08 Dezembro 2018
The Structure of Theological Revolutions: How the Fight Over Birth Control Transformed American Catholicism
Mark S. Massa, SJ
232 páginas; Oxford University Press
O padre jesuíta Mark Massa inicia seu novo livro, The Structure of Theological Revolutions: How the Fight Over Birth Control Transformed American Catholicism (A estrutura das revoluções teológicas: como a luta sobre o controle de natalidade transformou o catolicismo americano, tradução livre), com uma citação do poema de Oliver Wendell Holmes "The Deacon's Masterpiece: Or the Wonderful 'One-Hoss Shay': A Logical Story", publicado pela primeira vez em 1858:
That was built in such a logical way
It ran a hundred years to a day,
(...)
How it went to pieces all at once,
All at once, and nothing first,
Just as bubbles do when they burst.
O trecho conta que a carruagem do pastor havia sido construída de forma lógica, para ter um excelente funcionamento, mas acabou indo pelos ares de repente. O poema, claro, é uma metáfora e a destruição da pequena carruagem representa a destruição repentina do Calvinismo como quadro cultural essencial da sociedade da Nova Inglaterra. Após a divisão antebellum das primeiras paróquias em congregações unitárias ou congregacionalistas e a perda da ortodoxia em Harvard, as pessoas na Nova Inglaterra despertaram para o fato de serem yankees e não mais puritanos.
Segundo Massa, "a comunidade católica estadunidense viveu um desaparecimento muito semelhante e igualmente rápido desde um sistema teológico reverenciado após 1968". "O que saiu de cena foi, como no caso anterior, um sistema rigorosamente sistemático, lógico e teológico, tradicionalmente classificado como 'jusnaturalismo neoescolástico'".
O comentário é de Michael Sean Winters, jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 19-11-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Massa observa que podemos identificar a destruição da carruagem neoescolástica com precisão: em 25 de julho de 1968, quando o Papa Paulo VI publicou Humanae Vitae.
Massa explica que o volume tenta responder a duas perguntas: "Como a teologia — o estudo de Deus, cuja natureza imaginamos que seja eterna e imutável — muda ao longo do tempo? E por que?" Em busca das respostas, ele recorre à obra seminal de Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, que inspira o título do livro de Massa, mais especificamente ao conceito de mudança de paradigma.
"Kuhn argumentou que a ciência não evolui de forma contínua, em que cada desenvolvimento se baseia no anterior ordenadamente — o pressuposto que maioria das pessoas tem em mente quando usa a palavra progresso", observa (grifo no original).
Aplicando essa visão à teologia, especificamente à "microtradição" do pensamento jusnaturalista, Massa argumenta que "a história da teologia foi marcada por uma série regular de rupturas, rejeições e reinvenções, em que modelos mais novos podem substituir os mais velhos, que deixam de ser compreensíveis considerando os novos conhecimentos e dados."
Depois de um mergulho profundo na obra de Kuhn, Massa presta atenção em quatro teólogos pós-Humanae Vitae, que consideravam que trabalhavam dentro da tradição jusnaturalista e não apenas rejeitavam o pensamento neoescolástico que havia informado a Encíclica, mas cujos novos paradigmas eram radicalmente diferentes, mesmo baseando-se na tradição de São Tomás de Aquino de uma forma ou de outra.
O primeiro teólogo avaliado é o padre Charles Curran, que era professor da Universidade Católica da América quando Humanae Vitae foi promulgada. Ele rapidamente reuniu um grupo de teólogos para questionar os argumentos da encíclica — o que deu trabalho naquela época pré-internet — e, em 30 de julho de 1968, realizou uma conferência de imprensa no Hotel Mayflower em Washington, D.C. em que divulgou uma declaração assinada por 87 teólogos. A principal acusação era que o documento se baseava numa abordagem "inadequada" do jusnaturalismo.
"Os pressupostos mais básicos do velho paradigma [neoescolástico] — da possibilidade de identificar significados morais em atos físicos; da obrigação da Igreja de ensinar com autoridade à luz desses atos físicos; da abertura para a perpetuação da espécie como o objetivo final do coito humano — seriam não apenas indiferenciado ou muito discutido como também 'equivocados'", menciona Massa (grifo no original).
Ele caracteriza o desafio colocado por Curran e seus colegas da seguinte forma: "O paradigma mais velho não precisava de ajustes ou remodelações: precisava ser substituído."
A forma como Massa aborda esse desafio mostra seu amplo conhecimento histórico e teológico e capacidade incisiva de localizar os pontos-chave em questão em debates intelectuais com uma certa empatia pelas posições de que discorda. Por exemplo:
O que tornava o paradigma neoescolástico tão atraente para alguns teólogos morais pelo menos desde o século XVIII — sua compreensão "classicista" do jusnaturalismo como algo estático, proposicional e atemporal, com uma facilidade de utilidade para a criação e aprovação dessas leis; seu caráter a-histórico, que fez com que pudesse ser aplicado a todas as situações culturais e atores morais; sua compreensão legalista de uma lei eterna como uma fonte de obrigações e limitações, que parecia apresentar proposições claras e certas a situações éticas muitas vezes confusas e difíceis - agora declaramos ser um erro fatal profundamente inadequado ou “até mesmo equivocado”. E os teólogos católicos que assinaram o texto... apontaram que agora havia outras não proposições jusnaturalistas menos estáticas que "chegam a conclusões diferentes sobre esta questão [da contracepção]".
Não se tratava de uma "evolução", nem um desenvolvimento linear da doutrina, mas da substituição de um paradigma por outro. E, no caso, embora o paradigma neoescolástico estivesse sendo substituído, havia vários concorrentes para tomar seu lugar. Curran aderiu às teorias jusnaturalistas de Josef Fuchs e Bernhard Häring que recuperaram o papel da consciência nas decisões morais e encontrou maneiras de absorver e integrar criativamente conhecimentos da experiência humana e, mais especificamente, do jusnaturalismo nas ciências naturais.
O segundo acontecimento avaliado por Massa é a "nova lei jusnaturalista”, na forma do trabalho de Germain Grisez, que por muitos anos foi professor de teologia do Seminário de Santa Maria, em Emmitsburg, Maryland.
Ao contrário dos colegas da esquerda, ele concordava com a conclusão de Paulo VI em Humanae Vitae de que o controle de natalidade artificial violava o jusnaturalismo. Mas, segundo Massa, Grisez "— como os colegas 'da esquerda' — via a profunda incoerência intelectual da tentativa de extrair o 'dever' do 'é'”. Para Grisez, "normas morais — ou seja, orientações para uma vida ética — tinham de ser 'objetivas', no sentido de parecerem 'bens em si mesmos', sem a necessidade de discussões especulativas ou metafísicas sobre por que ou como eram desejáveis". Grisez ainda afirmava que era assim que Tomás de Aquino entendia o jusnaturalismo e que ele tinha sido mal interpretado por quem afirmava que as ideias dele eram suas próprias.
O "novo jusnaturalismo", que também foi abraçado e matizada por John Finnis, filósofo de Oxford que levou essas teorias para os círculos acadêmicos de elite e criou uma geração de estudiosos conservadores, também era conhecido como "teoria de bens básicos", postulando a existência de bens tão básicos para o desenvolvimento humano que "juntos, nos dizem o que os seres humanos são capazes de ser, não só como indivíduos, mas como comunidade". Massa explica que quatro dos bens essenciais eram o que Grisez denominava "reflexivos" — ou seja, refletiam como a pessoa era: a autointegração, a autenticidade, a amizade e a justiça.
Três eram "substantivos" — definindo a substância da vida humana: vida e bem-estar corporal, conhecimento da verdade e apreciação da beleza e "alto desempenho” e lazer. O oitavo e último era "casamento e família." Como o novo jusnaturalismo representou o fundamento da vida moral, os indivíduos nunca poderiam ter ações morais contrárias a qualquer um desses bens, o que seria irracional precisamente porque para agir de forma contrária a eles seria diminuir a capacidade de alcançar o pleno desenvolvimento humano, bem como um obstáculo à tentativa de chegar ao desenvolvimento comunitário.
Ao contrário dos neoescolásticos, que se utilizavam da razão humana desencarnada e abstrata, Grisez usou a experiência humana para defender Humanae Vitae. A contracepção não era algo errado porque contradizia algum fim abstrato e teleológico do matrimônio, mas porque a procriação é um bem básico necessário para o desenvolvimento humano.
Assim como Grisez, Jean Porter rejeitava a neoescolástica por suas afirmações abstratas e inacreditáveis sobre a certeza moral com base em silogismos. Mas para ela Grisez não chegou a reconhecer a necessária personificação da tomada de decisões moral. Durante a fala de Massa, ela argumentou que "todas as ideias — tanto as nossas como as de São Tomás de Aquino — fazem parte do fluxo da história e, portanto, precisam ser encaradas como artefatos históricos, estruturados por pressupostos intelectuais e culturais sobre os quais às vezes temos consciência, mas muitas vezes não temos" (grifo no original).
Sua recuperação historicista de São Tomás de Aquino começou reconhecendo que "um dos erros mais comuns ao recuperar textos medievais escritos sobre jusnaturalismo era uma 'suposição generalizada de que eles compreendiam os conceitos-chave de razão e natureza da mesma forma como entendemos hoje'”. Não sei se Porter conheceu o juiz Antonin Scalia ou seus seguidores originalistas, mas talvez ela pudesse ensinar algumas coisas a eles.
Massa aponta que talvez a interpretação equivocada mais importante de textos medievais identificada por Porter foi a suposição de que natureza e razão estavam em desacordo ou, pelo menos em oposição, que a natureza era "pré-racional". Segundo a autora, "Grisez e Finnis compartilham da visão moderna de que a natureza, entendida como tudo o que é pré-racional ou não racional, se opõe à razão. ... [Mas] nenhum pensador escolástico interpretaria a razão de forma a separar aspectos pré-racionais da nossa natureza [por um lado] e razão [por outro]. Eles sempre pressupõem uma continuidade essencial entre o que é natural e o que é racional, já que em sua visão a própria natureza é uma expressão inteligível da razão divina."
Porter aborda o particular e o histórico, argumentando que "o conceito de natureza é, pelo menos em partes, uma construção social", que "não se 'observa' a natureza; se constrói" (grifo no original).
Como você pode imaginar, ela foi acusada de ser relativista, mas é impossível ignorar o fato de que todos os nossos argumentos e afirmações humanas são, sem dúvida, construídos dentro da história. A revelação divina pode existir como uma realidade eterna, mas nosso entendimento, assim como nossa compreensão da natureza, é algo parcialmente criado, não que recebemos de forma passiva.
A última teóloga discutida por Massa é a colega da Boston College Lisa Sowle Cahill. Uma das maiores teólogas feministas, Cahill elogiou a preocupação de Porter sobre o que é histórica e culturalmente específico, mas não deixou de lado a possibilidade de alcançar uma ética universal. Massa levanta a seguinte questão: "O conceito do 'bem comum' vai conseguir sobreviver à globalização?" Será que certas práticas, como a circuncisão feminina, são um ataque à dignidade humana em todas as circunstâncias e lugares? Se são, como sustentar tal afirmação universal à luz da crítica de Porter?
A grande mudança de paradigma introduzida por Cahill foi que quando se busca uma ética global, não é preciso ir para o mundo das abstrações. É possível conversar com estudiosos do mundo todo e ver se chegam sobre questões éticas fundamentais.
"Contra as austeras alternativas do fundacionalismo objetivista e do não fundacionalismo relativista, é possível haver um modelo refigurado da racionalidade que englobe a contextualidade radical e a conversa transcontextual e interdisciplinar", explica Cahill.
Massa continua: "Ao contrário de abordagens Kantianas ao jusnaturalismo, como a do novo jusnaturalismo, São Tomás de Aquino não começou com valores ou princípios abstratos, mas 'de baixo para cima', generalizando a partir do que observava sobre os desejos humanos, comportamento e instituições sociais" (grifo no original). Não foram apenas as feministas que adotaram uma abordagem pragmática às bases éticas, mas também o próprio São Tomás de Aquino.
Aqui, apenas resumi os argumentos, que são muito mais complicados e ricos no texto de Massa, especialmente analogias do final entre o argumento e a obra exegética de John Meier, que estuda as Escrituras, que são de tirar o fôlego. O toque didático é evidente: quando ele explica, tudo fica claro com precisão quase jurídica de que a teologia não desenvolve um passo por vez, de forma linear, mas com mudanças grandes e até repentinas de significado.
Numa época caracterizada pela falta de civilidade e numa academia em que muitas vezes a rivalidade se expressa agressivamente, faz bem ler um autor tão generoso com diferentes pontos de vista e com as pessoas que os defendem. A única crítica ao livro - se é que tenho alguma - é que o adjetivo “brilhante” aparece muitas vezes.
Num momento em que tantos católicos anseiam por uma certeza que o mestre nunca prometeu e que a tradição não fornece, o livro de Massa tem um valor inestimável em sua insistência na ideia de que a mudança não é inimiga da verdade teológica, mas sua companheira. Os neofeeneyistas da First Things bem como em certos púlpitos devem se questionar se conseguem responder as perguntas da forma tão significativa e até definitiva, na minha opinião, com que Massa respondeu e argumentou. O que é definitivo está sempre além do horizonte. É parte do que nos torna humanos.
Amplitude intelectual, empatia e precisão, conjunto tão difícil de encontrar, e que ilustra tão bem o melhor da humanidade, são combinados em um tour de force. Qualquer um que queira levar a sério a vida intelectual católica precisa de uma cópia bem gasta desse livro na prateleira.
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A mudança não é inimiga da verdade teológica, mas sua companheira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU