15 Novembro 2018
Já não mais o homem-senhor dos seres vivos, mas o homem-compassivo que se encarrega de seu destino. Na semana passada, foi apresentada na Câmara de Comércio de Roma – em uma sessão do Festival 'Economia Come 2018' dedicada à Economia do Papa Francisco – uma série de estudos sobre a encíclica Laudato Si’ em relação à evolução teológica do Magistério desde o Concílio Vaticano II até hoje. Esses estudos analisam as considerações econômicas e filosóficas do Pontificado do Papa Francisco.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada por Vatican Insider, 13-11-2018. A tradução é de André Langer.
A relação entre os homens e os demais seres vivos mudou em relação à tradicional visão antropocêntrica proposta até agora pela Igreja. “Hoje devemos rejeitar energicamente que, pelo fato de sermos criados à imagem e semelhança de Deus e do mandado de subjugar a terra, possamos deduzir o domínio absoluto sobre as demais criaturas”, diz Francisco na Laudato Si’. Ali, apesar de confirmar em primeiro lugar a compaixão pelos seres humanos, chama a atenção para a indiferença e a crueldade em relação às demais criaturas.
“O coração é um só, e a mesma miséria que leva a maltratar um animal não demora para se manifestar na relação com as outras pessoas”. A esta mudança, como sempre na história da Igreja, se chegou gradualmente ao longo dos anos. E, pela riqueza e variedade de fundamentos teóricos, esta evolução do Magistério sobre o tema da relação entre homens e animais entrelaça-se estreitamente com a visão no sentido amplo da economia da Criação. “A mudança é cultural e exegética – disse Cristiano Colombi, professor de Economia Política na Universidade Pontifícia Santo Tomás de Aquino e da Universidade Salesiana de Roma. O respeito pela criação começa com o respeito pelo Jardim do Éden no Gênesis: o “domínio” sobre as criaturas está ligado ao respeito de suas regras. Nós temos o poder de dominar a Terra, mas não de depredá-la ou de destruí-la. Também neste sentido podemos interpretar a desobediência e a expulsão”. E, prossegue Colombi, “cada vez que nos percebemos como senhores da natureza e dos outros homens, reproduzimos o pecado do orgulho, que é uma corrida pelo poder contra o meio ambiente, o próximo e Deus, que está presente neles”.
Para esta nova visão, de acordo com o economista, “certamente contribuiu a visão da ‘Ecologia Integral’ que se desenvolveu na América Latina, que vincula a cosmologia dos povos originários, baseada na harmonia com a Mãe Terra, com a opção preferencial pelos pobres e seu papel na construção do Reino”. Esta fusão de sensibilidades, precisou Colombi, está “bem representada nas últimas obras de Leonardo Boff, Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres (Vozes), de 1995 (formulação retomada na Laudato Si’), até Opção Terra (Record), de 2008”. Mas também em “experiências pastorais, como a carta “Dá-nos hoje a água de cada dia” (2011), do bispo de Aysén, dom Luis Infanti De La Mora, que denuncia a exploração das fontes de água na Patagônia chilena, ‘antecipando’ o método que se seguiu na Laudato Si’, que parte de dados da realidade”.
Um longo caminho que começa, portanto, lá trás. “Na encíclica Laudato Si’, assim como no magistério da Igreja, o homem é o protetor da Criação afirmado em todas as suas formas – afirmou Cristiana Buscarini, professora de Economia Empresarial na Università degli Studi Roma Foro itálico. Protetor e não senhor absoluto, que dispõe da Criação para o seu uso e consumo indiscriminadamente, como o “homo oeconomicus” está se comportando. Protetor, ao contrário, quer dizer que trabalha com consciência pela proteção e o cuidado da Criação, sabendo distinguir o que é bom do que não é e, portanto, agindo com responsabilidade e atenção aos efeitos de curto e longo prazos das próprias ações”.
Então, acrescentou o economista, “nada disso é novo, como, aliás, sugere o título que o Papa Francisco escolheu para a encíclica”. Por outro lado, o que é novo “é a necessidade de recordá-lo aos fiéis e a todos os homens de boa vontade, posto que se perdeu a concepção sagrada da Criação e sua ligação com o homem”.
A verdadeira novidade da encíclica em relação à doutrina social anterior está em que indica, pela primeira vez, de forma clara e sistemática, a interligação que existe entre a defesa do meio ambiente, a ecologia humana, a mudança climática, as migrações, as guerras, a pobreza e o sistema econômico-financeiro. Sem uma perspectiva global que leve em conta as conexões entre esses problemas, é difícil, senão impossível, encontrar soluções eficazes.
Na encíclica Laudato Si’ questiona-se a ideia do homem senhor de uma Criação que deve ser explorada, para insistir na imagem do homem protetor, administrador da Criação. Uma concepção que convive sem contradições com o que disse o Papa Francisco na audiência de 14 de maio de 2016, durante o Jubileu da Misericórdia: “Quantas vezes vemos as pessoas tão apegadas a cães e gatos, e depois deixar sem ajuda o próximo que está com fome!”.
“Esta frase expressa, na minha opinião, somente a tristeza de Francisco pela falta de fraternidade e solidariedade entre os seres humanos – precisou Colombi. Os dois papéis do guardião da Criação e do irmão de qualquer ser humano nunca deixaram de ser definidos e nunca foram questionados”. Esta contradição apenas aparente, afirmou, denuncia “a verdadeira contradição: na visão segundo a qual Deus está definitivamente ligado a esta Terra e a todas as suas criaturas, unindo-se desta maneira ao grito contra as injustiças, a sensibilidade pessoal para com os animais e os outros seres humanos deveria ser a mesma”.
Segundo Colombi, nisto “reside o escândalo de quem socorre o cão abandonado, mas não vai ao encontro do próximo que sofre”. Por isso, “devemos exercitar nossa solidariedade para com as duas injustiças, entre as quais não há contradição: é o conceito de integração que devemos ter presente. Não faz sentido escolher entre alguns dos habitantes da casa comum, e usar a indiferença em relação aos outros ou à própria casa”. Assim como “não faz sentido monopolizar recursos e impedir a outros o acesso aos mesmos ou degradando o ecossistema, que é a casa de todos”.