26 Outubro 2018
Sustentabilidade – São os humanos capazes de conduzir o crescimento econômico, atender à crescente demanda por comida, energia e água e fazer significativo progresso ambiental?
A reportagem foi publicada por Universidade do Colorado em Boulder, 25-10-2018.
A resposta curta é ‘sim’, mas seguida de vários grandes ‘ses’. Uma nova pesquisa indica que podemos colocar o mundo em um caminho para a sustentabilidade se fizermos mudanças significativas dentro dos próximos 10 anos.
A cidade americana de Louisville, no Kentucky, EUA, não é conhecida como um ninho de ação e inovação ambiental. Mas isso poderá mudar, visto que ela recentemente se tornou lar de uma inédita colaboração entre ambientalistas, líderes municipais e profissionais da saúde pública.
O Projeto Green Heart, financiado em parte pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, plantará árvores nos bairros de toda a cidade e monitorará como elas afetam a saúde dos moradores. É um experimento médico inovador – um estudo controlado da natureza como uma intervenção médica.
O Green Heart é apenas um projeto em uma cidade, mas ele representa uma nova maneira de pensar no papel da preservação em solucionar problemas humanos. Ele faz parte de um modelo emergente de colaboração intersetorial que visa criar um mundo pronto para os desafios de sustentabilidade à frente.
É este mundo possível? Aqui, nós apresentamos uma nova visão com base científica que diz “sim”, mas que exigirá novas formas de colaboração entre setores tradicionalmente separados e em uma escala quase sem precedentes.
Muitos presumem que os interesses econômicos e ambientais são conflitantes. Mas uma nova pesquisa defende que essa percepção de desenvolvimento versus preservação é não só desnecessária, como também ativamente contraproducente para ambas as partes. Alcançar um futuro sustentável dependerá de nossa habilidade de garantir tanto comunidades humanas prósperas quanto ecossistemas naturais abundantes e saudáveis.
A The Nature Conservancy fez uma parceria com a Universidade de Minnesota, o Instituto Cooperativo de Pesquisa em Ciências Ambientais (CIRES) da Universidade do Colorado em Boulder e outras 11 organizações para averiguar se é possível alcançar um futuro onde as necessidades das pessoas e da natureza são promovidas. Podemos realmente atender à necessidade das pessoas por comida, água e energia enquanto fazemos mais para proteger a natureza?
Para responder tal questão, comparamos como o mundo será em 2050 se o desenvolvimento econômico e humano progredir como vem fazendo atualmente e como será se, ao invés disso, nós unirmos forças para implementar um caminho “sustentável”, com uma série de soluções justas e tecnologicamente viáveis para os desafios que temos pela frente.
Em ambas as opções, usamos as principais projeções de crescimento populacional e de produto interno bruto para estimar como a demanda por comida, energia e água se desenvolverá entre 2010 e 2050. Na primeira hipótese, de progresso como de costume, analisamos como expectativas existentes e tendências impactarão o uso da terra e da água, a qualidade do ar, o clima, as áreas protegidas e a pescaria em oceanos.
Na segunda hipótese, a mais sustentável, propusemos mudanças no modo e no local em que comida e energia são produzidas, questionando se tais ajustes poderiam levar a melhores resultados para a natureza e para o bem-estar humano. Nossas descobertas estão descritas por completo em um artigo avaliado pelos pares, intitulado “Uma Visão Global Alcançável para a Preservação e Bem-Estar Humano”, publicado no periódico Frontiers in Ecology and the Environment.
Tais cenários nos fazem perguntar: podemos fazer melhor? Podemos projetar um futuro que atenda às necessidades humanas sem degradar ainda mais a natureza no processo?
Nossa resposta é ‘sim’, mas seguido de vários grandes ‘ses’. Há um caminho para se chegar lá, mas as questões são urgentes. Se quisermos alcançar essas metas até o meio do século, teremos de dramaticamente intensificar nossos esforços desde já. A próxima década é decisiva.
Além do mais, mudar de rumo nos próximos dez anos exigirá colaboração global em uma escala talvez não vista desde a Segunda Guerra Mundial. A ideia bastante comum de que os alvos econômicos e ambientais são incompatíveis contribuiu para uma falta de conexão entre as bases sociais mais bem equipadas para resolver problemas interligados, como a saúde pública e comunidades de desenvolvimento, financeiras e de preservação. Isto tem de mudar.
A boa notícia é que não é necessário escolher entre proteger a natureza e fornecer água, comida e energia para o mundo em crescimento. Ao invés disso, nossa abordagem pede iniciativas inteligentes para energia, água, ar, saúde e ecossistemas, que equilibrem igualmente as necessidades de crescimento econômico e de preservação dos recursos. Em vez de um jogo de soma zero, esses elementos são lados equilibrados de uma equação, revelando o caminho para um futuro onde as pessoas e a natureza prosperam juntos.
Essa visão não é um desvio total do que outras já ofereceram. Diversos cientistas e organizações proeminentes já apresentaram visões importantes e ponderadas para um futuro sustentável. Mas normalmente tais planos consideram as necessidades das pessoas e da natureza separadamente, usam análises confinadas a setores e geografias limitados, ou presumem que escolhas difíceis devem ser feitas, tais como desacelerar o crescimento populacional global, reduzir o crescimento do PIB ou adotar dietas vegetarianas. Nossa nova pesquisa considera as necessidades do desenvolvimento econômico global e da preservação juntos, mais holisticamente, para encontrar um caminho sustentável adiante.
Como seria um futuro diferente? Usamos como padrão os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, uma coleção de 17 medidas para “um mundo onde todas as pessoas são alimentadas, saudáveis, empregadas, educadas, capacitadas e prósperas, mas não às custas das demais vidas na Terra.” Nossa análise se alinha diretamente com dez destes objetivos. Usando os ODS como orientadores, nós imaginamos um mundo em 2050 que seja bem diferente do atual e drasticamente diferente daquele que enfrentaremos se continuarmos a fazer as coisas como fazemos hoje.
Examinamos 14 medições para criar nossa avaliação das duas opções de caminhos a seguir, incluindo mudança de temperatura, níveis de dióxido de carbono, poluição do ar, consumo de água, comida e energia e áreas protegidas.
Nos próximos 30 anos, sabemos que enfrentaremos rápido crescimento populacional e maiores tensões em nossos recursos naturais. As estatísticas são sérias: com 9,7 bilhões de pessoas no planeta em 2050, podemos esperar um aumento de 54% e 56% na demanda global por comida e energia, respectivamente. Embora seja possível atender a essas demandas crescentes e alcançar a sustentabilidade, é de ajuda verificar em que ponto o status quo irá nos atingir.
A Organização Mundial da Saúde, o Fórum Econômico Mundial e outras organizações importantes de desenvolvimento global afirmam que a poluição do ar e a escassez de água – desafios ambientais – estão entre as maiores ameaças para a saúde e prosperidade humana. Nossa análise deixa claro o que muitos já temem: o desenvolvimento humano baseado nas práticas atuais não nos preparará para um mundo com quase 10 bilhões de pessoas.
Dito de maneira simples: se mantivermos o curso atual, correremos o risco de sermos encurralados em um ciclo cada vez mais intenso de escassez – nossas oportunidades de crescimento severamente limitadas e nossas paisagens naturais severamente degradadas. Neste cenário, podemos esperar um aumento de 3,2 ºC na temperatura global, um agravamento na poluição do ar que afetará mais 4,9 bilhões de pessoas, uma sobrepesca de 84% e um maior estresse hídrico, afetando 2,75 bilhões de pessoas. A perda de habitats continua, deixando intactas menos de 50% das pradarias e de diversos tipos de florestas.
Porém, se fizermos mudanças em onde e como atendemos às demandas por comida, água e energia para as igualmente crescentes população global e riquezas, o cenário poderá ser acentuadamente diferente até o meio do século. Esse caminho de “sustentabilidade” inclui limitar o aumento da temperatura global a 1,6 ºC – alcançando a meta do Acordo de Paris -, eliminar a sobrepesca e aumentar a produtividade pesqueira, diminuir em 90% a exposição à nociva poluição do ar e reduzir o número de pessoas, rios e áreas agrícolas afetados pelo estresse hídrico.
Esses alvos podem ser atingidos enquanto habitats naturais se estendem dentro e fora de áreas protegidas. Todos os países signatários das Metas de Aichi atingem as metas de conservação de habitats e mais de 50% de todas as ecorregiões permanecem naturais, exceto as pradarias temperadas (das quais mais de 50% já são modificadas hoje).
Alcançar este futuro sustentável para as pessoas e para a natureza é possível com tecnologias e consumo existentes e aguardados, mas somente com grandes mudanças nos padrões de produção. Efetuar tais mudanças exigirá superar substanciais desafios econômicos, sociais e políticos. Resumindo, não é provável que os limites biofísicos do planeta determinarão nosso futuro, mas sim nossa disposição de pensar e agir diferentemente por colocar o desenvolvimento econômico e o meio ambiente em pé de igualdade e encará-los como sendo partes centrais da mesma equação.
Referência:
Tallis, H. M., Hawthorne, P. L., Polasky, S. , Reid, J. , Beck, M. W., Brauman, K. , Bielicki, J. M., Binder, S. , Burgess, M. G., Cassidy, E. , Clark, A. , Fargione, J. , Game, E. T., Gerber, J. , Isbell, F. , Kiesecker, J. , McDonald, R. , Metian, M. , Molnar, J. L., Mueller, N. D., O’Connell, C. , Ovando, D. , Troell, M. , Boucher, T. M. and McPeek, B. (2018), An attainable global vision for conservation and human well being. Front Ecol Environ.
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A ciência da sustentabilidade – Poderá um caminho unificado para o desenvolvimento e a preservação nos levar a um futuro melhor? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU