20 Março 2019
Um certo número de palavras ou de conceitos permanecem fortemente presentes no discurso eclesiástico, sem apresentar hoje uma grande conformidade com a realidade. Seria preciso elaborar uma lista para tentar lhes dar novamente um senso comum. Isso vale, como primeiro exemplo, para a expressão “Santa Igreja”.
A opinião é de Albert Olivier, publicada por Garrigues et Sentiers, 16-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O rótulo talvez abranja uma visão mística da assembleia dos discípulos passados e presentes de Cristo, mas o qualificativo parece pouco adequado à situação da Igreja romana em 2019 (isto é, mais ou menos, depois de dois milênios). Pode-se replicar: “Sim, ela é fundamentalmente ‘santa’ pois foi fundada por Jesus Cristo [?], mas ela é composta por homens falíveis”. Certo. Então, tentemos esclarecer essa expressão ambígua.
Não se trata de rejeitar a grandeza da castidade, “espinha dorsal” da vida religiosa ou clerical, de negar o seu eco profético para anunciar aquela que seria uma vida “em Deus”, para aqueles que sejam física e psicologicamente capazes dela. Mas qual é a sua pertinência atual?
Pouco a pouco, descobre-se a amplitude do escândalo da pedofilia, que parece largamente difundido na Igreja universal. Como tal horror pôde ser cometido por pessoas que deviam “representar a Cristo”? Elas tinham consciência do mal causado à mensagem de que eram portadoras? Quanto tempo levará para restaurar a confiança em uma instituição que reafirmava sem cessar a nobreza celeste da sua missão e se orgulhava disso?
Além disso, também se descobrem muitas outras violações da castidade, reivindicada como sinal de “santidade”, sejam elas hétero ou homossexuais. Pergunta relacionada: o compromisso com o celibato é estritamente equivalente a um voto de castidade? Essa distinção significa alguma coisa?
Se a castidade não é mais “vivível” hoje em dia, é preciso reconhecer isso e encontrar um jeito para fazer com que as funções da Igreja necessárias à vida cristã e reservadas até agora ao clero (cada vez menos numeroso) – batismos, casamentos, pregações, confissão... – possam ser realizadas por outros, que sejam aptos e formados para a realização de tais atos.
Os capelães de hospitais e das prisões não padres, incluindo as mulheres, não poderiam receber legitimamente a confissão de pessoas que as escutam e que têm confiança nelas? O batismo já pode ser ministrado por um leigo em caso de urgência, “sob a condição de fazê-lo no espírito da Igreja”. Por que não na vida corrente? Muitos leigos, intelectual e espiritualmente competentes, poderiam, muitas vezes, fazer uma pregação igualmente tão bem quanto um padre. Os nossos irmãos protestantes fazem isso.
Por fim, não nos esqueçamos de que os “ministros” do sacramento do matrimônio são os próprios cônjuges, e o padre é apenas o seu “assistente” em nome da Igreja (decreto Tam etsi, de 1953). Etc.
Permaneceria aparentemente insolúvel no marco do laicato de hoje a celebração da Eucaristia. Ou, melhor, o ato “sagrado” da consagração. Sem voltar à Igreja primitiva, em que não é certo que a refeição fraterna devia ser “presidida” por um especialista (1), não se poderia reelaborar teológica e liturgicamente a questão das ADAPs (Assembleia Dominical na Ausência de um Padre), em vez de designar um “titular” eclesiástico que vá à paróquia a cada poucas semanas e que não poderá conhecer as suas ovelhas?
Que o Senhor faça com que a Igreja se torne o que ela diz ser.
Nota:
1. As referências à Eucaristia nos Atos dos Apóstolos, assim como nos capítulos IX e X da Didaché, testemunhos do primeiro século da Igreja primitiva, não descrevem nada mais do que uma verdadeira refeição fraterna em memória e em louvor ao Senhor.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Para esclarecer os mitos da Igreja Romana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU