Quando o relógio marcou pontualmente 16 horas, ao redor da longa mesa retangular do Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, 25 homens, convocados pelo então presidente-ditador Marechal Arthur da Costa e Silva, reuniram-se para decidir o futuro do governo brasileiro. Naquela tarde de sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, o chamado Conselho de Segurança Nacional decidira cassar direitos políticos e sociais de parcela da população brasileira. O documento redigido era o Ato Institucional Número Cinco – AI-5, que levaria à suspensão do Congresso no ano seguinte.
Dentre os engravatados chefiados por Costa e Silva, Antonio Delfim Netto, ministro da Fazenda, e o senador Jarbas Gonçalves Passarinho, ministro do Trabalho e Previdência Social. Esse seria apenas o quinto de 17 Atos Institucionais, a principal forma de legislação e governo durante a ditadura civil-militar, mas o mais lembrado de todos ainda hoje, 50 anos depois.
Capa do jornal Última Hora, de sábado, 14 de dezembro de 1968.
"Acorda Alice", escrita por Sérgio Bittencourt, em 1970. Foi censurada pela ditadura militar. Em 1981, com a reabertura política, a canção foi gravada por Waleska — dois anos depois da morte do seu compositor.
O estopim da reunião era a iminente perda de controle dos militares no governo nacional. Quatro anos depois do golpe contra João Goulart, o Jango, que colocara os militares à frente do governo federal, a crescente pressão dos setores políticos legitimamente eleitos estava se tornando insuportável para a manutenção do poder. Com a promulgação do AI-5, o presidente tinha poderes de fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas dos Estados da federação.
Capa do livro 1964: A Conquista do Estado, do uruguaio René Armand Dreifuss (Vozes, 1981)
Sem muitas delongas, ao abrir o encontro, Costa e Silva colocou o tema central do debate: “Meus senhores, eu convoquei o Conselho de Segurança Nacional que é o órgão consultivo da Presidência da República, para colocá-los a par de problemas de muita gravidade (...). O presidente da República, que se considera ainda um legítimo representante da Revolução de 31 de março de 1964, vê-se em um momento dramático, em que tem de tomar uma decisão optativa: ou a Revolução continua ou a Revolução se desagrega.”
Ato Institucional Número Cinco - AI-5
Evidentemente o termo revolução é carregado de toda uma semântica particular, designando uma espécie de contrarrevolução ao que seria a ascensão comunista no Brasil, manifesta na figura de Jango, ex-ministro de Getúlio Vargas que, na década de 1930, havia mandado cassar, prender, deportar e torturar integrantes do Partido Comunista Brasileiro – PCB. Do delírio anticomunista dos anos 1960, em plena Guerra Fria, que inviabilizou o Brasil no cenário internacional como uma Terceira Via inspirada por Celso Furtado, restou apenas as sombras dos dez anos mais duros da ditadura civil-militar.
O AI-5 institucionalizou a tortura e a perseguição a qualquer pessoa que fosse contrária às políticas governamentais. Senadores biônicos dividiam o púlpito com senadores eleitos dos dois únicos partidos tolerados pelos militares, Arena e MDB, instituídos anos antes pelo Ato Institucional Número Dois – AI-2. Com a promulgação do AI-5, instaurou-se a censura prévia ao jornalismo e às manifestações artísticas como música, cinema e teatro que pudessem ser consideradas subversivas ou contra a chamada “moral e bons costumes”.
Costa e Silva era o representante da “Linha dura” do Exército Brasileiro e o AI-5 era uma espécie de resposta à Constituição de 1967, promulgada por Castelo Branco (seu antecessor e opositor na caserna), que pela via jurídica legitimava o golpe de 1964, mas dava as tintas para uma possível reabertura política do Brasil. Mas tal possibilidade foi não somente soterrada com a troca de governo, justamente a chegada de Costa e Silva, como mergulhou o Brasil no período mais sombrio do regime ditatorial.
Exatamente um ano e quatro dias depois de promulgar o AI-5, Costa e Silva morre. Meses antes, entre 31 de agosto e 30 de outubro de 1969, uma junta governativa assumiu o governo nacional até a chegada de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Os anos de chumbo seguiram, mesmo que durante décadas se acreditou que o governo de Ernesto Geisel (1974-1979) teria inaugurado uma fase “nova” na ditadura, representando a ala menos radical dos militares brasileiros. Entretanto, documentos da CIA divulgados em maio de 2018, revelam que Geisel manteve a política de assassinatos do regime, inclusive com autorização de execuções vindas do Palácio do Planalto.
“Eu tomei uma decisão nesse momento: todas as manhãs quando despertava, prometia a mim mesmo ‘hoje não vou ficar paranoico’. Isso valia por 24 horas”, relembra Jair Krischke, ao contar sua rotina no então Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul depois da instituição do Ato Institucional Número Cinco – AI-5 em 13 de dezembro de 1968. À época, Krischke atuava auxiliando perseguidos pelo regime a saírem do país, atividade que se intensificou durante a década de vigência do AI-5. “Tivemos que tirar muitas pessoas do país, porque a perseguição começou a se dar de uma forma indiscriminada: se suspeitassem que alguém tivesse feito isso ou aquilo, já era razão suficiente para a perseguição. O AI-5 estabeleceu uma possibilidade de prisão sem fundamentação jurídica, sem direito a acesso a advogado ou aos familiares. Para temas de ‘crimes políticos’ não havia possibilidade de habeas corpus, que também foi suspenso com o AI-5”, relata na entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line.
Cinquenta anos depois da Instituição do AI-5, Krischke avalia que o autoritarismo que vigorou no país por dez anos ficou “inculcado” nos brasileiros. “Se observarmos, sociologicamente, não nos livramos ainda desse autoritarismo, que conseguiu ingressar na epiderme do brasileiro”, afirma. Prova disso, exemplifica, são as violações aos direitos humanos no país. “Quem viola os direitos humanos no Brasil? O Estado brasileiro, e isso tem a ver com esse autoritarismo: se ‘a autoridade decidiu, está decidido’, mesmo se for uma ilegalidade e mesmo que sejam atos nada republicanos”, lamenta. Para mudar esse cenário, sugere, “o Estado brasileiro precisa entender que o cidadão tem direito a ter direitos e o Estado tem que ser o primeiro a garantir esse direito”.
Presidente ditador Marechal Arthur da Costa e Silva
Doutor Pedro Aleixo, vice-presidente da Republica;
General-de-brigada Jayme Portella de Mello, chefe do Gabinete Militar da presidência da República e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional;
Deputado Rondon Pacheco, chefe do Gabinete Civil da Presidência da República;
Doutor Luiz Antonio da Gama e Silva, ministro da Justiça;
Almirante-de-esquadra Augusto Hamann Rademaker Grünewald, ministro da Marinha;
General-de-exército Aurélio de Lyra Tavares, ministro do exército;
Deputado José de Magalhães Pinto, ministro das Relações Exteriores;
Doutor Antonio Delfim Netto, ministro da Fazenda;
Coronel Mario David Andreazza, ministro dos Transportes;
Doutor Ivo Arzua Pereira, ministro da Agricultura;
Deputado Tarso de Moraes Dutra, ministro da Educação e Cultura;
Senador Jarbas Gonçalves Passarinho, ministro do Trabalho e Previdência Social;
Marechal-do-ar Márcio de Souza e Mello, ministro da Aeronáutica;
Doutor Leonel Tavares Miranda, ministro da Saúde;
Deputado José Costa Cavalcanti, ministro das Minas e Energia;
General-de-divisão Edmundo de Macedo Soares e Silva, ministro da Indústria e do Comércio;
Doutor Hélio Marcos Penna Beltrão, ministro do Planejamento e Coordenação Geral;
General-de-divisão Afonso Augusto de Albuquerque Lima, ministro do Interior;
Professor Carlos Furtado de Simas, ministro das Comunicações;
General-de-divisão Emilio Garrastazú Medici, chefe do Serviço Nacional de Informações;
General-de-exército Orlando Geisel, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas;
Almirante-de-esquadra Adalberto de Barros Nunes, chefe do Estado-Maior da Armada;
General-de-exército Adalberto Pereira dos Santos, chefe do Estado-Maior do Exército e
Tenente-brigadeiro Carlos Alberto Huet de Oliveira Sampaio, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica.