26 Março 2019
A visita de Jair Bolsonaro a Donald Trump confirma a previsão.
O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor, publicado por CartaCapital, 26-03-2019.
No seminário A Nova Economia Liberal, patrocinado pela Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, o liberalismo da Escola de Chicago prometeu vestir fatiota nova em carcaça velha. Entre esgares de sapiência e olhos esbugalhados, Paulo Guedes repetiu as promessas de limpar a área dos pênaltis roubados pelo time do Estado intervencionista e ineficiente em prejuízo do mercado lépido e criativo. A limpeza começa com a reforma da Previdência e a desvinculação das despesas orçamentárias, continua nas privatizações radicais e avança para a liberalização unilateral da economia.
Propósitos tão louváveis quanto a consigna Deus Acima de Tudo, a reforma da Previdência e a desvinculação das despesas ensejariam o equilíbrio fiscal a longo prazo, a grana das privatizações seria utilizada para reduzir a dívida pública e a liberalização unilateral da economia favoreceria a competitividade das empresas brasileiras submetidas aos confortos do protecionismo.
No último fim de semana, tentei um exercício de racionalidade liberal, ao distribuir meu tempo entre os ensinamentos do seminário da FGV e a leitura do novo livro de Raghuram Rajan, ex-economista chefe do FMI, ex-presidente do Banco Central da Índia, hoje professor de economia na Universidade de Chicago.
Reprodução da capa do livro The Third Pillar | Divulgação
No livro The Third Pillar, Rajan escapa da dicotomia Estado-Mercado. Avalia as consequências das políticas liberais despejadas, nas últimas décadas, no lombo do “Terceiro Pilar”. Assim Raghuram Rajan designa a Comunidade, a teia de relações entre mulheres e homens que vivem nos territórios jurídico-políticos nacionais. Trata-se da turma que tenta levar a vida sob as ameaçadoras racionalizações que escorrem do embate tecnocrático entre Estado e Mercado.
Na contramão do liberalismo da velha Chicago, aquele de Milton Friedman, Pinochet e Paulo Guedes, Raghuram Rajam faz a defesa das políticas econômicas que “pulavam na perna esquerda” (sic). Ele sustenta que, na assim chamada era dourada – entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70 do século passado –, conviveram em harmonia o crescimento rápido, a baixa inflação, reduzidas taxas de desemprego, aumento dos salários reais e integração das massas aos padrões modernos de consumo e convivência.
Na década dos 70, o jogo virou. Entrou em campo a funesta combinação entre inflação e baixo crescimento. O bloco ideológico que se opunha às políticas “intervencionistas” e ao Estado do Bem-Estar tratou de atribuir o desarranjo à decrepitude das políticas e das práticas que buscavam controlar a instabilidade do capitalismo e impedir que o destino dos cidadãos ficasse à mercê das incertezas do mercado.
No limiar dos anos 80, a eleição de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos refletiu o desconforto das classes abastadas com a estagflação. As cargas tributárias elevadas, o excesso de regulamentação e o poder dos sindicatos eram, diziam eles, os responsáveis pelo mau desempenho das economias.
O importante nessa concepção é a ênfase na capacidade do mercado livre de empecilhos de mobilizar e fluidificar os recursos individuais. O corpo de propostas “reformistas” rotuladas de liberais ou neoliberais está comprometido com a ideia de que é preciso liberar as forças criativas do mercado. Mas, na verdade, as reformas liberalizantes, empreendidas desde o crepúsculo dos anos 70 do século passado, trataram de mobilizar os recursos políticos e financeiros dos Estados Nacionais para fortalecer os respectivos sistemas empresariais envolvidos na concorrência global.
Na esteira do apoio decisivo do Estado, as corporações globais passaram a adotar padrões de governança agressivamente amparadas nos procedimentos da concorrência monopolista. As empresas subordinaram seu desempenho econômico à “criação de valor” na esfera financeira, repercutindo a ampliação dos poderes dos acionistas.
Raghuram Rajan admite que as estratégias de localização da corporação globalizada e a revolução tecnológica promoveram transtorno nas vidas das Comunidades. Isso aconteceu no mesmo período em que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações em suas relações com os empregados e terceirizados. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis de concorrência. A abertura dos mercados e o acirramento da concorrência coexistiram com a tendência ao monopólio e, assim, impediram que os cidadãos, no exercício da política democrática, exercitassem o direito de decidir sobre a própria vida.
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Guedes como Pinochet: temia-se que esta parceria se consolidasse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU