26 Outubro 2018
"Como chegamos a isso? As razões explicativas podem ser múltiplas, entretanto não devem ser tomadas em separado. Igualmente, não podem ser lidas de modo fundamentalista, determinista e fatalista. O melhor mesmo nesse tempo é tentar ser realista. Na análise, pessimista, porém na ação sempre otimista", escreve Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB.
Eis o artigo.
Os sinais e as provas são abundantes e inequívocos. Não há como ignorar, esconder ou simplificar. Estamos noutros tempos, bem diferentes dos de outrora, mas, ao mesmo tempo, consequentes dos que nos antecederam. O que mudou e o que permanece? Mudou a aparência e permanece a essência ou mudou a essência e também a aparência? Em outros termos, a sociedade atual alterou seus meios para conseguir seus fins ou inventou outros meios para seus novos fins? Não é vã filosofia pensar sobre o tema em questão. É uma necessidade vital para superar a alienação.
Os tempos de agora nos revelam algumas decadências. Não que o mundo esteja em completa ruína, ainda que alguns assim entendam ou pretendam. Mas, olhando para a situação do Brasil no momento presente, é possível identificar diversas. Entre elas: a decadência da política, da justiça, da democracia e da civilidade. A decadência encerra o seu contrário, que consiste na elevação e agudização do lastro da barbárie. A barbárie nos seus mais diversos graus de crueldade.
Junto com a banalização da violência, a disseminação dos discursos de ódio, as práticas inescrupulosas do desrespeito, as expressões incontidas de preconceitos, ressurgem antigos fins com novas estratégias. A tortura e a ditadura; a opressão e a escravidão; a desigualdade e a corrupção, o mal contra o bem (para usar o antigo e sempre novo jargão) vigoram e se refestelam no saguão da desumanidade. Porém, agora estão sendo inebriados com a doce-amarga bebida da pós-verdade.
Como chegamos a isso? As razões explicativas podem ser múltiplas, entretanto não devem ser tomadas em separado. Igualmente, não podem ser lidas de modo fundamentalista, determinista e fatalista. O melhor mesmo nesse tempo é tentar ser realista. Na análise, pessimista, porém na ação sempre otimista. Fácil não é porque requer serenidade. Esta também se tornou difícil na atualidade. Ocorre que nunca esteve tão confusa a tal da verdade. Uns dizem que é verdade que é mentira e outros rebatem dizendo que é mentira que é verdade.
Com o surgimento e o uso acentuado das novas tecnologias e das redes sociais digitais passamos da modernidade à pós-modernidade. E, de par com essa realidade, planejado, desejado ou meramente inusitado sem ser pretendido, alçamos ou decaímos para a pós-verdade. Isso é tão verdade que não carece de maior demonstração. São os fake news, nem mais uma verdade, que podem decidir esta eleição.
O que fazer agora; o que fazer, então? Desesperar-se, não. Partir para a brutalidade, também não. Muito menos ficar indiferente ou entrar em depressão. É hora de continuar defendendo a justiça e a democracia com coerência, de lutar pela educação e buscar forças na organização. Com base no diálogo, no respeito à diversidade, no fortalecimento da solidariedade, construirmos juntos a nova sociedade!
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Das decadências à pós-verdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU