24 Setembro 2018
"E, ao contrário do que ocorre com Trump, aqui o 'Estado profundo' parece querer mergulhar de cabeça na distopia neo integralista onde o fantasma de Olympio Mourão faz morada", escreve Bruno Lima Rocha, pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política, professor de relações internacionais e de jornalismo.
Estamos em setembro de 2018 e metade do Brasil está sob um legítimo e justificado estado de nervos. No texto que segue fazemos três reflexões sobre o momento do antifascismo e algumas perspectivas.
O barco já está afundando, ou seja, a Nova República está sendo enterrada viva e com ela os direitos sociais duramente batalhados como contrapartida da luta do povo brasileiro no período da Abertura lenta, gradual e restrita. Como diziam os antigos, isso – a perda - já é jornal velho.
Os direitos sociais são a conquista substantiva na Constituição de 1988 e, sim, formavam na década de '80 a concepção do reformismo ainda radicalizado, mesclando uma formação em cima de Paulo Freire e Antonio Gramsci, e todas as diversas significações que isso pode implicar em um partido massivo, com direito de tendência e liderança carismática e intocável, como o ex-presidente Lula.
O ciclo que se encerra está para além da Nova República e trata-se da formalização institucional das relações sociais no Brasil. Há registro de comemoração do primeiro de maio - dia do trabalhador - já em 1892. Na virada do século, boa parte das associações mutualistas ou ligas de socorros mútuos foram acompanhando o debate da ala federalista da 1ª Associação Internacional e tomaram os rumos do chamado sindicalismo de intenção revolucionária (de orientação anarquista). Foram exatos quarenta anos até as primeiras legislações de vulto ser promulgadas em 1932. Vargas terminou o trabalho sujo de Arthur Bernardes, cortou a cabeça do sindicalismo classista, reprimiu primeiro o anarquismo e depois a linha de Moscou e concluiu sua obra excluindo os setores mais duros do integralismo de seu Estado Novo, aos moldes do salazarismo português à época.
Mas, com toda a repressão e o autoritarismo varguista, o conjunto de regulações do mundo do trabalho e das legislações sociais veio em um crescendo, chegando até ao mundo da roça, o campo, em pleno governo Geisel. Por isso a ditadura no Brasil criou um regime de tutela militar e voltado para a modernização conservadora. Está tudo indo embora neste período histórico, à exceção do pior de sua reivindicação: militares entreguistas; neoliberais selvagens; esnobismo anti-povo e elogio às posturas anti-intelectuais. Enfim, estamos vendo a linha chilena manifestando-se através do racismo de classe como bem define Jessé Souza.
O desmonte do Estado em sua dimensão tanto pública como estratégica até pode ser revertido ou ter alguma interrupção, mas o pacto de classes gerado na Abertura e depois aprofundado no período lulista, esse já era. É um morto vivo e não terá solução nem neste ano e menos ainda no próximo biênio, independente do resultado das eleições presidenciais.
Realmente o momento é grave, e por vários motivos, – relações causais diretas e indiretas - já muitas vezes debatidos tanto aqui como em publicações semelhantes. Se por um lado o recuo de legislação protetiva conforme narrado acima, simplesmente retira o chão de quem precisa literalmente ser protegido da sanha do capitalismo periférico, por outro, chama a atenção para novos recursos societários.
Traduzindo, os espaços urbanos vão ficar cada vez mais perigosos se não houver uma ampla - e urgente - retomada do investimento em equipamentos públicos. Como isso não transforma territórios violentos em "pacificados" em menos de três anos, teremos um trabalho social em locais deflagrados cada vez mais difíceis de serem executados. Mas, como se sabe na luta popular, ou se tem trabalho de base, e a partir destes, temos recursos de mobilização, ou tudo não passa de perigosa ilusão.
Um espaço intermediário seria o incremento da mobilização, com algum grau razoável de organização perene, das lutas derivadas do antifascismo que emerge nos últimos quatro anos, à medida que o pacto de classes é derrubado e através deste, a Nova República também. A sociedade está bastante mobilizada através de redes de identificação política, ideológica, simbólica, de gêneros, étnico-culturais e faltava - falta ainda - algum grau de unidade para todo esse caldeirão de possíveis lutas que ultrapassam a superfície e se fazem notar.
A aposta segura seria esse caldo de cultura como energia sobrante, na resistência ao avanço do protofascismo - caso a desgraça ocorra e a chapa Bolsonaro-Mourão vença nas urnas e, ainda que o pior não ocorra, apostar que todo o avanço reacionário vai recuar se perder para o voto útil é algo que beira a fantasia organizada.
Vem daí a questão de fundo: como garantir que toda essa energia que transborda o voto útil e o alinhamento ao reformismo possa existir a partir de novembro, e mais importante ainda, consiga realinhar forças a partir de fevereiro-março de 2019?!
Não está fácil, mas é o momento de menor recuo desde a avançada que culminou na rebelião popular de 2013 e o decorrente sequestro da pauta pelos grupos de mídia naquele ano ainda.
Pareço repetir o óbvio, mas se eu ainda conheço as centro-esquerdas e esquerdas brasileiras, não vejo nada além de "expectativas" quanto ao "o que fazer caso a desgraça aconteça". Assim, arrisco o passo seguinte do antifascismo cravando alguma unidade. Primeiro, observo que a dimensão das lutas sociais, da defesa da democracia em seu sentido mais profundo, vai ser a constante do dia a dia. Caso Bolsonaro, seu guru Chicago Boy e o general que "admira" Ustra em rede nacional e sem rubor algum não ganhem, 2019 será uma reedição de 2015 durante o governo Levy. Mas, caso os protofascistas cheguem ao Planalto pela força do voto na urna burguesa, aí o racha nacional se materializa. Explico.
Se a aventura política da versão brasileira linha chilena não der em vitória eleitoral, essas forças se dissipam e provavelmente em algum flanco jurídico o futuro ex-deputado vai sofrer.
A derrota eleitoral de Bolsonaro pode galvanizar o projeto político de médio prazo, no NOVO, onde os ultraliberais "apresentáveis se apresentam para a sociedade", propondo o desmonte dos direitos coletivos em nome de uma modernização colonizada. A distopia de Buchanan, Mises e Hayek pode vir a se tropicalizar, sempre com a inestimável ajuda da mídia, mas não agora.
O agora é o ontem, no cume de guerra fria e a linha chilena ruminantes no Brasil. Daí, o debate óbvio e que obviamente não cabe em rede aberta, é observar o que cada agrupação, corrente, tendência, coletivo, federação, organização, partido e movimento fará diante de uma democracia aparente e um projeto totalitário e ultraliberal no Planalto. Se do lado de cá tudo é ainda especulação, do lado de lá, posso apostar em um avanço na criminalização da luta política e a judicialização do debate cibernético. E, ao contrário do que ocorre com Trump, aqui o "Estado profundo" parece querer mergulhar de cabeça na distopia neo integralista onde o fantasma de Olympio Mourão faz morada. O tema é tão delicado que paro por aqui, mas corroboro - neste quesito - a análise quanto ao papel da Lava-Jato e quem a apoia incondicionalmente feita pelo liberal semi arrependido Reinaldo Azevedo. Este, antes de deitar baboseira no panfleto dos Civita - onde não está mais - deveria ter relido o Golbery e, tal como o Dr. Frankenstein, se dado conta: "eu criei um monstro!". Neste caso, não se trata somente do hoje âncora de programa líder na Bandnews. Quantos e tantos que ajudaram a criar o monstro e agora sequer sabem o que fazer e nem para onde correr.
Da banda de cá de novo, será a hora de rumar no sentido da bela estrofe do mais célebre hino antifascista, a Canção do Expedicionário, marcha da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
"esse 'V' que simboliza, a vitória que virá, Nossa vitória final".
Tenho muita esperança no sentido coletivo das brasileiras e dos brasileiros. Vale lembrar que o povo se armou de voluntários e obrigou o Estado Novo a ir à guerra contra o Eixo nazifascista. Na campanha da Itália, nossos heróis pracinhas enfrentaram tropas alemãs com mais de cinco anos de guerra e neve na altura do joelho. Os fascistas daqui, como Olympio Mourão ou o patético Eduardo Gomes, passaram a mesma guerra no Brasil, se escondendo atrás de uma mesa.
Há que seguir a letra, "as asas do meu ideal, a glória do meu Brasil". Ou seja, concluir a obra do herói da FAB, brigadeiro Rui Moreira Lima, que da eternidade deve ainda desejar cumprir a ordem direta que Jango mesmo levando um golpe, nunca dera.
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Três reflexões sobre o momento do antifascismo brasileiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU