25 Março 2019
Existe o perigo de um retorno do fascismo no mundo? Quando questionado sobre o assunto, o historiador Emilio Gentile, considerado na Itália o maior especialista vivo sobre o fascismo, dá uma resposta contundente: "Absolutamente, não".
No entanto, nos últimos tempos, os presidentes dos Estados Unidos, Rússia, Brasil, Hungria e muitos outros líderes políticos das Américas e da Europa foram rotulados como fascistas por suas políticas de imigração ou por seu nacionalismo. Mas é correto defini-los assim?
Gentile conhece profundamente o fascismo, porque dedicou toda sua vida acadêmica a analisá-lo.
Este movimento político nasceu oficialmente na noite de 23 de março de 1919, quando Benito Mussolini (1883-1945) fundou em Milão o grupo Fasci Italiani di combattimento.
O grupo reuniu ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial, um conflito que deixou a Itália, como quase toda a Europa, mergulhada em uma profunda crise política, econômica e social.
Depois de alguns anos, Mussolini chegou ao poder graças ao apoio do rei Victor Emmanuel 3º, de grandes empresários e do Vaticano, bem como por meio do uso da violência.
Em 1925, ele assumiu o controle de todos os poderes do Estado e transformou um regime parlamentar e democrático em um Estado totalitário regido pela total falta de liberdades individuais, políticas, organizacionais e de pensamento.
Mussolini e seu movimento também se tornaram uma referência para regimes autoritários em todo o mundo, particularmente para Adolf Hitler (1889-1945). Ele apoiou o regime nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial e, como Hitler, foi derrotado em 1945.
Mas isso não significou a derrota do fascismo como ideologia política, que permanece viva em muitos movimentos da extrema direita. Mas o que é exatamente o fascismo?
O historiador Stanley G. Payne afirmou em um de seus vários estudos sobre o assunto que "continua sendo o mais indefinido dos termos políticos mais importantes". Cem anos após sua aparição na história, conversamos com Gentile sobre o tema.
A entrevista é de Angelo Attanasio, publicada por BBC News Mundo, 24-03-2019.
Sobre o que falamos quando falamos de "fascismo"?
Devemos distinguir entre o fascismo histórico, que é o regime que, a partir da Itália, marcou a história do século 20 e se estendeu à Alemanha e a outros países europeus no período entre as duas guerras mundiais, e o que é freqüentemente chamado de fascismo depois de 1945, que se refere a todos aqueles que usam da violência em movimentos de extrema direita.
Quais são as diferenças entre as duas definições?
Há uma diferença substancial, porque vários movimentos de extrema direita já existiram antes do fascismo e não geraram um regime totalitário.
O que se entende por "extrema direita"?
Qualquer movimento que se oponha aos princípios da Revolução Francesa de igualdade e liberdade, que afirma a primazia da nação, mas sem necessariamente ter uma organização totalitária ou uma ambição de expansão imperialista. Sem o regime totalitário, sem a submissão da sociedade em um sistema hierárquico militarizado, não é possível falar de fascismo.
Então, quando se pode falar de "fascismo"?
Podemos falar de fascismo ao nos referir ao fascismo histórico, quando um movimento de massas organizado militarmente tomou o poder e transformou o regime parlamentar em um Estado totalitário, ou seja, em um Estado com um partido único que procurou transformar, regenerar ou até criar uma nova raça em nome de seus objetivos imperialistas e de conquista.
Isto é, somente quando nos referimos a esta experiência específica?
Sim, para o período histórico entre as duas guerras mundiais, quando ainda havia a vontade de conquistar e se expandir imperialmente por meio da guerra. Se estas características ainda estivessem presentes hoje, poderíamos falar em fascismo. Mas me parece completamente impossível. Mesmo aqueles países que aspiram a ter um papel hegemônico procuram fazer isso por meio da economia e não da conquista armada.
O senhor acha que existe o perigo de um retorno do fascismo?
Não, absolutamente, porque na história nada volta, nem de um jeito diferente. O que existe hoje é o perigo de uma democracia, em nome da soberania popular, assumir características racistas, antissemitas e xenófobas. Mas em nome da vontade popular e da democracia soberana, que é absolutamente o oposto do fascismo, porque o fascismo nega totalmente a soberania popular. Esses movimentos, no entanto, se definem como uma expressão da vontade popular, mas negam que este direito possa ser estendido a todos os cidadãos, sem discriminações entre os que pertencem à comunidade nacional e aqueles que não.
Donald Trump, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e outros líderes políticos foram chamados de fascista por suas políticas de imigração ou seu nacionalismo. É correto definí-los assim?
Se afirmamos isso, poderíamos dizer então que todos são homens e brancos. Mas, ao mesmo tempo, não entenderíamos a novidade destes fenômenos. Não se trata de aplicar o termo "fascista" para todos os contextos, mas de entender quais são as causas que geraram e fizeram proliferar estes fenômenos. Em todos esses países, esses movimentos extremistas se afirmaram com base no voto popular.
O senhor acha então que a palavra "fascismo" está sendo abusada para definir estes governos?
Na minha opinião, é um grande erro, porque não nos permite compreender a verdadeira novidade destes fenômenos e o perigo que eles representam. E o perigo é que a democracia possa se tornar uma forma de repressão com o consentimento popular. A democracia em si não é necessariamente boa. Só é boa se realiza seu ideal democrático, isto é, a criação de uma sociedade onde não há discriminação e na qual todos podem desenvolver sua personalidade livremente, algo que o fascismo nega completamente. Então, o problema hoje não é o retorno do fascismo, mas quais são os perigos que a democracia pode gerar por si só, quando a maioria da população - ao menos, a maioria dos que votam - elege democraticamente líderes nacionalistas, racistas ou antisemitas.
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100 anos do fascismo: 'O perigo atual é que democracia vire repressão com apoio popular', diz historiador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU