14 Dezembro 2018
"Estará o presidente eleito disposto, se Deus ou a Justiça humana pedir, a sacrificar seu filho em nome do compromisso de fé com seus eleitores?" A pergunta é de Juan Arias, jornalista, em artigo publicado por El País, 13-12-2018.
O novo presidente do Brasil, o capitão reformado Jair Bolsonaro, não é só o homem da bala, mas também o da Bíblia. Fez-se batizar na Terra Santa, nas águas do Jordão, as mesmas em que João Batista batizou Jesus. Não esconde ser crente e costuma erguer em suas mãos, junto da Constituição, o livro das Sagradas Escrituras. Quando ainda era deputado no Congresso, afirmou que o Brasil não é um Estado laico, e sim cristão, e muitos dos que o seguem apoiam uma teocracia como a melhor forma de governo para este país.
Conhece-se de Bolsonaro sua fé nas armas como antídoto contra a violência no Brasil, que ceifa mais vidas que nas guerras em curso no mundo. Junto ao sinal da cruz dos cristãos, seu gesto preferido é o da mão imitando o disparo de um revólver. Durante sua campanha eleitoral que lhe concedeu 57 milhões de votos, o candidato à presidência da República manifestou três grandes atos de fé pessoal e política: fé em livrar os brasileiros das garras da violência que os golpeia e atemoriza; fé em recuperar a economia em crise, que está devolvendo milhões de famílias à pobreza e até à miséria; e, por fim, fé na luta sem trégua contra a corrupção política e empresarial.
Como homem da Bíblia, Deus pôs Bolsonaro perante uma prova de fogo com motivo do suposto escândalo de corrupção que atinge seu filho Flávio através de um de seus assessores. Algo que lhe deve ter feito recordar um dos episódios mais enigmáticos e emblemáticos com que Javé quis provar a fé do patriarca Abraão, considerado como o “pai dos crentes”. Pediu-lhe, como prova de sua fé, que sacrificasse seu filho Isaac. É talvez a cena mais horripilante de todo o Antigo Testamento, narrada em Gênesis, 20. Abraão se encontrou frente ao dilema de oferecer a Deus o sacrifício do seu filho, que além do mais era inocente, ou quebrar seu pacto de fé nele. Escolheu ser fiel a Deus e decidiu sacrificar o seu “filho amado”. Deus premiou sua fé, e um anjo deteve seu braço antes da execução.
Bolsonaro está sendo posto à prova pelo Deus da Bíblia. Pede-lhe que, se for preciso, sacrifique seu filho Flávio ao invés de profanar sua fé na luta contra a corrupção, que ele jurou pôr acima de tudo. Como garantia de seu empenho, convidou para ser ministro o mítico fustigador da Lava Jato, o duro juiz Sérgio Moro. O presidente da Bíblia sabe que seu compromisso contra a corrupção foi fundamental para sua eleição. Quebrá-lo, antes ainda de tomar posse do cargo, equivaleria a uma traição sua a milhões de seguidores.
Tanto sabe disso que, na quarta-feira passada, dirigindo-se como de costume à sociedade através das redes sociais, o capitão confessou que não está disposto a ser “condescendente com nenhum erro”, custe o que custar. Confessa que “lhe dói o coração”, mas que “nem com ele nem com seu filho” pode ser "condescendente com o erro”. E isso porque, como para Abraão sua fé em Javé era inquebrável, a ponto de estar disposto a sacrificar seu filho, para Bolsonaro, afirmou ele, “o que há de mais firme é o combate à corrupção”, que havia sido um pacto de fé com seus eleitores.
Estará Bolsonaro, o presidente da Bíblia, disposto, se Deus pedisse, ou melhor, se a Justiça, desta vez a humana, pedisse, a sacrificar seu próprio filho em nome de seu compromisso de fé com seus eleitores? Ou espera que, como com Abraão, Deus acabe lhe fazendo o milagre de não precisar sacrificar o seu filho? A Bíblia, o talismã sagrado dos seguidores de Bolsonaro, colocou o novo presidente não só frente a um dilema bíblico, mas também diante de um hamtletiano ser ou não ser fiel a suas promessas e a sua consciência.
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O Bolsonaro da Bíblia frente ao dilema de Abraão de sacrificar o seu filho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU