrompido por solicitações digitais às quais respondemos de maneira cada vez mais automaticamente. Eu escrevi este livro [La civilisation du poisson rouge. Petit traité sur le marché d’attention, Paris: Grasset, 2019 (A civilização do peixe vermelho. Pequeno tratado sobre o mercado da atenção, em tradução livre), ] para alertar sobre essa sensação difusa, que é de fato uma realidade.
Como chegamos a isso?
Houve uma mudança relativamente simples, que eu situo entre 2006 e 2008. É a chegada do iPhone, das redes sociais, da conexão permanente e, com eles, da publicidade. Estas plataformas precisam ganhar sua vida e fazem isso em base a um modelo publicitário. Ele é ao mesmo tempo tradicional, porque visa capturar sua atenção, mas também é inovador, porque busca capturá-la a todo momento, inclusive ao longo do tempo já devolvido a outra coisa. Para a análise dos seus dados, pode-se fazê-lo o mais próximo possível daquilo que motiva suas emoções e sua atenção pessoal, como um indivíduo, e não como um agregado geral.
Essa nova economia da atenção, portanto, modifica nossa relação com o tempo...
Para conquistar nosso tempo, as ferramentas vão transformar o hábito em vício. Técnicas das neurociências são usadas para nos tornar cada vez mais dependentes, seja da própria tela ou de certos aplicativos do nosso smartphone. Nosso tempo é um recurso que, pouco a pouco, está sendo sugado por novos atores que, por não estarem limitados em sua ação, comportam-se como predadores. Penso que estamos obcecados com o fato de que roubam nossos dados, mas não conseguimos nos dar conta de que roubam uma parte do nosso livre arbítrio sobre o nosso tempo.
Quais técnicas estão sendo implementadas com a finalidade de nos tornar “dependentes”?
Existe, de modo especial, o mecanismo da recompensa aleatória, descrito pela experiência da “caixa de Skinner” já em 1931. Um rato e um distribuidor de alimentos são colocados em uma caixa. Quando a comida cai cada vez que o rato pressiona uma barra, ele se apropria do mecanismo e o aciona quando está com fome. Por outro lado, quando a comida cai aleatoriamente, o rato pressiona o tempo todo a barra, mesmo quando está saciado. O mecanismo se apropria do rato. Este é o princípio das máquinas caça-níqueis e um grande número de ferramentas digitais que temos nas mãos hoje: Facebook, Candy Crush, etc. Eu quero que os leitores do meu livro percebam que eles não são totalmente senhores de si, já que estamos falando de smartphones ou de certos aplicativos – e não é apenas o caso dos “millennials”! Estamos na mesma posição do fumante inveterado que diz: “Eu paro quando quero”, mas que é incapaz de parar.
Quais são as implicações disso para a nossa maneira de “fazer sociedade”?
Toda a nossa sociabilidade é alterada. Minha conversa com os outros, as informações que eu compartilho, as mensagens que recebo são frequentemente filtradas por essa economia da atenção que joga com as emoções que vai produzir, mais pela reação do que pela reflexão. Isso provoca disfunções. Em termos de informação, as notícias falsas circulam ainda melhor nesses universos, que apelam mais frequentemente às nossas entranhas do que ao nosso cérebro. Essas mensagens são favorecidas porque são economicamente mais eficientes. Elas circulam mais rapidamente e têm um alcance maior.
Você descreve que isso cria uma “irrevogável fragmentação dos mundos”, que “tudo é questão de tribos autossuficientes”... Mas vemos surgir momentos de comunhão, como no caso do incêndio de Notre-Dame de Paris. Como você analisa isso?
Hoje, o que nos une e o que nos divide é cada vez mais emocional. Nesta economia generalizada da atenção, nada é mais eficaz que a emoção. O digital pode nos unir quando acontece algo que preocupa a todos. Lembro-me do dia 13 de novembro de 2015 quando, graças ao Facebook ou ao Twitter, as pessoas próximas à boate Bataclan e aos terraços de café conseguiram encontrar refúgio em perfeitos estranhos. O contato entre as pessoas permanece. Mas a economia da atenção, em tempos normais, leva à fragmentação. Estar próximo daquilo que provoca em si emoção e que não será necessariamente a mesma coisa no outro. A economia da atenção polariza os círculos emocionais. Este é o princípio da mina a céu aberto. Para capturar sua atenção, no começo é fácil. Mas, quanto mais você é solicitado, mais difícil se torna, e mais eu tenho que acrescentar ao caráter emocional. É como se eu cruzasse, passo a passo, as gradações na emoção que eu quero provocar.
Um artigo do Wall Street Journal mostrou que, quando se assiste vídeos de notícias nas redes sociais, elas são cada vez mais extremistas. Não são usados para um projeto de sociedade ou político. É a lógica das coisas. Para conquistar você, enquanto está com sua família ou lendo um livro, eu tenho que fazer barulho e estar mais perto das suas emoções. Os mass media sempre fizeram isso, mas em um tempo limitado e sobre a multidão. Eles apostam em uma emoção coletiva. Aí, são mídias de precisão. Pela história individual, as plataformas sabem o que mais o afeta. Então elas irão ao mais próximo de suas crenças e os empurrarão aos seus limites.
Você diz que a economia da atenção contribui para a aceleração do mundo e cria um “instantâneo infinito”. O que você quer dizer com isso?
São os trabalhos do sociólogo Hartmut Rosa, que fala da “aceleração” como princípio fundador da marcha social. Todos os mecanismos descritos reforçam a aceleração geral. É por esta razão que se espalhou a uma velocidade inédita em nossos comportamentos! Ninguém nos obrigou a usar essas ferramentas. Nós pensávamos que elas seriam um oceano; mas estamos confinados a um aquário. As redes sociais sempre carregam consigo um potencial de colocar em contato e de partilha. Mas a aplicação excessiva do modelo econômico gera disfunções atuais. Em alguns anos, vamos olhar para o nosso tempo como um período que poderia ser chamado de “digital selvagem”. Ainda não medimos e, portanto, ainda não agimos sobre os efeitos nocivos que pode ter.
Como agir então?
Nós já devemos ter consciência disso. Estamos no momento da tomada de consciência das autoridades públicas e das sociedades. Também vemos o desenvolvimento de um hábito coletivo ou individual que diz: “Atenção, em determinados momentos, devemos estar desconectados”. Estados, comunidades, consumidores devem ter um diálogo firme com as plataformas do ponto de vista regulatório. É necessário implementar políticas de educação e saúde pública. Existem muitos mecanismos de proteção para os cassinos: sua implementação é limitada e, abaixo de uma certa idade, você não tem o livre arbítrio necessário para resistir aos mecanismos de recompensa aleatória das máquinas caça-níqueis. Mecanismos semelhantes de proteção precisam ser implementados para as plataformas digitais. Eu não acredito em autorregulação, porque isso significaria dizer que uma empresa concorda em ter sua posição de concorrência reduzida para o bem-estar das pessoas. Eu acredito em regulamentação coletiva.
Mas ao contrário dos cassinos, o digital está em toda parte e em todas as áreas da vida...
É bem por isso que é um pouco complicado. Veja a reação que provoca, entre os mais jovens, o fato de ser “unfollowé” em uma rede social: é vivido como um banimento. Tenho minhas dúvidas se isso pode ser considerado uma reação saudável. Isso significa que coloca em jogo algo que vai além de uma simples ferramenta de entretenimento. Eu não penso de forma alguma que devemos proibir isto ou aquilo, mas limitar o uso de mecanismos de neurociências prejudiciais ou o tempo de conexão. Estas indicações, que parecem absurdas hoje, nos parecerão relativamente óbvias dentro de alguns anos.
Então você continua otimista!
Penso que precisamos nos curar e lutar. Curar é um passo individual: devemos entender o que está acontecendo conosco e tentar tomar distância. Lutar é estabelecer limites. Precisamos ter políticas no sentido nobre do termo. No diálogo com as plataformas, não existe apenas o problema fiscal e de redistribuição econômica da coleta de dados. A questão do impacto em nossas vidas é importante. Temos de acrescentar um capítulo à discussão, que diz respeito às nossas liberdades individuais e ao nosso bem-estar.
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“As ferramentas digitais roubam nosso livre arbítrio”. Entrevista com Bruno Patino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU